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PRÁTICAS DE FORMAÇÃO

4. CENÁRIO: A ESCOLA E A CONSTITUIÇÃO DO CORPO DOCENTE E DA EQUIPE GESTORA

6.1. Modalidades de formação continuada

Várias são as ações de formação continuada de professores e compreendem, por exemplo, cursos presenciais ou à distância de aperfeiçoamento ou de especialização, oferecidos geralmente por universidades e instituições de ensino superior; reuniões pedagógicas, orientações técnicas ou capacitações nas Diretorias de Ensino; e, mais recentemente, grupos de estudo, geralmente ligados à universidade quer pela utilização do espaço físico, quer pela mobilização de um profissional/pesquisador da universidade ou em contato com esta. De acordo com Nóvoa (1992), apesar de existir variedade de ações, estas refletem basicamente dois modelos de formação concebidos pelo autor como o estrutural e o construtivo.

Para Fiorentini (2008), as ações de formação continuada que se concretizam no oferecimento de cursos para atualização de conhecimentos ou informações e de inovações metodológicas, podendo ser produzidos longe da sala de aula, são ações do modelo estrutural de formação de professores baseadas na perspectiva da racionalidade técnica.

Muitos professores e gestores escolares que atuam hoje nas escolas foram formados nesse modelo, conforme revela o depoimento da diretora da escola onde foi realizado o trabalho de campo desta pesquisa ao relatar como se atuava nos cursos de formação de professores na década de 1980: “... primeiro trabalhava a teoria e depois elas [alunas] iam para a prática...” (Isis: entrevista, 12/12/08).

Fiorentini (2008) cita o programa “Teia do Saber” da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo como exemplo atual do modelo estrutural de formação continuada de professores. Ele é resultado da política de investimento da rede

estadual paulista de ensino na formação continuada dos profissionais.14 Instituições

de Ensino Superior são contratadas pela SEE/SP, através de “pregão” de melhor preço, para ministrar cursos aos professores que se dirigem até elas. Os cursos geralmente são oferecidos “aos sábados (finais de semana) e no final do ano – período quando os professores já estão exaustos e sem condições de articular o que vêem nesses cursos com o que realizam em sala de aula” (Ibid., p. 61).

As afirmações de Fiorentini (2008) e as lembranças de Isis sugerem que teoria e prática caminham separadamente no modelo de formação baseado na perspectiva da racionalidade técnica, gerando uma dicotomia e permitindo a divisão do trabalho entre os que pensam a teoria e os que executam a prática. Isso favorece o isolamento dos profissionais, como afirma Pérez Gomes (1992):

No modelo de racionalidade dá-se, inevitavelmente, a separação pessoal e institucional entre a investigação e a prática. Os investigadores proporcionam o conhecimento básico e aplicado de que derivam as técnicas de diagnóstico e de resolução de problemas na prática, a partir da qual se colocam aos teóricos e aos investigadores os problemas relevantes de cada situação (Pérez Gomes, 1992, p. 97).

Assim, as ações de formação de professores do modelo estrutural baseadas na perspectiva da racionalidade técnica, que admitem a dicotomia entre teoria e prática, são voltadas à reciclagem, a treinamento ou à capacitação dos professores e tiveram destaque nas décadas de 1970 e 1980 com cursos idealizados pelos formadores.

Nessa perspectiva, privilegia-se a universidade como local para acontecimento dos cursos, pois esta é considerada o lócus para os professores atualizarem a formação recebida inicialmente. Além disso, ela é tida como local de produção do conhecimento e os professores da escola básica são considerados como agentes responsáveis pela aplicação e socialização desse conhecimento.

Passos et al. (2006), apoiados em Cochran-Smith e Lytle (1999), afirmam que nessa concepção o destaque é a aprendizagem de conhecimento para a prática. Aprende-se a teoria para depois aplicá-la na prática que é orientada para a solução de problemas através da aplicação de técnicas científicas advindas de teorias. Essa

14 Conforme site <http://cenp.edunet.sp.gov.br/TRSaber/Teia_saber/Teia_saber.asp> acesso em

aplicação de técnicas é entendida por Pérez Gomes (1992) como atividade profissional instrumental.

Porém, o contexto sócio-político de globalização e de produção de tecnologias de informação e de comunicação das sociedades ocidentais e industrializadas do final do século XX atribui cada vez mais ao professor a responsabilidade pela “qualidade do quotidiano educativo na sala de aula e na escola” (PÉREZ GOMES, 1992, p. 95) e tem exercido “pressão sobre a mudança da escola e a atualização dos professores [...] em escala mundial, nos últimos 25 anos” (FIORENTINI, 2008, p. 44).

