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Nessa sessão vamos introduzir o modelo Blume-Capel (BC), independentemente proposto por Blume [35] e Capel [36] em 1966, e rever alguns resultados importantes para o desenvol- vimento do presente trabalho. O modelo BC é uma generalização do modelo de Ising que tem sido muito estudado nas últimas décadas, e continua a despertar bastante interesse pela riqueza de diagramas de fases que pode produzir em casos especiais, sobretudo quando envolve algum tipo de desordem, e ainda pelo interesse experimental no estudo de sistemas como ligas de Fe-Al [70, 71], filmes finos magnéticos [72], metamagnetos como Ni(NO3)2

[24], filmes supercondutores [73], granada de disprósio e alumínio (dysprosium aluminum garnet) [45] e uma longa lista de outros sistemas. Neste modelo a energia do sistema leva em conta, além da interação de troca entre os spins vizinhos e do efeito do campo magnético externo, a contribuição de um campo de anisotropia cristalina. Na realidade, o modelo BC pode ser visto com um caso particular do modelo Blume-Emery-Griffiths (BEG), originalmente proposto para explicar algumas propriedades termodinâmicas e as transições de fases que ocorrem na mistura He3 − He4 [24]. Apesar de não haver uma

total fidelidade entre os resultados deste modelo e os obtidos experimentamente, ele tem se mostrado eficaz em reproduzir qualitativamente certas características do sistema como, por exemplo, o diagrama de fases para a transição superfluida e a separação de fases. Neste trabalho, estudaremos o modelo Blume-Capel com spin-1 e na presença de campo magnético, de campo de anisotropia cristalina aleatórios ou de ambos.

O Hamiltoniano do modelo Blume-Capel é dado por HBC = −J X <i,j> SiSj − H N X i Si+ D N X i=1 Si2, (2.53)

sendo D o termo de anisotropia cristalina e Si = ±1, 0, conforme proposto originalmente.

A primeira soma estende-se a todos os pares de primeiros vizinhos < i, j >, H representa o campo magnético uniforme, enquanto D representa a contribuição do campo de anisotropia cristalina. Em princípio, o modelo pode levar em conta qualquer spin S, de modo que podemos ter Si = −S, −S + 1, · · · , S − 1, S. Além disso, se Si = ±1/2, então recuperamos

o modelo de Ising usual, uma vez que neste caso o último termo contribui com uma mera constante aditiva na energia do sistema.

O modelo BC com interações de primeiros vizinhos possui solução exata em uma dimensão e não exibe transição de fases em temperaturas finitas para quaisquer valores de spin ou dos campos H e D [74]. Em dimensões superiores os resultados para o modelo BC são baseados em métodos aproximativos ou simulações numéricas. No

2.9. O modelo Blume-Capel 47

modelo ferromagnético (J > 0), a aproximação de campo médio prevê a existência de uma linha crítica separando a fase paramagnética da fase ferromagnética em temperaturas intermediárias, enquanto que em baixas temperaturas essas fases são separadas por uma linha de transições de fases de primeira ordem. Uma das características marcantes desse resultado é a existência de um ponto tricrítico, onde a linha de transições de primeira ordem encontra a linha de transições contínuas [24]. O diagrama de fases esquemático previsto pela teoria de campo médio está ilustrado na Fig. (7) . Alguns resultados gerais podem ser antecipados para o modelo Blume-Capel de spin S = 1. A campo nulo e em qualquer dimensão d podemos observar que:

• Quando D → −∞, somente os estados S = ±1 são populados, equivalendo ao modelo de Ising para spin S = 1/2. Neste caso existe uma transição contínua em uma certa temperatura TI

c.

• Quando D = 0, temos o modelo de Ising com uma transição contínua na temperatura 0 < Tc < TcI.

• Se D → ∞, o estado de menor energia é S = 0 e assim o sistema tende a uma espécie de limite paramagnético.

Figura 7 – Diagrama de fases esquemático tridimensional do modelo Blume-Capel para spin-1. As duas "asas"R+ e R são superfícies de transições de primeira ordem.

Para T = 0, a densidade de energia interna u = limN →∞U/N do sistema é dada por

u= −1

onde N é o número de sítios, z é o número de coordenação da rede, m = hSii é a

magnetização por sítio e q = hS2

ii é a densidade de spin por sítio. Neste regime o sistema

pode ser encontrado em uma das três fases: (i) q = 1, m = +1, com u+= −12Jz+ D − H;

(ii) q = 1, m = −1, com u− = −12Jz+ D + H; (iii) q = 0, m = 0, com u0 = 0. Assim, no

plano D − H obtemos o diagrama de fases ilustrado esquematicamente na Fig. (8), onde as linhas de transições, todas de primeira ordem, são dadas por:

H = 0, H+= D −

1

2Jz, H= −D +

1

2Jz. (2.55)

Esses resultados são válidos para qualquer rede em que o número de primeiros vizinhos, ou seja, a coordenação z, seja finita.

