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Capítulo 1. Afrocentricidade e Educação

1.3. As origens africanas da filosofia grega

1.3.1 O milagre grego revisitado

A professora Marilena Chaui é uma das poucas pensadoras no cenário nacional

que trata do debate sobre a origem da filosofia. Isto é um mérito, pois a ideia de que a filosofia é um presente dos gregos segue dominante na academia brasileira a despeito do conjunto de obras que a questionam. A filósofa vê tese do milagre grego como um problema a ser examinado, porque ela implica em compreender os gregos como um povo especial e único capaz de dar origem à filosofia e à ciência (CHAUI, 2010, p. 18).

A professora pretende enfrentar o problema a partir de três pares de questões que de acordo com ela teriam dividido os historiadores da filosofia:

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Ver, por exemplo, o artigo O Estatuto e as leis pra negro ver disponível em:

1) A filosofia é a expressão mais acabada do milagre grego ou resultado de empréstimos, influências e heranças orientais?

2) A filosofia é a expressão mais acabada do “gênio helênico” enquanto harmonia simplicidade e luminosidade ou uma das manifestações do dilaceramento trágico, da desmedida e do fundo obscuro do espírito grego?

3) A filosofia é o advento da razão inteiramente libertada do mito e da religião ou é a continuação (racionalização e laica) das formulações mítico- religiosas?

Em resumo: apesar de a filosofia possuir data e local de nascimento, suas origens não são um fato simples, mas objeto de controvérsias (o que, aliás, é muito próprio da filosofia). A causa da controvérsia é, justamente, o conteúdo da filosofia nascente, isto é, a cosmologia (CHAUI, 2010, p.18).

A caracterização apresentada por Chaui é intrigante. Como pode haver controvérsias sobre a origem da filosofia se ela tem data e local de nascimento preciso? Quem são os autores que disputam o conteúdo da filosofia nascente? A pensadora é partidária da ideia de que a filosofia nasceu na Grécia no século VI a.C., que Tales de Mileto foi o primeiro filósofo e que a filosofia tem um conteúdo preciso a cosmologia, ou seja, uma explicação racional sobre a origem e a ordem do mundo. (p.16) Já mostramos que esta construção é recente e produto do racismo dos pensadores modernos dos séculos XVIII e XIX. Entretanto, este fato está ausente da caracterização formulada pela professora. Podemos perceber, então, que a preocupação de Marilena Chaui consiste em salvar a ideia do milagre grego, mas ao mesmo tempo, rejeitar sua óbvia implicação racista e triunfalista. A análise do primeiro item do problema nos permitirá demonstrar esta afirmação e que não é possível separar racismo e milagre grego.44

Na seção As Teses Contrárias a Respeito da Origem da Filosofia: Milagre

Grego Versus Orientalismo a descrição que a filósofa faz do que julga ser um debate

histórico entre posições divergentes é, em nosso ver, equivocada. Chaui parte do pressuposto que historicamente houve uma oposição entre o que ela chama de tese “orientalista”, que afirma que a filosofia grega é mera continuidade do pensamento

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Os itens 2 e 3 do problema apresentado por Marilena Chaui retomam a tese dos românticos e classistas alemães do século XVIII e de do filósofo Georg Hegel. Estas posições já foram discutidas neste trabalho. Para uma crítica destas teses ver a obra citada de Martin Bernal Black Athena. Entretanto a posição de Hegel, que não foi totalmente assumida pela autora, de acordo com Chaui coloca debate das condições históricas que propiciariam o nascimento da filosofia na Grécia. Depois da análise dos três itens a professora abre a seção seguinte com o parágrafo: “Resta-nos, agora, compreender o que tornou possível o nascimento da filosofia na Grécia, isto é, as condições materiais ou condições históricas (econômicas, sociais e políticas) que tornariam possível o surgimento deste tipo de pensamento único até então. Por que, no século VI ª C., nas colônias da Ásia Menor e mais, precisamente, na jônia, nasceu a filosofia?” Vale ressaltar que a autora não utiliza fontes fora do cânone tradicional e eurocêntrico. Por fim, é falsa a ideia de que os historiadores da filosofia se dividiram entre estes as posições apresentadas nos três itens, pois a única tese com respaldo histórico é a que trata das origens africanas da filosofia.

dos egípcios, caldeus, persas e babilônios e a tese do milagre grego, que sustenta ser a filosofia é um produto único e exclusivo do gênio grego. É importante ressaltar que a caracterização da tese como orientalista é inacurada. O mais correto a este respeito seria batizá-la de tese africana, visto que os gregos se referem de maneira abundante ao Egito em comparação à Babilônia, Caldeia, Pérsia e como bem observa Asante (2009b) estas civilizações não se equiparavam à pujança do antigo Egito no período. Além do mais, a escolha da professora segue a tradição inaugurada por Hegel que considerava o Egito como parte do Oriente separando-o assim do continente africano.