Fiorentini et al. (2002) afirmam perceber mudança na concepção de formação continuada influenciada por estudos internacionais sobre o pensamento do professor e pelo conceito de professor reflexivo, a partir da década de 1990, passando-se a considerar os

[...] estudos sobre influências e contribuições de programas oficiais e institucionais de formação continuada ou de desenvolvimento de projetos de construção conjunta de propostas e alternativas de formação continuada e de mudança da prática docente (FIORENTINI et al., 2002, p. 150).

Dentre as mudanças percebidas por Fiorentini et al. (2002), os professores passaram a refletir sobre suas práticas, a gerar novas práticas, a produzir seus próprios materiais e a buscar melhores condições de trabalho.

Entendendo a formação continuada a partir de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas docentes, Candau (1996), a exemplo de Nóvoa (1992) discutido no capítulo 2 desta dissertação, afirma não ser possível admitir a formação continuada como processo de acumulação de conhecimento, mas como reconstrução permanente da identidade pessoal e profissional em interação mútua.

Nessa concepção, os professores passam a ser considerados “sujeitos de conhecimento que possuem saberes experienciais que se caracterizam como complexos, plurais e reflexivos, pois contêm valores e estão situados no contexto em que são mobilizados e produzidos” (FIORENTINI, et al. 2002, p. 157).

Desta forma, o professor torna-se sujeito e não objeto de sua formação, sendo preciso aprender a dirigir a si mesmo e a orientar-se para a capacitação e para a autonomia, baseado no diálogo que pressupõe a

[...] criação de atitudes de valorização e respeito; presença de um currículo de formação articulado em torno das necessidades e aspirações dos participantes; estabelecimento de relações de estímulo e questionamento mútuo (IMBERNÓN, 2006, p. 81-82).

De acordo com Nacarato et al. (2003), a partir das mudanças na concepção e no processo de formação continuada de professores busca-se um paradigma que atenda às necessidades atuais de formação.

Candau (1996) também afirma que se procuravam novos caminhos para o desenvolvimento da formação continuada de professores ainda no final do século XX. Mas de acordo com Imbernón (2009) “estamos no século XXI. São tempos diferentes para a educação e a formação”.

Na década de 1990, Nóvoa (1992) propunha outro modelo para a formação continuada de professores, o construtivo, que é entendido por Fiorentini (2008, p. 60), como

[...] um processo contínuo de reflexão interativa e contextualizada sobre as práticas pedagógicas e docentes, articulando teoria e prática, formadores e formandos. Implica uma relação de parceria entre formadores e formandos, os quais podem interagir colaborativamente, sendo co-responsáveis pela resolução de problemas e desafios da prática e pela produção conjunta de saberes relativos às práticas educativas.

A constituição de grupos de estudo e de pesquisa para a investigação da própria prática, da reflexão compartilhada de saberes e de experiências, da produção de novos conhecimentos e da intervenção na prática docente tem se mostrado como alternativa construtiva e emancipatória para a formação continuada, em que os professores possam ser protagonistas de sua formação (FIORENTINI, 2008).

Nesses grupos, a prática docente e suas necessidades tornam-se o ponto de partida para os estudos e, também, o de chegada na produção de conhecimentos para a intervenção na prática pedagógica (NACARATO et al., 2003). Isso não significa, porém, refutar a teoria ou os saberes produzidos pela ciência; ao contrário, trata-se de se debruçar sobre a relação teoria-prática a partir de um novo ângulo (NÓVOA, 1992).

Segundo Nacarato et al. (2003, p. 1), pesquisas recentes demonstram que “situações que permeiam a relação teoria-prática do professor e de seu processo de

formação são complexas e múltiplas, envolvendo dimensões sócio-culturais, contextuais e intersubjetivas.” Essas dimensões podem ser consideradas no modelo construtivo de formação continuada proposto por Nóvoa (1992).

Os grupos de estudos para a formação continuada de professores baseados no modelo construtivo de formação como, por exemplo, o Grupo de Sábado, do qual a pesquisadora participa, de certa forma, são uma resposta às demandas e às necessidades surgidas no contexto de mudanças do final do século XX.

Assim, defende que as HTPCs das escolas paulistas possam se tornar um espaço de estudo e de pesquisa para que os professores enquanto seres inconclusos possam ter a oportunidade de construir, coletivamente, a sua formação contínua para analisar as demandas e as necessidades que surgem em suas salas de aula, praticamente todos os dias. Defende-se que a escola também adquira o status de espaço de formação de professores e seja reconhecida como tal.