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Perspectivas teóricas assumidas: Os Estudos Surdos

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BILÍNGUE NO ENSINO MÉDIO: SOBRE AS (IM) POSSIBILIDADES DE INCLUSÃO

1. Perspectivas teóricas assumidas: Os Estudos Surdos

Conforme Skliar (2001a), os Estudos Surdos construíram um novo olhar sobre a surdez, sobre a língua que é própria de várias co- munidades surdas(Libras) e sobre a forma de franqueamento da edu- cação para o sujeito surdo.

Tais Estudos defendem um posicionamento político ideo- lógico em relação à surdez e assumem uma perspectiva socioantro- pológica: a surdez é tomada por um viés cultural e linguístico – como diferença a ser respeitada e não como deficiência ou como falta a ser

corrigida. Behares (2000) também enfatiza a diferença e não a defici- ência, porque crê que é naquela que se baseia a essência psicossocial da surdez – ele (o surdo) não é diferente unicamente porque não ouve, mas porque desenvolve potencialidades psicoculturais diferentes das dos ouvintes. Nessa direção, tanto a surdez como o surdo e a língua de sinais deixam de ser vistos como um problema. Para a pesquisado- ra surda Strobel (2008, p. 36), “o respeito à surdez significa considerar a pessoa surda como pertencente a uma comunidade minoritária com direito à língua e cultura própria”.

Essa perspectiva de considerar o sujeito surdo vem sendo reafirmada progressivamente pela resistência e pela luta dos movi- mentos surdos pelos seus direitos. Espaços são “cavados”, a fim de abrir brechas e trazer à cena elementos que questionam as representa- ções e os discursos hegemônicos que envolvem o sujeito surdo, espe- cialmente as questões que se referem a sua língua, a sua potência e capacidade de aprender. Para Perlin, “a luta pelas diferenças não pode ser explicada por simples oposições binárias, ela é uma estratégia de sobrevivência” (PERLIN apud SILVA, 2009, p. 23)3.

Sobrevivência, pois, ao longo da história, os significados foram a reiterando como uma deficiência e, consequentemente, as pessoas que não ouviam eram identificadas como um “ouvinte com defeito” ou “um deficiente auditivo”. Essa concepção, definida e reforçada pelo saber/poder dos especialistas, via e traduzia o surdo como alguém a ser corrigido. Do mesmo modo, a língua de sinais, con- siderada como a língua daquele que havia fracassado (fracassou) na aquisição da língua da maioria, ou seja, a oral era (é) desqualificada e desqualificava (desqualifica) o seu usuário. Mesmo depois de reconhe- cida legalmente como uma língua nacional pela Lei nº 10.436/2002, a Libras ainda carrega muitos mitos e estereótipos. Segundo Souza (2007, p. 39), tais estereótipos, presentes entre nós, “evidenciam a su- balternidade em que é posta a língua de sinais”.

1.1. a educação bilíngue

A partir da década de 1990, especialmente após a Declaração de Salamanca4, tomou centralidade no cenário educacional mundial

3 skliar (2001a), a partir de mclaren (1995), fala sobre os contrastes binários típicos – normalidade/anormalidade, surdo/ouvinte, maioria(ouvinte)/minoria(surda), oralidade/gestualidade, etc.

4 Conferência mundial de educação especial, realizada entre 7 e 10 de junho de 1994, na cidade de salamanca, espanha.

e brasileiro a discussão em torno da escola dita inclusiva, entendida como um espaço que “acolhesse” todas as diferenças – físicas, inte- lectuais, psíquicas, históricas ou sociais; enfim, que acolhesse a todos. A partir de então, os sujeitos anteriormente localizados à mar- gem do processo social começaram a ter visibilidade. “Educação para Todos”, “Educar na Diversidade”, “Respeito às Diferenças” tornaram-se os grandes lemas das políticas educacionais do Estado, provocando transformações nas práticas pedagógicas, criando demandas e dei- xando transparecer a gama de enfrentamentos para criar uma propos- ta educacional, de fato, inclusiva.

A atual política inclusiva em relação aos surdos reafirma o Decreto nº 5626, aprovado em dezembro de 2005, que regulamentou a Lei nº 10.436, de abril de 2002, e reconheceu legalmente os direitos da pessoa surda de acesso ao bilinguismo – Língua Brasileira de Sinais, como primeira língua; e Língua Portuguesa na modalidade escrita, como segunda língua –, tanto na escola privada como na pública, além de vários outros aspectos.

