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MOBILIDADE: SEM PEDESTRE E CALÇADAS?

Os transportes urbanos mudarão - na realidade, já estão mudando. Ao invés dos sis- temas modernos barulhentos, congestionados, poluidores e centrados no automóvel, as cidades terão sistemas baseados em trilhos que favorecem o ciclismo e pedestria- nismo, proporcionando maior mobilidade, exercício, ar mais puro e menos frustração. Os historiadores do futuro, ao analisarem o sistema atual, provavelmente o conside- rarão como uma idade das trevas na evolução urbana.

Reestruturação da Economia. Eco-Economia, Lester Brown, EPI - Earth Policy Institute, 2003.

O desenho de Doug Klotz, elucida bem as questões e perguntas sobre a interação dos pedestres com o espaço público. Está disponível em“Portland Pedestrian Design Guide” de 1998.

Desde há muito tempo até os dias de hoje deslocar-se a pé é o meio mais popular. As pessoas se deslocam para alcançar destinos específicos (trabalho, escola, comércio, médico, amigos, lazer), ou simplesmente para um passeio ou exercício. Esse movimento é inerente a vida das pessoas, nas pequenas e grandes cidades.

Ser pedestre é fazer uso do espaço público (calçadas, rampas, escadas, praças, parques) de diversas maneiras – andando, correndo, andando rápido, por vezes parado ou sentado. Sempre que possível observando e interagindo com a paisagem e com outros pedestres. Além do que caminhar com

regularidade traz grandes benefícios para a saúde, tanto do ponto de vista físico quanto psíquico.

Até um século atrás as grandes cidades eram desenhadas para as pessoas. Não faz muito tempo as ruas tinham usos múltiplos. Por ela passavam carros, carroças, charretes, cavalos, ciclistas, bondes e pedestres. Esse espaço se tornou em poucas décadas exclusivo para os carros. Esse processo não se deu de maneira natural. Em decorrência de acidentes envolvendo carros e principalmente pedestres, a jovem e promissora indústria automobilística sentiu sua reputação ameaçada.

Os acidentes começaram a crescer nas estatísticas, em paralelo com o

aumento da frota, da velocidade desenvolvida pelos veículos e da imprudência dos seus motoristas. Para não perder o ritmo das vendas, teve início nos

Estados Unidos uma forte ofensiva por parte desse segmento econômico,

criou-se então a figura do “pedestre imprudente”. Contou com o apoio do poder público, por meio da legislação o espaço para os carros foi sendo ampliada e para os pedestres se deu o inverso. A imprensa também colaborou dando notoriedade para os acidentes do ponto de vista do motorista. Esse feito avançou na nossa cultura. É só verificar nos dias de hoje, via de regra os processos criminais são favoráveis aos motoristas (impunidade ou penas brandas).

Até agora parece que estou chovendo no molhado. Mas para o meu espanto e de muitos, a legislação federal sobre mobilidade não reflete essa obviedade. Os vocábulos pedestres ecalçadas não figuram no texto de quase 4 mil palavras. Me refiro a Lei 12.587 de 2012, que trata das “Diretrizes da política nacional de mobilidade urbana”. É de se estranhar, pois na cidade de São Paulo por exemplo, ainda a maioria dos deslocamentos são feitos a pé, superando os deslocamentos por carros.

Outra estranheza é a expressão “a pé” aparecer uma única vez no texto da lei: “Nos Municípios sem sistema de transporte público coletivo ou individual, o Plano de Mobilidade Urbana deverá ter o foco no transporte não motorizado e no planejamento da infraestrutura urbana destinada aos deslocamentos a pé e por bicicleta, de acordo com a legislação vigente.” Isto é, os pedestres e

ciclistas só terão vez nas cidades que não dispõem de outra alternativa de deslocamento. Quando na verdade todos os meios são importantes e devem estar interligados.

Fica claro que a lei em questão não propõe um avanço em termos de políticas públicas e nem espelha a vontade e a necessidade das pessoas, pelo

contrário, apenas reflete a realidade das grandes cidades, especialmente de São Paulo. Reforça a exclusão dos pedestres e ciclistas.

A falta de calçadas de qualidade (boa pavimentação, largura adequada,

acessibilidade), seguras (iluminadas) e sinalizadas (informando as direções a seguir) resulta num desestímulo ao pedestre. Alguns corajosos não se

intimidam com a atual situação, porém outros não têm alternativa. Todos nós caminhamos com dificuldade por calçadas estreitas, com desníveis

acentuados e esburacadas. Principalmente os idosos, os bebês nos seus carrinhos, e os cadeirantes. Lesões causadas por quedas e tropeços são frequentes.