Em dimensões d = 2 e d = 3 foram obtidos resultados aproximados por meio de expansões em séries de altas e de baixas temperaturas [75], cálculos de grupo de renormalização no espaço real [76, 77, 78, 79, 80] e via expansão ǫ [81], método auto- consistente de Ornstein-Zernike [82], entre outros métodos que usam resultados analíticos e numéricos. Além disso, complementando grande parte da informação sobre diagramas de fases para o modelo BC, diversos trabalhos abordam esse modelo por meio de simulações de Monte Carlo iniciadas por [83, 84, 85] e retomadas mais recentemente por [86, 87, 88, 89]. Embora esses resultados corroborem a existência de um ponto tricrítico em d = 3 dimensões, e sugiram fortemente a existência de comportamento tricrítico em d = 2 dimensões, ainda há muito a ser investigado. Em particular, a localização exata das linhas de transições não são bem conhecidas, e precisam ser melhor investigadas. Por outro lado, recentemente tem havido interesse em saber como essas linhas de transição e o ponto tricrítico podem ser modificados devido a efeitos de desordem introduzida no modelo BC. Neste caso, o primeiro passo é estabelecer o quadro geral produzido pela aproximação de campo médio. Deste modo, decidimos investigar algumas variantes do modelo BC com interações de longo alcance e sujeitas à presença de campos aleatórios.

2.9. O modelo Blume-Capel 49 H D H+ q=0 m=0 q=1 m=+1 q=1 m=-1 H=0 Jz/2 H- 0

Figura 8 – Diagrama de fases qualitativo do modelo Blume-Capel no plano D −H destacando as transições de fases de primeira ordem.

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3 O Modelo Blume-Capel com campo crista-

lino aleatório

3.1 Introdução

Recentemente tem surgido um crescente interesse no comportamento multicrítico dos sistemas desordenados. Neste contexto, uma atenção especial tem sido dada aos modelos com a inclusão de campos aleatórios, no caso dos sistemas magnéticos desordenados, tanto pelo interesse teórico quanto por sua correspondência com os resultados experimentais [90]. Dentre esses modelos, o modelo Blume-Capel [35, 36] e algumas de suas extensões tem recebido bastante atenção. Como mencionamos no capítulo anterior, o próprio modelo Blume-Capel é uma extensão do clássico modelo de Ising para spin-1, o qual leva em conta o efeito de uma anisotropia no campo cristalino local. Seus diagramas de fases apresentam uma linha de transição contínua que encontra uma linha de transição de primeira ordem em um ponto tricrítico [24]. Do ponto de vista teórico, uma questão particularmente interessante é de que maneira esses diagramas de fases mudam sob o efeito de uma aleatoriedade quenched [54, 62, 65, 91]. Por isso, Kaufman e Kanner [92] estudaram o modelo Blume-Capel sob a influência de um campo magnético aleatório e obtiveram uma rica variedade de diagramas de fases, como veremos no próximo capítulo. O efeito do campo cristalino aleatório tem sido considerado por muitos autores [32, 33, 37, 38, 39, 40, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104]. Além da aproximação adotada, em alguns destes trabalhos a escolha da distribuição do campo cristalino aleatório é também diferente da que adotaremos neste trabalho. Entretanto, em todos os casos os diagramas de fases exibem um comportamento rico com a presença de linhas de coexistência e de linhas críticas, bem como muitos pontos multicríticos e ainda fenômenos de reentrância, que acontecem quando o sistema passa de uma fase ordenada para outra fase menos ordenada, enquanto a temperatura diminui. Estes fenômenos ocorrem em virtude da competição entre as interações ferromagnéticas e o campo magnético ou cristalino aleatório. Em seu trabalho recente, Salmon e Tapia estudaram um modelo Blume-Capel de alcance infinito sob a influência de um campo cristalino desordenado quenched, que segue a sobreposição de duas distribuições gaussianas, e então eles classificaram os diagramas de fases de acordo com sua topologia (ou cenário) [37]. Atualmente, o efeito de uma distribuição especial discreta de campo cristalino aleatório foi investigada pela aproximação de pares [39]. O mesmo tipo de distribuição do campo cristalino já foi estudada pela aproximação do grupo de renormalização no espaço real, como também pela aproximação de campo médio [99, 101]. Entretanto, tanto quanto os resultados podem ser comparados, eles levam a diagramas de fases qualitativamente diferentes para baixas temperaturas. Por exemplo, enquanto a

aproximação de pares prediz transições de primeira ordem entre as fases paramagnética e ferromagnética à temperatura nula, conforme está apresentado na Figura 2 do trabalho de Peña Lara [39], mostrada mais adiante neste trabalho como a Fig. (17), a conclusão da aproximação de campo médio de sítio-único é que o estado fundamental é sempre ordenado, de acordo com a Eq. (3) de [101]:

m0 = 1 − (1 − r) θ  d − (k + 1) 1 + r 2  , (3.1)

em que, na notação do autor, K é a interação biquadrática, r é o parâmetro que mede a desordem no campo cristalino, k ≡ K/J e θ[x] é a função passo, tal que θ[x] = 0 ou 1, conforme x < 0 ou x > 0, respectivamente.

Assim, neste trabalho de tese nós decidimos investigar melhor este ponto consi- derando uma versão exatamente solúvel do modelo Blume-Capel sob a distribuição de campo cristalino aleatório considerada por [39, 99, 101]. Além disso, estamos interessados também em investigar as possíveis topologias para os diagramas de fases, preditos por esse tipo de de tratamento de campo médio, seguindo as linhas do trabalho de Salmon e Tapia [37], no qual esses autores utilizam uma distribuição contínua de probabilidades para o campo de anisotropia cristalino aleatório. Finalmente, como os fenômenos de reentrância em modelos aleatórios de spin-1 tem atraído muito interesse recentemente, (veja, por exemplo, [105] e suas referências), nossos resultados devem fornecer alguma contribuição para o entendimento do que acontece no caso de um sistema mais desordenado, como no do vidro de spin de Blume-Capel sob um campo cristalino aleatório [106].

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