Para Souza (2007), a aprovação desse decreto é uma impor- tante conquista dos movimentos sociais surdos que, incansavelmen- te, buscaram o reconhecimento da sua diferença cultural e linguística. É também a comprovação de que “[…] o oralismo5, como abordagem hegemônica nas escolas brasileiras, já não se sustentava teoricamen- te em nenhuma área do conhecimento, ou seja, perdeu as bases que o legitimavam” (SOUZA, 2007, p. 191).

O Decreto nº 5626/05 configura legalmente que é possível a construção de uma nova realidade. É um avanço, pois ter um direito assegurado por lei significa que um grupo se fez ouvir e foi reconheci- do; no entanto, ele, por si só, não garante as mudanças necessárias. Para instituir o novo contexto educacional que a lei garante, é preci- so desconstruir uma série de conceitos e preconceitos que se crista- lizaram ao longo do tempo. Isso significa criar um espaço de reflexão permanente, em que o principal interessado, o surdo, seja um inte- grante ativo e possa dizer o que significa para ele e para o seu gru- po o uso da Libras, nas interações sociais, culturais e pedagógicas. Só assim poderemos ter uma “inversão na lógica das relações” (QUADROS, 2007, p. 1). Segundo Souza (2006, p.280), “talvez seja este nosso maior desafio enquanto intelectuais – fazermos gestar uma po-

5 método de supressão da língua de sinais e valorização da língua oral como forma de instrução e inserção social, implantado universalmente após o Congresso de milão em 1880; fato que culminou na proibição da língua de sinais como língua de instrução em sala de aula.

lítica das diferenças que, sendo hospitaleira ao diferente, não lhe seja, todavia, hostil”.

Os estudos (LACERDA, 1989; QUADROS, 2005; SKLIAR, 2001a, 2001b, 2006; SOUZA, 1998, 2006, 2007, entre outros) indicam a com- plexidade da situação bilíngue. No caso do bilinguismo que envolve os surdos, a complexidade é ainda maior: trata-se de um contexto completamente distinto de outros contextos bilíngues, pois envolve línguas de modalidades muito diferentes – uma é oral-auditiva e a outra é visual-espacial; além do mais, não é a língua majoritária do Brasil e, apesar de ser reconhecida como uma língua também brasileira é a língua de uma minoria linguística (por volta de três milhões de usu- ários).

Qual é a política linguística adotada para criar uma educação bilíngue para o surdo? E os estudantes ouvintes, que relações terão com essa língua? Qual a função social atribuída às duas línguas nas relações cotidianas na escola?

Essas questões precisam ser postas, quando se discute a educação bilíngue, pois, além de envolver questões de ordem social, cultural e linguística, a educação bilíngue depende, sobretudo, de um posicionamento político. Não podemos caracterizar como educação bilíngue aquela que se restringe somente a tornar acessível ao sur- do, duas línguas: a língua de sinais e o português. Para Skliar (2001b, p. 91-92, grifo original): “A educação bilíngue para surdos […] não deve reproduzir a ideia errada e perigosa de que saber e/ou utilizar correta- mente a língua oficial é indispensável para o surdo ser como os demais – ouvintes –, como a norma – ouvinte”.

Souza (2007), ao se referir à construção da escola bilíngue para o surdo, destaca precisamos ouvir os maiores interessados, os surdos, pois eles almejam uma escola que não condicione a sua capacidade de aprendizagem a sua capacidade de desenvolvimento da linguagem oral ou de escrita; que os escute e os respeite na sua diferença linguística e cultural; ou seja, que eles possam ser educados na língua que lhes é natura - a língua brasileira de sinais, pois só assim eles poderão criar uma relação de significação com a língua portuguesa e com o mundo. Para a autora, o novo projeto inclusivo bilíngue, garan- tido em lei, é possível, desde que seja:

[…] construído com eles, que tenha novas configurações ideológicas, que seja marcado por uma nova história de relação e reciprocidade política com eles, que seja inscrito em uma nova lógica de entender e considerar na escola o estudante surdo. (SOUZA, 2007, p. 35).

2. a produção da investigação

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