4. Integração hierárquica
2.3. Modelo de aquisição de competências
Segundo a UNESCO, a educação contemporânea assenta em quatro pilares fundamentais, nomeadamente aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, sendo valorizado o aprender a aprender através do ensino (Aleixo, 2014).
Aprender a aprender pode ser vista como uma capacidade para dar início e prosseguir uma aprendizagem, organizando‐a por si próprio através de métodos de gestão do tempo e da informação, seja individualmente ou em grupo. Esta competência irá implicar um conhecimento do método de aprendizagem e das suas necessidades prementes e uma capacidade para ultrapassar os obstáculos que surjam, de forma a ter uma aprendizagem bem‐sucedida. A motivação e a confiança serão elementos chave para que se adquira esta competência, que obriga quem está a aprender a apoiar‐se nas experiências anteriores e a mobilizar os conhecimentos para as várias situações do dia a dia.
Para Benner (2001) a prática é em si mesma uma forma de obter conhecimento. As práticas crescem por intermédio da aprendizagem experiencial e da transmissão dessa aprendizagem nos contextos de cuidados. Segundo a autora
“a prática é um todo integrado que requer que o profissional desenvolva o caráter, o conhecimento, e a competência para contribuir para o desenvolvimento da própria prática. A prática é mais do que uma coleção de técnicas. O domínio de um conjunto especializado de aspetos da prática não qualifica necessariamente o profissional para ser reconhecido como um perito” (Benner, 2001, p. 14).
O Modelo Dreyfus de Aquisição de Competências foi desenvolvido por Stuart Dreyfus (matemático e analista de sistemas) e Hubert Dreyfus (filósofo) em 1986 e “estabelece que, na aquisição e no desenvolvimento de uma competência, um estudante passa por cinco níveis
sucessivos de proficiência: iniciado, iniciado avançado, competente, proficiente e perito” (Benner, 2001, p. 43).
O posicionamento do profissional nos diferentes níveis vai depender de três aspetos gerais introduzidos aquando a aquisição de uma competência, a saber: 1‐ Passagem de uma confiança em termos abstratos à utilização de uma experiência passada concreta; 2‐ Modificação da maneira como o profissional se apercebe da situação, como um todo e não como um conjunto de elementos tirados aqui e ali; 3‐ Passagem de observador desligado a executante envolvido na ação, empenhado na situação (Benner, 2001).
Assim, o Modelo de Dreyfus de Aquisição de Competências baseia‐se no “estudo de uma situação prática, na situação, e determinando o nível da prática evidenciado na situação. Desta forma, elucidam‐se os pontos fortes em vez dos défices, e descrevem‐se as capacidades da prática em vez das caraterísticas ou dos talentos” (Benner, 2001, p. 16).
De acordo com Benner (2001) existem cinco níveis de desenvolvimento, cada um com as suas caraterísticas, e que se serão apresentadas em seguida. Figura 2 ‐ Níveis de desenvolvimento segundo o modelo Dreyfus de aquisição de competências (Fonte: a própria, segundo Benner, 2001) Estado 1: Iniciado
As enfermeiras iniciadas não têm qualquer tipo de experiência nas situações com que podem ser confrontadas na sua atividade. O ensino para que lhes seja permitida a aquisição de experiência, essencial ao desenvolvimento de competências, será feito em termos de elementos objetivos (peso, líquidos ingeridos e eliminados, …, parâmetros mensuráveis). São‐lhes ensinadas as normas, independentemente do contexto, que guiarão os seus atos em função dos diversos elementos. São estas regras que irão impor à iniciada um comportamento rígido e limitado caraterístico do nível de Estado 1: Iniciado Estado 2: Iniciado avançado Estado 3: Competente Estado 4: Proficiente Estado 5: Perito
desenvolvimento em que se encontra. São estas regras que irão guiar as iniciadas nos seus atos, visto que não possuem qualquer experiência da situação à qual vão fazer frente. No entanto, o facto de seguirem essas regras não significa que vão ao encontro do comportamento correto pois não lhes pode ser indicado quais os atos mais úteis em todas as situações reais. Desta forma, deverão ser acompanhados por um orientador.
Os estudantes de enfermagem que se iniciam no mundo do trabalho têm dificuldade em integrar o que aprenderam nos livros com o que vivem na situação real, encontrando‐se no nível de iniciado. Mas não são só os estudantes, são também os enfermeiros que integram um novo serviço com doentes a necessitar de cuidados que não lhes são familiares. O modelo Dreyfus de aquisição de competências depende da situação e não da inteligência ou dos dons de uma pessoa. Estado 2: Iniciado avançado
O comportamento dos iniciados avançados é aceitável frente às situações reais por que passaram, o que lhes permite notar (o próprio ou sobre a indicação de um orientador) quais os “fatores significativos que se produzem em situações idênticas e que o modelo Dreyfus qualifica por »aspetos da situação«” (Benner, 2001, p. 50).
É necessária experiência para que se possam reconhecer os “aspetos” em situações reais. No entanto os iniciados avançados, já reconhecem facilmente os elementos mensuráveis e independentes do contexto situacional ou das listas que indicam uma atitude a seguir ou coisas para fazer, que os principiantes aprendem e utilizam.