Para ilustrar sua posição ela recorre à seguinte passagem de Diógenes Laércio:

Frequentemente, pretendeu-se que a filosofia havia nascido no estrangeiro. Aristóteles (Livro da magia) e Socião (Filiações) dizem que os Magos, na Pérsia, os Caldeus, na Babilônia e na Assíria, os Gimnosofistas, na Índia, e uma gente chamada Druidas e Senoteus, entre os Celtas e Gauleses, foram criadores [...]. Por seu turno, os egípcios pretendem que Hefesto, o criador dos princípios da filosofia ensinados pelos padres e profetas, era filho de Nilo [...] Porém, ao atribuir aos estrangeiros as próprias invenções dos gregos, todos esses autores pecam por ignorância, pois os gregos deram nascimento não só a filosofia, mas a todo gênero humano. Registramos: em Atenas nasceu Museu e em Tebas, Linos. Museu, filho de Eumolpos, escreveu, segundo a tradição, a primeira teogonia e o primeiro tratado da esfera. Foi o primeiro a afirmar que tudo nasce do uno e retorna ao uno [...]. Por sua vez, Linos era filho de Hermes e da musa Urânia. Compôs uma cosmogonia e descreveu o curso do Sol e da Lua e a geração dos animais e das plantas [...]. Sim, foram os gregos que criaram a filosofia, cujo nome, aliás não soa estrangeiro (LAÉRCIO, 1987, p.31).

A filósofa interpreta o chauvinismo de Diógenes Laércio que ela corretamente chama de exagero etnocêntrico (CHAUI, 2010, p. 20) – a argumentação do pensador “os gregos não apenas foram responsáveis pela origem da filosofia, mas por todo o

gênero humano” fala por si – como a exposição de uma opinião contrária à ideia de

que a filosofia nasceu no “Oriente” e que teria respaldo ao longo tradição da filosofia. De fato, Laércio expressa um pensamento contrário à ideia de que a filosofia não é de origem grega. No entanto, sabemos que somente esta posição possui respaldo histórico. A filósofa inadvertidamente reconhece este fato, pois não apresenta em seu texto qualquer evidência, além da passagem citada, de que ao longo dos séculos existiram pensadores sustentando a origem grega da filosofia. Ao contrário, Chaui confirma o que apresentamos na nesta seção: os gregos antigos reconheciam sua dívida cultural com o “Oriente” e até o século XIX esta posição era

representativa na tradição ocidental (p. 20). Desse modo, a posição defendida por Laércio e respaldada pela professora, não reflete um debate ou oposição entre teses historicamente sustentadas e respeitadas, mas sim um desejo, devido ao chauvinismo do autor, de que a filosofia fosse um presente dos gregos para a humanidade. Vimos que o próprio pensador reconhece que Platão, Tales e Pitágoras, por exemplo, foram estudantes dos antigos egípcios. Ademais, Laércio, na citação acima, somente apresenta evidência para o que Chaui chama de tese orientalista. Ele não apresentou autores que sustentassem a sua posição. Aliás, Diógenes Laércio parece irritado com a opinião dominante sobre a origem do conhecimento filosófico.

Ao colocar o debate nestes termos, Marilena Chaui deixa de enfatizar que a tese do milagre grego é uma construção recente, e produto do racismo dos intelectuais europeus dos séculos XVIII e XIX, e a colocou no mesmo patamar do “orientalismo”.

Em seguida a professora, apoiada nos trabalhos de Rodolfo Mondolfo (1877- 1976) e Abel Rey (1873-1940), afirma que a tese orientalista não é absurda. Entretanto a filósofa ressalta:

A tese orientalista não é descabida. Mas não pelo motivo que seus defensores apresentam – isto é a plena continuidade entre as formulações orientais e a filosofia grega – e sim por causa de alguns fatos relevantes. Por um lado havia um começo45 de ciência no Egito e na Babilônia – matemática e medicina no primeiro, astrologia na segunda – e foram inegáveis os contatos políticos entre ambos e a Grécia (CHAUI, 2010, p. 20).

