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CAPÍTULO 1: DETERMINANTES DA ESTRUTURA DE CAPITAL DAS EMPRESAS:

1.1 Abordagens teóricas sobre fontes de financiamento e estrutura de capital das empresas

1.1.6 Modelos baseados no momento de mercado

Segundo os modelos baseados no momento de mercado as empresas definem sua estrutura de capital de acordo com as condições de mercado percebidas pelos seus gestores. Visto por outro ângulo, as empresas optam por emitir ações ao considerarem que o preço de mercado destes ativos está acima do seu valor contábil, readquirindo-os nos momentos de baixa no mercado acionário. Nesta abordagem, aspectos específicos à empresa perdem espaço para fatores externos na determinação da estrutura de capital, passando as empresas a cunhar sua estratégia de financiamento conforme o valor atribuído aos títulos negociados.

30 Os modelos de market timing se embasam em uma premissa básica: a invalidade do pressuposto de mercados de capitais perfeitos e integrados requerido pelo modelo original de Modigliani e Miller (1958). A capacidade dos emissores de se aproveitarem da sobrevalorização temporária dos títulos para captar recursos via capital próprio provém da variação independente dos custos relativos das diferentes fontes de financiamento. Caso o mercado de capitais fosse capaz de precificar todos os ativos de forma simultânea e eficiente, não haveria meio da estratégia de substituir oportunisticamente dívidas por ações ser bem sucedida tendo em vista que os custos de ambos os títulos estariam intimamente relacionados.

A estrutura de capital nesta abordagem é resultado do acúmulo de tentativas passadas da empresa de acertar o market timing para a emissão de suas ações. Uma primeira implicação é a relação esperada negativa entre o endividamento e a razão entre o valor de mercado e o valor contábil da companhia (market-to-book ratio). No período em que o preço de mercado das ações encontra-se inferior à média, o custo de captação via emissão de ações se eleva, superando o custo de outras fontes de financiamento. O reconhecimento deste momento como desfavorável implicaria uma aversão ao financiamento via capital próprio, reduzindo ao mínimo a captação de recursos mediante a emissão de ações. Em outras palavras, empresas que emitiram ações quando estas estavam pouco valorizadas seriam mais endividadas e, ao contrário, empresas com menor nível de endividamento seriam aquelas que captaram recursos via capital próprio quando o mercado demonstrou-se favorável.

Além disso, segundo os modelos baseados no momento de mercado, não existe uma estrutura de capital ótima tendo em vista a mutabilidade das condições de mercado e, consequentemente, dos parâmetros para eleição entre as duas fontes de capital externo. A inexistência de uma estrutura de capital ótima a ser alcançada e mantida pela empresa, por sua vez, contrapõe-se diretamente à hipótese defendida pelos modelos de trade-off de que quaisquer desvios em relação a estrutura alvo seriam corrigidos no médio e longo prazo. Segundo Baker e Wurgler (2002), caso os modelos do momento de mercado estejam corretos, o efeito do market

timing sobre o nível de endividamento é permanente, e não inócuo, como assumiriam os modelos

31 Para testar a persistência do efeito do market timing sobre a estrutura de capital no longo prazo, Baker e Wurgler (2002) mensuraram as oportunidades criadas no market timing por meio da média ponderada do financiamento externo (external finance weighted average) – definida como a média histórica da relação entre o valor de mercado e o valor contábil (market-

to-book ratio)18, ponderada pelo volume de capital próprio captado quando as ações da empresa encontravam-se sobreavaliadas. Ao realizar a regressão do endividamento contra essa variável, os autores concluíram não só que o endividamento é negativamente relacionado às avaliações de mercado passadas, como que a influência do market timing sobre a estrutura de capital se estende por mais de 10 anos após o IPO.

Alti (2006) aponta que a relação positiva entre avaliação de mercado das ações e sua emissão é influenciada por uma série de outros fatores determinantes da decisão de financiamento da empresa como, por exemplo, as condições correntes da economia e a intensidade de capital da tecnologia utilizada19. Por essa razão, testes empíricos envolvendo o momento de mercado requerem medidas que não estejam tão diretamente relacionadas a outros determinantes da estratégia de financiamento da empresa. A metodologia proposta pelo autor recupera as caracterizações de hot market (mercado aquecido) e cold market (mercado desaquecido) propostas por Ritter (1991) e Loughan e Ritter (1995 e 1997) e foca em um evento único de financiamento. Assim, o autor obtém a medida do market timing relacionando a quantidade de ações emitidas pela empresa que fez o IPO com o fato do mercado estar aquecido ou não – alto ou baixo volume de IPO em termos do número de emitentes – para, então, analisar regressões similares aquelas inquiridas por Baker e Wurgler (2002).