Caminhamos – uma força de expressão – para uma vida cada vez mais sedentária e isolada do convívio. Para muitos a alternativa é uso

indiscriminado dos carros e para tantos outros resta enfrentar uma série de carências e deficiências do transporte público. Vivemos uma crise de

mobilidade onde nos esquecemos da essência, ou seja, do ser humano dotado de emoções, vontades, e principalmente de sonhos.

Mas para alívio de muitos, algumas cidades já foram redesenhadas do ponto de vista urbanístico, melhorando a vida e saúde das pessoas que se utilizam do espaço público para caminhar. Entre várias estão Nova York e Londres. Olha que interessante, incentivam as pessoas a andarem a pé. As calçadas ficaram mais atrativas, com boa pavimentação. com mais áreas verdes, com melhor iluminação, e acessibilidade plena. Além de bem sinalizadas, com os caminhos a seguir.

Entre as capitais brasileiras Florianópolis é a mais ativa, ou seja, muita pessoas praticam exercícios principalmente ao ar livre – no espaço público. Possivelmente a condição de cidade litorânea deva favorecer. No reverso da moeda está São Paulo, só é menos pior que Porto Velho, capital de Rondônia, considerada a mais inativa. Infelizmente para quem utiliza o carro como

principal meio de transporte fica refém dos congestionamentos da cidade de São Paulo. Provavelmente não sobra tempo nem disposição para quase nada além do trabalho.

Pensar em mobilidade para uma grande cidade como São Paulo é pensar num sistema integrado, nada pode funcionar bem de maneira isolada. O transporte público sobre pneus (ônibus urbanos e intermunicipais) utiliza as ruas e

avenidas, já o sistema sobre trilhos (trens e o Metrô) correm por um sistema exclusivo. Carros e as motocicletas dividem o espaço com os ônibus.

E os pedestres e ciclistas? Estes necessitam de espaços próprios – ciclovias / ciclofaixas, e calçadas, respectivamente. Pode-se afirmar que todos os meios de deslocamento são lícitos, mas para que de fato exista mobilidade na

cidade, deve-se ponderar de maneira a estabelecer critérios para uma divisão mais inteligente, democrática e responsável.

Mas para o desespero de muitos a cidade de São Paulo ainda contínua sendo ajustada para os carros. Reverter isso exige uma mudança de estratégia, melhor dizendo, de paradigma. Pensar na cidade do ponto de vista das pessoas e não dos carros. A mobilidade é das pessoas e não o contrário. Parece que o modelo de gestão equivocado da água tem similaridade com o modelo de gestão da imobilidade.

Tem-se apelado pela lógica da oferta de mais viadutos, mais pontes, mais túneis, mais ruas, mais avenidas, mais faixas de rolamento. Mas na verdade isso acaba no longo prazo piorando o trânsito. É uma constatação contra intuitiva. O inverso também é verdadeiro, fechar ruas melhora o trânsito local. Para muitos gestores de trânsito que já conhecem esse paradoxo, não aceitá- lo seria o mesmo que tratar da obesidade alargando o cinto.

Para o gestor público a lógica da demanda da população por calçadas

adequadas que incentivem as pessoas a caminharem e se encontrarem, não é relevante. A demanda por um sistema integrado e de qualidade do transporte público parece ser complexo demais.

Chegamos ao fundo do poço da crise da mobilidade. Nos “acostumados” ao caos quase diário e aos colapsos frequentes. Isso atinge todas as pessoas, independente do meio como se deslocam. Um dos efeitos colaterais dessa confusão é o stress emocional. Não me parece mais aceitável viver na

segunda década do século vinte e um, com a mentalidade do século passado. Finalizando, deve-se dar voz a população da cidade de São Paulo que clama por uma cidade mais inteligente e sustentável. A gestão pública tem a

responsabilidade de comandar esse processo em parceria com a população. Agindo com competência e sensibilidade. Bons exemplos não faltam.

Referências

– O direito de andar – por Fabio F. Storino – Disponível

em: http://www.pagina22.com.br/index.php/2015/04/o-direito-de-andar/

– Por quê a construção de mais vias não alivia os congestionamentos. Trecho traduzido de Suburban Nation: The Rise of Sprawl and the Decline of the American Dream. Disponível em: https://vadebici.wordpress.com/2013/02/16/por-que-a-construcao-de-mais-ruas-nao- alivia-os-congestionamentos/

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