Chaui afirma que tanto a tese orientalista quanto a opinião de Diógenes – novamente a pensadora reconhece que a tese do milagre grego não é histórica, mas o pensamento, melhor seria dizer desejo, apenas de Diógenes Laércio – “são opiniões exclusivistas e exageradas (e não isentas de preconceitos raciais e racistas): a orientalista, que faz da filosofia simples continuação de um passado oriental; e a ocidentalista, que faz da filosofia uma invenção própria do Ocidente” (CHAUI, 2010, p. 22).

Que a tese do milagre grego seja produto do racismo já o demonstramos, embora a professora não trate em seu texto deste problema da maneira que

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apresentamos aqui. Agora a afirmação de Chaui de que aqueles que sustentam que a filosofia é uma continuação do passado oriental apresentam uma opinião exclusivista, exagerada, preconceituosa ou racista somente adquire significado se compreendermos a filosofia como um conhecimento superior a todos os demais produzidos antes dos gregos – este não é o único modo de conceber a filosofia e, desse modo, Chaui deveria estabelecer a validade desta concepção – o que tornaria o pensamento dos gregos diferente e superior ao dos orientalistas, e, desse modo, objeto de cobiça por partes destes. Em apoio à nossa interpretação basta rever o argumento utilizado pela filósofa para provar o exclusivismo, exagero, preconceito racial e o racismo dos inominados orientalistas: transforma a filosofia em simples continuação […]. Ora, por que este não poderia ser caso? Ela reconhece o contato entre os gregos e o que chama de povos orientais e citando Heródoto afirma: “os gregos viajam para comerciar e conhecer” (CHAUI, 2010, p. 19). Pitágoras estudou vinte e dois anos no Egito. Platão treze anos. Onde está o preconceito da afirmação? Como não foi possível refutar a visão dominante sobre a origem da filosofia, a professora teve que desqualificá-la. Assim, ficaríamos diante de duas posições indefensáveis o que nos levaria a busca de uma posição mais satisfatória e “livre de preconceitos”.

É o que Chaui faz em seguida ao afirmar que a crítica histórica do século XIX, colocou limite aos exageros, preconceitos e limites das duas opiniões (p. 23). Neste ponto, inadvertidamente, a professora reconhece que os pensadores europeus do século XIX estavam incomodados com as origens africanas da filosofia. Ela não expõe, entretanto, as razões deste incômodo. Se a professora desconhece as críticas africanas, isso é um indicativo do peso do eurocentrismo em sua análise. Esta situação, entretanto, pode ser corrigida. Agora se conhece, e preferiu salvar o milagre grego e não mencionar o racismo que o produziu ou, pelo menos, refutar a ideia que o milagre grego é produto do racismo da Europa iluminista, a situação é mais grave. A despeito da caracterização mais acurada, a escolha feita pela filósofa da apresentação do problema da origem da filosofia fez com que ela não investigasse o racismo dos pensadores dos séculos XVIII e XIX46 – alguns dos quais usados pela professora para defender uma nova versão do milagre grego. Ainda

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Werner Jaeger e Wihelm Windelband são historiadores da filosofia utilizados por Marilena Chaui em sua obra. Estes autores seguem a tradição hegeliana de separar o Egito da África e aprofundar a tese do milagre grego. Para uma boa reflexão sobre este tema ver Innocent Onyewuenyi The African Origin of Greek Philosophy: An exercise in Afrocentrism. Nsukka: University of Nigeria Press, 2005.

sobre este tópico, Marilena Chaui deixou sem explicação porque não houve crítica aos exageros destas teses nos séculos anteriores já que – segundo sua construção – o debate durou mais de vinte séculos. Se houve esta crítica porque devemos preferir a efetuada no século XIX?

