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MODELO DE ESTADO E CONCEPÇÃO DE CIDADANIA

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PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO: O CASO DO IFSC (2009-2010)

1. MODELO DE ESTADO E CONCEPÇÃO DE CIDADANIA

O conceito de cidadania está diretamente relacionado com a concepção de Estado historicamente construída. Assim, analisaremos, nesse item, dois modelos de Estado que trazem consigo duas concep- ções de cidadania: a que representa as conquistas sociais sinalizadas pelo modelo de Estado de Bem Estar Social, nos países capitalistas centrais e a concepção inerente ao modelo de Estado Neoliberal, que se tornou hegemônico com a globalização da economia, a partir dos anos de 1990.

1.1. concepção de cidadania anunciada

pelo modelo de estado de bem-estar social

Embora a história da cidadania venha de muito longe, cujas primeiras definições são atribuídas aos antigos gregos e romanos3, para os fins desta pesquisa, delimitou-se o estudo da cidadania ao conceito de cidadão no contexto da modernidade que, segundo Cortina (2005), surge principalmente nos séculos XVII e XVIII, nas revo- luções francesa, inglesa e americana e no nascimento do capitalismo, quando a proteção dos direitos naturais da tradição medieval exigiu a criação de um tipo de comunidade política – o Estado nacional mo- derno – que tomasse para si a obrigação de defender a vida, a integri- dade e a propriedade de seus membros.

O estudo realizado por Thomas H. Marshall4 analisa a constru- ção histórica do conceito de cidadania. Para o autor, a cidadania, nos países centrais, foi se desenvolvendo ao longo do tempo, enriquecen- do-se cronologicamente de direitos civis, políticos e sociais. Segundo Marshall (1967), os direitos civis se formaram no século XVIII, vincu- lados à liberdade individual, ou seja, foram constituídos pelo direito à liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento e fé, pelo direito a ter propriedades e de concluir contratos válidos e pelo direito à jus- tiça. Já os direitos políticos, conquistados no século XIX, garantiram ao cidadão a prerrogativa de participar ativamente no exercício do poder político, seja como um membro de governo ou como eleitor. Os diretos sociais, que tiveram a sua culminação no século XX, referem- -se à garantia de bem-estar econômico e de segurança. Corresponde

3 maiores informações sobre a história da cidadania são encontradas em: Cortina (2005) e Chiaro (2007). 4 marsHall, Thomas. Cidadania, classe social e status. rio de Janeiro: Zahar, 1967.

às condições para viver de modo civilizado, de acordo com os padrões determinados pela sociedade. As instituições, mais estreitamente vin- culadas aos direitos sociais, são as prestadoras dos serviços de saúde e as do sistema educacional.

A partir dessa perspectiva, é cidadão aquele que, em uma comunidade política, desfruta não somente de direitos civis (vincula- dos a liberdades individuais), mas, também, de direitos políticos (pos- sibilidades de participação política) e de direitos sociais (prerrogativas de obter trabalho, educação, moradia, saúde e benefícios sociais). (CORTINA, 2005, p. 52).

As conquistas sociais da cidadania ocorreram durante a vigência do modelo de Estado de Bem-Estar ou Estado Providência (SANTOS, 2003, p. 244)5.

Marshall (1967) descreve uma série de direitos sociais que foram sendo assegurados aos cidadãos pelo Estado de Bem-Estar Social e que fizeram jus ao termo cidadania social. Segundo o autor, esse modelo de Estado proporcionou “um grande avanço no campo dos direitos sociais, o que acarretou mudanças significativas ao princí- pio igualitário expresso na cidadania” (MARSHALL, 1967, p. 88).

Dessa forma, as principais características da concepção de cidadania inerente a esse modelo de Estado são: ao receber do Estado o status de cidadão, todo indivíduo tem garantido o acesso aos direitos civis (vinculados a liberdades individuais), aos direitos políticos (pos- sibilidades de participação política) e aos direitos sociais (prerrogati- vas de obter trabalho, educação, moradia, saúde e benefícios sociais) (CORTINA, 2005, p. 52); e existe a garantia de um mínimo de bens e serviços essenciais, tais como assistência médica, moradia, educação, ou uma renda nominal mínima, mas sem impor impedimentos para que qualquer pessoa capaz de ultrapassar o mínimo garantido por suas qualidades próprias possa fazê-lo (MARSHALL, 1967). Enfim, a cidadania é concebida como acesso aos direitos sociais.

