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2.3 As abordagens de trade-off

2.3.4 Modelos baseados nos custos de agência

A insuficiência dos argumentos apresentados pelos modelos de trade-off baseados em benefícios fiscais (pessoa jurídica e física) e custos de falência levou diversos autores a formularem novos modelos para a escolha da estrutura de capital baseados na chamada “teoria de agência”.

Para esta teoria, a grande maioria das relações empresariais é regida por contratos, nos quais há a participação de dois tipos de personagens. O principal é aquele que tem um determinado interesse e, para atingi-lo, contrata o agente, que é aquele que irá representá-lo, buscando defender os seus interesses. Entretanto, o agente também possui os seus interesses, que podem ser conflitantes com os do principal. Com isso, surge o chamado “conflito de agência”, cujos interesses são negligenciados em favor dos interesses próprios do agente (JENSEN e MECKLING, 1976). Visando minimizar este problema, os acionistas da empresa incorrem em custos para monitorar e restringir as ações dos administradores, gerando os chamados “custos de agência”. Como poderiam influenciar na escolha da estrutura de capital, estes custos passaram a ser incorporados aos modelos desenvolvidos a partir da década de 1970.

O marco central dos estudos nesse campo se deu com o trabalho desenvolvido por Jensen e Meckling (1976), no qual foi formulado um modelo que avalia os impactos, na escolha da estrutura de capital e no valor da empresa, de dois dos principais tipos de conflitos de agência: a) entre gestores e acionistas; e b) entre gestores/acionistas e credores. O ponto de partida para ambos os conflitos é uma situação em que um empreendedor cria uma determinada empresa, torna-se responsável por sua gestão e obtém externamente parte dos recursos necessários ao financiamento das atividades. Sendo um dos acionistas da empresa, ele obterá resultados com a valorização da empresa e de suas ações; sendo um gestor, ele deseja obter uma série de benefícios não financeiros (“mordomias”), usando para isso os recursos da própria firma. Dentre esses benefícios, podem ser apontados: escritório bastante amplo e confortável, carros e helicópteros à disposição e hospedagem em hotéis de alto luxo. Esses benefícios geralmente não agregam valor à empresa e, em muitos casos, até causam redução na riqueza dos acionistas. Mas se detiver 100% do capital da empresa, o empreendedor arcará integralmente com os custos decorrentes dessas mordomias.

Uma alternativa interessante para ele seria desfazer-se de parte das ações que possui, porém mantendo-se como gestor da empresa. Assim, continuaria se beneficiando das mordomias, mas incorrendo em apenas parte dos custos para obtê-las, sendo o restante arcado pelos novos acionistas. Surge com isso o primeiro tipo de conflito de agência descrito por Jensen e Meckling (1976): entre esse acionista-gestor (agente) e os demais acionistas (principais), pois estes sabem perfeitamente que tal situação de expropriação de riquezas ocorre.

Jensen e Meckling (1976) apontam o uso do endividamento como uma possível forma de reduzir os custos desse primeiro tipo de conflito de agência. Essa idéia é reforçada por Jensen (1986), que enfatiza a relação entre um maior volume de fluxo de caixa livre7 e uma maior quantidade de mordomias pagas pelos administradores (agentes) para si próprios à custa da riqueza dos acionistas (principais). Em ambos os trabalhos, defende-se a idéia de que com maior quantidade de capital de terceiros e com a demanda por recursos para arcar com despesas de juros (que podem levar uma empresa à falência, se não pagas), os gestores tenderiam a ser mais parcimoniosos na utilização do capital dos acionistas. Isso incentivaria as empresas a adotarem níveis de endividamento mais elevados.

A contrapartida a essa situação surgiria com o segundo tipo de conflito de agência descrito por Jensen e Meckling (1986), aquele entre os acionistas (principalmente os que são gestores) e os credores da empresa. O ponto de partida para essa nova visão se deu com o trabalho de Black e Scholes (1973), que caracteriza a chamada “hipótese da expropriação da riqueza dos credores pelos acionistas”, a qual, em essência, enfatiza a captação de recursos de terceiros para investimentos na empresa, supostamente para projetos de baixo risco, mas que, na prática, são utilizados em projetos com elevado VPL, mas pequenas chances de sucesso. Como destacam Perobelli, Famá e Securato (2001), nesse tipo de situação se o projeto desse

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O fluxo de caixa livre representa o volume de recursos à disposição da empresa após o pagamento de todas as suas despesas do período, inclusive as financeiras (JENSEN, 1986).

certo os acionistas lucrariam muito e os credores receberiam apenas pequenas remunerações, ao passo que se o projeto desse errado estes arcariam com grandes prejuízos, enquanto os primeiros perderiam pouco.