Os resultados encontrados por Alti (2006) corroboraram a hipótese de que empresas que fazem seu IPO em mercados aquecidos emitem um volume substancialmente maior de ações, reduzindo seu nível de endividamento numa proporção maior que empresas que se tornam públicas quando o mercado acionário está desaquecido. Contudo, a proporção dos recursos

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A série histórica abarca de um a dez anos após o IPO, além de todo o período da amostra, independentemente do momento em que as ações foram emitidas.

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Um exemplo é a proxy utilizada para mensuração da perspectiva de crescimento da firma. Firmas com elevadas expectativas de crescimento, além de usualmente apresentarem altos valores de mercado comparativamente ao valor contábil, segundo a versão complexa da teoria do pecking order, podem optar por recorrer ao mercado acionário visando manter uma maior flexibilidade para financiamento dos projetos futuros via dívida, o que torna o financiamento passado consistente com a tendência à expansão.

32 captados via mercado acionário e via emissão de títulos de dívida se inverte quase imediatamente após o IPO, tornando empresas que emitiram ações quando o mercado estava aquecido relativamente mais endividadas. Particularmente, no final do segundo ano após a abertura do capital o efeito do market timing sobre o grau de alavancagem é totalmente revertido, em outras palavras, o impacto do market timing sobre a estrutura de capital se limita ao curto prazo, não persistindo no longo prazo.

Para Alti (2006), os resultados obtidos pelo seu estudo são compatíveis com uma versão modificada da teoria tradicional do trade-off que considera o market timing como um dos fatores determinantes da estrutura de capital das empresas no curto prazo. Os desvios em relação à estrutura ótima, causados pela tentativa de aproveitamento pelas empresas das janelas de oportunidades criadas no hot market, são rapidamente corrigidos. Loughran e Ritter (1997) corroboram o caráter complementar da tentativa da empresa de obter benefícios das janelas de oportunidade, mas para a adaptação da teoria da pecking order convencional. Segundo os autores, há uma pecking order dinâmica segundo a qual recursos internos não necessariamente serão preferíveis aos externos, assim como a dívida não necessariamente será preferível à emissão de ações.

Notadamente, a visão de Baker e Wurgler (2002) não é compatível com as conclusões resumidas no último parágrafo. Os autores questionam a teoria do trade-off justamente por terem encontrado evidências de que a razão entre valor de mercado e valor patrimonial (proxy do

market timing) possui efeito persistente sobre o nível de endividamento das empresas.

Analogamente, a teoria da pecking order não é considerada pelos autores como explicativa do impacto do market timing, uma vez que a lógica do ordenamento das preferências não abre espaço para a existência de uma relação entre a alavancagem e as condições passadas do mercado acionário. Em suma, coube a Baker e Wurgler (2002) a elaboração de uma teoria da estrutura de capital baseada no momento de mercado, ou seja, uma teoria no qual este último fator é entendido como o principal determinante da estratégia de financiamento das empresas.

Apesar do momento do mercado ser considerado importante pelos executivos para a decisão de financiamento, como constatado por um survey realizado por Graham e Harvey

33 (2001), a aceitação desta abordagem teórica como explicativa da escolha da estrutura de capital não só restringe os testes empíricos a uma única hipótese (o impacto do market timing sobre a estrutura de capital), como a própria hipótese, talvez pela contemporaneidade dos modelos, se sujeita a contradições metodológicas (FRANK e GOYAL, 2003). O reconhecimento do maket

timing como um dos determinantes da estrutura de capital, todavia, não invalida a consideração

de outros fatores e previsões quanto ao nível de endividamento, somente aponta aspectos externos à empresa como relevantes para a compreensão da estrutura de capital.

Reconhecida a importância dos fatores externos relacionados ao momento de mercado, o objetivo de verificar a influência específica da governança corporativa na determinação da estrutura de capital das empresas brasileiras implica a adoção de uma metodologia que requer o teste empírico de diferentes hipóteses tendo em vista a necessidade de se controlar o impacto que outras características empresariais podem exercer sobre a captação de recursos externos pelas companhias. Tais características específicas às empresas foram parcialmente abordadas quando resumidas as implicações práticas das previsões teóricas dos vários modelos retratados. Na seção 1.2, a abordagem será inversa, ou seja, serão explicitamente elencados os fatores mais comumente incorporados pelos estudos empíricos sobre a temática do financiamento corporativo, assim como resumidos os resultados das estimações realizadas pelos principais trabalhos empíricos.