1.2. concepção de cidadania inerente ao

modelo de estado neoliberal

O neoliberalismo teve na crise dos anos de 1970 um mo- mento para o início de sua hegemonia. As críticas à intervenção do Estado na economia, à política social, vistas como comprometedoras ao equilíbrio fiscal, serviram para alimentar as ideias liberalizantes

do mercado defendidas pelos neoliberais. Segundo eles, a intervenção do poder público sobre a iniciativa privada era tida como intrusão indevida e que dela só poderiam resultar distorções, seja em termos de riqueza, de eficiência ou mesmo de justiça (MORAES, 2002).

Para os neoliberais, a retomada do crescimento econômico nas sociedades capitalistas exigia políticas adequadas, que propor- cionassem transformações profundas nas estruturas das sociedades ocidentais, objetivando liberar o funcionamento dos mecanismos espontâneos e próprios do mercado e que foram desvirtuados pelo uso de políticas redistributivas por parte do Estado. Criticavam a existên- cia de políticas sociais promovidas pelo Estado, que aumentavam os seus gastos e, consequentemente, geravam aumento da pressão fiscal. Eles consideravam o mercado o meio mais justo de distribuição das riquezas, propondo um modelo de Estado cuja função devia restringir- -se ao estabelecimento de normas aplicáveis a situações gerais, deixan- do os indivíduos livres para agirem conforme a sua realidade econômica e social e em função de seus próprios interesses. (BIANCHETTI, 2005).

A ideologia neoliberal influenciou, progressivamente, todos os países capitalistas, orientando reforma do Estado que promovesse a desregulamentação econômica nacionais com a abertura dos países às empresas supranacionais, a implantação de políticas que favore- cem as relações de mercado no âmbito do serviço público. O neolibe- ralismo defende uma concepção de cidadania na qual o indivíduo é o visto como o único responsável pelo seu bem-estar, sendo esta uma conquista que ele terá que alcançar com os seus próprios recursos.

Santos (2003) destaca que no neoliberalismo os indivíduos são chamados a conduzirem o seu próprio destino, a serem os res- ponsáveis pela sua sobrevivência e pela sua segurança e a tornarem- -se gestores individuais das suas trajetórias sociais, sem que possam embasar-se em planos predeterminados pela dinâmica do mercado de trabalho capitalista. Ou seja, o indivíduo é chamado a ser o senhor do seu destino independente da ação do Estado.

Valores como empreendedorismo, competitividade e exce- lência são legitimados e incentivos das políticas de mercado próprias do neoliberalismo, enquanto outros, como a justiça social, a equidade e a tolerância, perdem legitimidade, fazendo com que a necessidade de considerar o destino dos outros se torna uma preocupação menor em relação com o futuro individual (BALL, 2004).

Carvalho (2009) infere que, ao restringir o Estado à função de regulação e de catalisação, o neoliberalismo levou a sociedade e

os indivíduos a agirem por conta própria na solução dos seus pro- blemas e provocou, também, a ampliação da participação da socie- dade em atividades que antes eram de competência exclusiva do Estado. Isso passou a exigir dos indivíduos capacidade empreendedora traduzida em criatividade, autonomia, discernimento, decisão e res- ponsabilidade pessoal, de modo que eles próprios passassem a ser os grandes responsáveis pela mudança de seu destino e da comunidade em que viviam.

O indivíduo considerado um consumidor dos serviços públi- cos, ou seja, aquele que paga pelos serviços obtidos junto ao Estado, sendo avaliador da sua qualidade (tempo, gasto, acessibilidade, rapi- dez dos resultados e custo), o que favoreceu a comparação de resul- tados e o fortalecimento da concorrência entre as empresas públicas, semipúblicas e privadas (CARVALHO, 2009).

O contexto neoliberal trouxe uma concepção neoliberal de cidadão, possuidor das seguintes características: individualista, competente, competitivo, senhor e condutor do seu próprio destino, responsável único pela sua sobrevivência e segurança social, gestor individual de suas trajetórias sociais (SANTOS, 2003); conformado em ocupar o lugar que lhe corresponde segundo suas capacidades e ap- tidões e que coloca os objetivos individuais de forma soberana sobre os objetivos coletivos; juiz supremo dos próprios interesses, que limita os fins sociais às coincidências que se possam estabelecer entre os objetivos individuais (BIANCHETI, 2005); e que age por conta pró- pria na solução dos seus problemas, com capacidade empreendedora traduzida em criatividade, autonomia, discernimento, decisão e responsabilidade pessoal, que se assume como o grande respon- sável pela mudança de seu destino e da comunidade em que vive (CARVALHO, 2009).

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