Para Jensen e Meckling (1976), tais situações só poderiam ser evitadas com a inclusão nos contratos de dívida de cláusulas restritivas que diminuíssem as chances de ocorrência da expropriação de riqueza descrita acima. Tais cláusulas poderiam ser, entre outras: limitações no nível de endividamento, manutenção de um nível mínimo de liquidez, restrições na política de dividendos e impedimento de que a empresa fizesse investimentos muito arriscados.

O custo decorrente da existência dessas cláusulas e do seu monitoramento tende a ser maior no caso de empresas com um maior volume de endividamento, pois aumenta o risco da expropriação da riqueza dos credores. Com isso, o segundo tipo de conflito de agência descrito por Jensen e Meckling (1976) constitui um incentivo para que a empresa use o menor volume de dívidas possível. Ou seja, ela gera um efeito contrário ao do conflito entre acionistas e administradores. Contudo, McConnell e Servaes (1995) e Kayo e Famá (1997) apontam que esse efeito tende a ser mais forte em empresas que possuem elevado potencial de crescimento, pois geralmente possuem maior número de projetos com risco e retorno esperado elevados e, assim, são os maiores expropriadores de riquezas em potencial.

Em seu trabalho, Jensen e Meckling (1976) argumentam que os custos decorrentes dos dois conflitos de agência tendem a estabelecer um trade-off que determinaria a estrutura ótima de capital da empresa. Esta ocorreria onde a soma dos dois custos de agência fosse mínima, na perspectiva do empreendedor.

Considerando a realidade de mercados de capitais com baixo desenvolvimento em termos de proteção à investidores minoritários e transparência na divulgação das informações, Black (2000) argumenta que, nesses mercados, tenderia a haver um problema de seleção adversa, pela dificuldade dos investidores em julgar quais empresas estariam oferecendo

informações corretas e quais não. Assim, para garantir que estão pagando um preço justo, eles aplicariam um desconto no valor de todas as ações. Assim, as empresas com melhor governança (mais transparentes e com melhores mecanismos de proteção aos acionistas minoritários) tenderiam a ter suas ações com valor abaixo do preço justo, enquanto as de baixa governança tenderiam a ter suas ações sobrevalorizadas. Isso causaria um desincentivo às empresas do primeiro grupo para emitir ações, tendendo a levá-las a um maior nível de endividamento, como fonte de financiamento alternativa.

As principais relações teóricas a serem avaliadas empiricamente e que são derivadas dos conflitos de agência são:

a) Empresas com maior potencial de crescimento tendem a se endividar menos, pois sofrem mais os efeitos dos custos de agência impostos pelos credores quando se utilizam de mais dívidas (MCCONNEL e SERVAES, 1995; KAYO e FAMÁ, 1997). b) Empresas com maior fluxo de caixa livre tendem a se endividar mais, como forma de

reduzir os custos de agência decorrentes do conflito de interesses entre acionistas e administradores (JENSEN, 1986).

c) Empresas com maior volume de ativos fixos que possam ser oferecidos como garantia em caso de quebra da empresa poderiam emitir títulos de dívida de menor risco (garantidos por esses ativos) e, por isso, poderiam se endividar mais (MYERS, 1977; MYERS e MAJLUF, 1984).

d) Empresas nas quais o grupo gestor detém grande parcela das ações tendem a se endividar menos, pois se for utilizada uma grande proporção de dívidas o risco da empresa tende a aumentar muito e irá recair exatamente no grupo controlador. Assim, o uso de dívida com disciplinadora dos gastos da empresa é menos necessário (JENSEN e MECKLING, 1976). Além disso, esse tipo de situação aumentaria a

insegurança dos credores potenciais da empresa, encarecendo o custo de financiamento do capital de terceiros e desincentivando o endividamento (BLACK, 2000; BRITO e LIMA, 2005).

e) Empresas que atuam em mercados menos regulados e que possuem uma boa governança corporativa tendem a se endividar mais, pois sofrem mais os efeitos da seleção adversa dos investidores de ações, o que as desincentiva a emissão desses títulos como mecanismo de financiamento (BLACK, 2000).