O iniciado avançado ou o seu orientador, podem formular princípios que irão ditar as ações em termos de atributos e de aspetos, sendo esses princípios que pressupõem elementos significativos fundados tendo como base a experiência e que se apelidam de “indicações”. Há ainda uma tendência a ignorar o que diferencia essas indicações, dando a todos os atributos e aspetos a mesma importância.
De acordo com Benner as “principiantes e as principiantes avançadas só podem apreender um pequeno aspeto da situação: isso é tudo muito novo, muito estranho e cada vez têm mais que se concentrar nas regras que lhes ensinaram” (Benner, 2001, p. 52). As enfermeiras principiantes precisam ser enquadradas no contexto da prática clínica. Precisam de ser orientadas em matérias de prioridades pois agem em função de critérios gerais, começando agora a reconhecer as situações repetitivas caraterísticas no quadro da prática diária. A existência de orientadores que guiem a
prática clínica dos enfermeiros iniciados é de extrema importância, para que eles possam tirar partido das situações que vivem e aprender durante esses períodos a estabelecer prioridades, sempre com o intuito de evitar problemas seja para os enfermeiros iniciados ou os doentes.
Estado 3: Competente
O enfermeiro competente trabalha no mesmo serviço há pelo menos dois a três anos. Ascende ao nível de competente quando “começa a aperceber‐se dos seus atos em termos objetivos ou dos planos a longo prazo dos quais está consciente” (Benner, 2001, p. 53). Nesses planos já consegue traçar os atributos e as situações clínicas consideradas mais importantes e as que pode ignorar. Para o profissional competente, “um plano estabelece uma perspetiva e baseia‐se sobre uma análise consciente, abstrata e analítica do problema” (Benner, 2001, p. 53).
Nos enfermeiros competentes já existe o sentimento que sabem bem as coisas e são capazes de enfrentar muitos imprevistos, tão comum na prática diária dos cuidados de enfermagem, se bem que ainda não têm a rapidez nem a maleabilidade da enfermeira proficiente. “A planificação consciente e deliberada que carateriza este nível de competência, ajuda a ganhar eficiência e organização” (Benner, 2001, p. 54).
Neste nível o profissional encontra‐se mais à vontade, o mundo clínico começa a parecer mais organizado depois dos grandes esforços desenvolvidos. Os enfermeiros podem tirar benefícios dos exercícios de tomada de decisão e de simulações da prática e planear e coordenar os múltiplos e diversos cuidados prestados ao fazer face às necessidades dos doentes.
Estado 4: Proficiente
O profissional apercebe‐se das situações como um todo, de forma global, e não em termos de aspetos isolados, como uma lista de tarefas a cumprir, sendo as suas ações guiadas por máximas. Neste nível a perceção é a palavra‐chave. A perspetiva é fundada sobre a experiência e os acontecimentos recentes.
Neste nível, a “enfermeira proficiente aprende pela experiência quais os acontecimentos típicos que acontecem numa determinada situação, e como se pode reconhecer que o que era previsto não se vai concretizar” (Benner, 2001, p. 55). É exatamente pela sua capacidade fundada sobre a experiência de reconhecer as situações como um todo que o profissional proficiente sabe que o que previa não se irá manifestar. Essa globalidade na forma de ver as coisas vai melhorar o seu processo de decisão, tornando‐se cada vez menos trabalhoso pela perspetiva que tem que lhe permite saber dos muitos aspetos e atributos a ter em consideração, quais os que são verdadeiramente
importantes. Ao contrário da enfermeira competente que ainda não consegue ver a situação no seu todo, a enfermeira proficiente não tem tanto em consideração as possibilidades e orienta‐se diretamente sobre a ação, o problema em causa.
Para além de se guiar pelas máximas que fornecem indícios sobre o que deve ser tomado em consideração, tem uma grande compreensão sobre a situação que lhe permite utilizá‐las.
As enfermeiras proficientes aprendem mais quando se toma como exemplo estudos de caso que põem à prova e requerem a capacidade de aprender uma situação. O facto de lhes dar regras tanto pode ser frustrante para elas como as estimulará a dar exemplos de situações em que a regra ou princípio serão contrariados.
Quando introduzimos situações novas que ultrapassam os seus meios de compreensão ou de abordagem, percebemos que é necessária nova aprendizagem, podendo neste caso a enfermeira voltar a passar para o nível da competência face aquela nova situação.
Neste nível, o profissional já consegue detetar ou reconhecer a deterioração do estado do doente ainda antes de haver mudanças significativas nos sinais vitais do doente, sendo chamado de sinal de alarme precoce.
Estado 5: Perito
O profissional não se apoia em princípios analíticos, sejam eles regras, indicações ou máximas, para passar do estado de compreensão das situações aos atos. Possui uma grande experiência e compreende de maneira intuitiva cada situação, apreendendo diretamente o problema sem se perder num vasto leque de soluções e de diagnósticos estéreis. Age a partir da compreensão profunda das situações globais.
O enfermeiro perito já não toma em consideração as regras e as caraterísticas, é maleável e flexível, mostrando elevado nível de adaptabilidade e de competência. Gerem muitas vezes situações complexas e dão opiniões clínicas de forma notável, o que permite reconhecê‐las facilmente. Também o reconhecimento por parte dos colegas e dos doentes é visível, sendo muitas vezes consultadas por outras enfermeiras. Nem todos os enfermeiros chegam a peritos.