Bem, diante dos exageros apontados pela filósofa qual a sua conclusão? Vejamos suas palavras:

Nada nos impede de falar num “milagre grego”, se entendermos por essa expressão: 1) A mutação qualitativa produzida sobre a herança recebida de outras civilizações Assim, os egípcios produziram conhecimentos geométricos voltados para a agrimensura e para a construção de edifícios, e os fenícios desenvolveram uma aritmética que era uma contabilidade comercial, mas os gregos produziram uma ciência matemática47, um corpo lógico e sistemático de conhecimentos racionais, fundados em princípios gerais que se traduziram numa geometria, numa aritmética e numa música […]. 2) a mutação qualitativa sobre a forma de organização social e política herdadas e que permitiu aos gregos aquilo que o historiador Moses Finley lhes atribui como um dos traços mais marcantes e inovadores: a invenção da política [...] 3) a mutação qualitativa imposta à herança recebida, tanto pela invenção do que chamamos pensamento racional e sistemático baseado em princípios universais (filosofia e ciência) como pela invenção da vida social como comunidade humana que torna seu destino nas mãos (política), de sorte que os gregos inventaram o que, hoje, chamamos de cultura: um ideal da comunidade e do indivíduo como reciprocamente responsáveis um pelo outro, como norma e modelo um para o outro, como vínculo interno e essencial entre ambos, tendo como centro a ideia de ser racional e político, capaz de agir segundo fins e valores que constituem uma certa ideia do que seja a excelência humana […] (CHAUI, 2010, p. 24-25).

A professora afirma que, apesar das heranças recebidas de outras civilizações, os gregos inventaram o conhecimento racional, a política e a cultura e considera esta posição isenta de exclusivismo, exagero, preconceitos raciais e racismo? Esta posição, que pretende superar o racismo da tese do milagre grego, simplesmente desconsidera que para Aristóteles e Platão a astronomia e a geometria surgiram no Egito, desconsidera que Marx afirma que a república de Platão é uma cópia do sistema castas do antigo Egito. Desconsidera que a conclusão das pirâmides e todo o avanço civilizacional do Egito ocorreram milênios antes que surgisse o primeiro grego, além de estar em perfeita sintonia com trágica tradição inaugurada por Georg Hegel. Temos que acreditar que os gregos – que, nunca e demais lembrar, receberam contribuição significativa da cultura africana – num espaço curto de três séculos foram responsáveis por todos estes avanços mencionados pela professora? Cabem ainda as seguintes perguntas: porque é

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preciso apagar ou minimizar a contribuição dos antigos egípcios? Porque as diferenças que certamente existem entre o pensamento egípcio e o grego não são compreendidas apenas como o que são, diferenças? Por que é preciso atribuir poderes racionais especiais a este povo? Por que a necessidade de estabelecer uma certidão de nascimento para a filosofia? Este tipo de visão não é neutra. No pensamento ocidental sempre que se pretende subjugar, desqualificar outro grupo humano apela-se para tese de superioridade racional ou cultural do grupo dominante. Assim Platão via superioridade intelectual do homem sobre a mulher. Aristóteles do ser livre frente ao escravo. Os gregos consideravam bárbaros – incultos – aqueles que não pertenciam à cultura grega. Kant e Hume consideravam o branco civilizado e racional e o negro incivilizado e de racionalidade limitada. Esta tese, que se pretende neutra, está comprometida com o que acertadamente o filósofo sul africano Mogobe Ramose chama de epistemicídio48:

Sabe-se bem que, etimologicamente, filosofia significa amor à sabedoria. A experiência humana é o chão inescapável para o começo da marcha rumo à sabedoria. Onde quer que haja um ser humano, há também a experiência humana. Todos os seres humanos adquiriram, e continuam a adquirir sabedoria ao longo de diferentes rotas nutridas pela experiência e nela fundadas. Neste sentido, a filosofia existe em todo lugar. Ela seria onipresente e pluriversal, apresentando diferentes faces e fases decorrentes de experiências humanas particulares (Obenga, 2006; 49). De acordo com este raciocínio, a Filosofia Africana nasceu em tempos imemoriais e continua florescendo em nossos dias. A questão da existência da Filosofia Africana não pode, entretanto, ter como base o raciocínio exposto no parágrafo anterior. Ela surge a partir de outro fundamento e perspectiva. O fundamento da questão pertence à autoridade; a autoridade de definir o significado e o conteúdo da filosofia [...]. O exercício desta autoridade situa a questão no contexto de relações de poder. Quem quer que seja que possua a autoridade de definir, tem o poder de conferir relevância, identidade, classificação e significado ao objeto definido. Os conquistadores da África durante as injustas guerras de colonização se arrogaram a autoridade de definir filosofia. Eles fizeram isto cometendo epistemicídio, ou seja, o assassinato das maneiras de conhecer e agir dos povos africanos conquistados. O epistemicídio não nivelou e nem eliminou totalmente as maneiras de conhecer e agir dos povos africanos conquistados, mas introduziu, entretanto, - e numa dimensão muito sustentada através de meios ilícitos e “justos” - a tensão subsequente na relação entre as filosofias africana e ocidental na África. Um dos pontos fundamentais da argumentação neste ensaio é investigar a fonte de autoridade que supostamente pertence ao Ocidente para definir e descrever, em última instância, o significado de experiência, conhecimento e verdade em nome dos povos africanos (RAMOSE, 2011, p. 8-9).

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Para uma boa reflexão sobre este conceito ver a tese de doutorado da filósofa Sueli Carneiro A Construção do Outro como Não-Ser como Fundamento do Ser, FEUSP, 2005.

Ramose corretamente coloca no centro deste debate as relações desiguais de poder existentes entre a África e a Europa. Como o continente europeu, com o advento da modernidade arrogou-se o direito de definir os termos de debate filosófico mundial não basta apenas lembrar a ideia óbvia de que todos os povos filosofaram ao longo da história. Por este motivo, Ramose sustenta que devemos investigar a fonte da autoridade do ocidente para definir que os antigos egípcios, por exemplo, não possuíam filosofia.

O filósofo afro-brasileiro Renato Noguera nos apresenta com clareza esta questão reforçando nosso ponto de vista:

Por que carga de razões a Filosofia deixaria de problematizar e desnaturalizar sua certidão de nascimento? Em outras palavras a recusa do eurocentrismo é fundamental para darmos curso a algumas das reivindicações mais caras à Filosofia, não se prender às ideias sem examiná-las, ainda que o custo seja reconhecer inconsistências em nosso modo de pensar. Neste sentido, suponho que uma das grandes questões da Filosofia seja o reconhecimento de que os argumentos mais tradicionais acerca do seu nascimento são invariavelmente problemáticos porque são marcados pelo racismo epistêmico (NOGUERA, 2011, p.24).

E mais adiante:

A seguir, convido leitoras e leitores para responder uma interrogação, de certo modo simples, a Filosofia se assemelha mais com a Arquitetura e a Religiosidade ou se parece mais com o telefone e o avião? A pergunta não é retórica. Em linhas gerais, estou sugerindo uma divisão muito simples: 1) Produções humanas verificáveis em todas sociedades e culturas sem datação determinada e sem local específico de surgimento; 2) Invenções pontuais localizadas no tempo e no espaço. Ora, se a Filosofia parece pertencer mais ao conjunto de produções verificáveis em todas as sociedades e culturas e sem datação determinada e local específico de surgimento por que requerer uma certidão de nascimento e insistir em reduzi-la a um tipo de realização exclusiva do Ocidente? Sem dúvida, historiadoras e historiadores da Arte e da Arquitetura não parecem supor que as criações artísticas são exclusivas do povo X ou da civilização Z. As concepções, sistematizações e práticas religiosas variam de acordo com as culturas, se transformam conforme as interações nos mais variados contextos, mas enfim, soaria esdrúxulo afirmar que a Religião é uma invenção do povo Y. O que é corrente no reconhecimento de que determinada religião surge num contexto cultural específico. Por exemplo, o candomblé é uma religião de matriz africana, o budismo tem raízes na Índia. Mas não é pertinente afirmar que a Religião é obra do povo iorubá. Por analogia, pretendo descrever um raciocínio simples que desvincule a Filosofia que anteriormente “invenções pontuais localizáveis no tempo e no espaço” (NOGUERA, 2011, p.30).

Ramose e Noguera em conjunto com a tradição intelectual africana solapam as pretensões do Ocidente de se arrogarem o modelo por excelência de humanidade. Por isso tratamos aqui a tese do milagre grego como um mito de fundação da

superioridade do ocidente. Molefi Kete Asante descreve com precisão o dogma que não pode e teme ser atacado: A razão é um presente dos gregos; os gregos são

europeus; europeus são brancos; portanto os brancos deram ao mundo a razão e a filosofia.49

Para finalizar esta seção podemos dizer que é uma pena o fato de a professora