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2.5 Trade-off versus pecking order: evidências empíricas

2.5.2 Testes empíricos ao redor do mundo

Naturalmente, os testes das duas principais teorias sobre a escolha da estrutura de capital (trade-off estático e pecking order) não se restringiram às empresas do mercado

americano, estendendo-se a outros países. Um dos primeiros trabalhos nesse sentido foi realizado por Rajan e Zingales (1995), que analisaram os fatores determinantes do endividamento em empresas dos sete países componentes do G-7: Estados Unidos, Canadá, Japão, Itália, Alemanha, França e Reino Unido. O período analisado foi entre 1987 e 1991, e o número de firmas consideradas na amostra variou bastante de país para país, desde o mínimo de 118, na Itália, até o máximo de 2.583, nos Estados Unidos.

Uma análise como essa se mostra interessante na medida em que coloca em comparação decisões tomadas em ambientes muito distintos. Conforme os autores ressaltam, embora os países considerados experimentem níveis semelhantes de desenvolvimento, eles possuem diferenças extremamente significativas em termos do funcionamento de seus mercados financeiros, das estruturas corporativas, das regulamentações legais e das regras contábeis.

Em um momento inicial, os autores destacam a existência de um nível de endividamento mais ou menos semelhante em todos os países, em torno de 30% a 35% do total dos ativos, exceto no Reino Unido e na Alemanha, cujos níveis foram mais baixos, em torno de 15%. Em outro momento, os autores elaboram um conjunto de regressões cross- sectional para relacionar as medidas de endividamento com os seus fatores determinantes. Como atributos de análise foram considerados: tangibilidade dos ativos, oportunidades de investimento (razão entre valor de mercado e valor contábil dos ativos), tamanho e lucratividade. Foram usadas medidas de endividamento tanto a valores contábeis como a valores de mercado.

De maneira geral, as quatro variáveis se comportaram de maneira semelhante aos estudos anteriores. Ou seja: a) a tangibilidade apresentou uma relação positiva, indicando que maiores proporções de ativos fixos servem como garantia, aumentando as possibilidades de endividamento colateralizado; b) as oportunidades de investimento se mostraram

negativamente relacionadas ao endividamento, indicando que quanto maiores, maior a tendência de ocorrência do conflito de agência entre acionistas e credores; c) o tamanho teve uma relação positiva, indicando que empresas maiores podem se endividar mais; e d) a lucratividade teve uma relação negativa, indicando que empresas mais rentáveis se endividam menos, conforme prega a teoria de pecking order.

Apenas duas exceções ocorreram, ambas nas regressões com os dados das empresas alemãs. Nestas, o tamanho se mostrou negativamente relacionado ao endividamento, ao passo que a lucratividade apresentou uma relação positiva,

Aggarwal e Jamdee (2003) reaplicaram o teste de Rajan e Zingales (1995) em um período posterior, compreendido entre 1997 e 2001. Uma das conclusões preliminares obtidas por eles é que o nível médio de endividamento adotado nesses países foi menor do que aquele adotado em 1991 e apresentado por Rajan e Zingales (1995).

Com relação aos fatores determinantes do endividamento, foram considerados: tangibilidade, oportunidades de investimento, tamanho da firma, lucratividade, probabilidade de falência, grau de singularidade da empresa, acesso ao mercado de capitais no período analisado (variável dummy para emissão de novas ações) e medidas legais de proteção ao investidor, mais as medidas associadas ao controle da empresa. De maneira geral, as variáveis qualitativas não foram significativas e as regressões do endividamento contábil se mostraram mais bem ajustadas do que as do endividamento de mercado.

Em um trabalho específico do mercado britânico, Lasfer (1999) analisa a estrutura de endividamento das firmas, considerando especialmente as diferenças entre os instrumentos de dívidas usados por empresas grandes e empresas pequenas. Para isso, foi considerada uma amostra de 2.256 firmas entre 1984 e 1996. De maneira geral, os resultados mostraram um forte relacionamento entre a estrutura de dívidas utilizadas e o tamanho das empresas, fortalecendo as teorias relacionadas ao conflito de agência, na visão do autor.

Os resultados mostram uma utilização muito forte de empréstimos bancários e operações de leasing para o financiamento das pequenas empresas, ao passo que a participação dessas fontes é menor no caso das grandes empresas, que se baseiam muito mais na emissão de títulos de dívida. Ainda, analisando as relações entre o uso dos vários tipos de dívidas e os fatores determinantes da estrutura de capital, o autor encontra relevância principalmente nas variáveis tamanho e expectativa de crescimento. Com relação a última, o relacionamento é geralmente negativo. Já em relação à primeira, a relação é negativa para os empréstimos bancários, as operações de leasing e os títulos de curto prazo (mais seguras) e positiva para os demais títulos (mais arriscados). Para Lasfer (1999), isso ressalta a importância dos conflitos de agência na explicação das decisões de estrutura de capital em sua amostra de dados.

Um trabalho bastante interessante sobre os fatores influenciadores da escolha da estrutura de capital foi o desenvolvido por Jorge e Armada (2001), com foco no mercado português. Para esse estudo, foram consideradas 93 empresas entre 1990 e 1995. As variáveis independentes analisadas foram: tamanho, taxa de crescimento dos ativos, risco de negócio, rentabilidade do ativo, tangibilidade, vantagens fiscais não resultantes do endividamento (tax shields), tipo de controle acionário da empresa (privado nacional, público nacional ou estrangeiro, medido através de variáveis dummy), e setor de atividade (primário, secundário ou terciário), também medidos por variáveis dummy.

Jorge e Armada (2001) encontraram em sua amostra um nível médio de endividamento de curto prazo de 41% e de 11% para o endividamento de médio e longo prazo. Embora fossem utilizadas quatro medidas distintas de endividamento, os resultados não se mostraram muito discrepantes entre elas. Os fatores considerados mais significativos foram a taxa de crescimento do ativo, a rentabilidade (este, especialmente no curto prazo e no

endividamento global) e, em menor escala, a estrutura do ativo. Os demais fatores foram considerados pouco relevantes.

Trabalho semelhante foi desenvolvido por Drobetz e Fix (2003) para o mercado acionário da Suíça. A amostra coletada foi composta de 124 firmas, cujos dados se referem ao período de 1997 a 2001. Foram excluídas da amostra empresas financeiras e, ainda, aquelas empresas que não apresentavam os dados necessários. Com relação às variáveis independentes, foram utilizadas: tangibilidade, tamanho, oportunidades de crescimento, rentabilidade, volatilidade dos resultados, usufruto de outros benefícios fiscais (que não os do endividamento) e grau de singularidade (medido pelo gasto em P&D).

Os resultados obtidos levaram à conclusão de que tamanho, usufruto de outros benefícios fiscais e grau de singularidade não tinham impacto significativo na escolha da estrutura de capital. As demais variáveis foram consideradas significativas, sendo que o grande destaque vai para o atributo oportunidades de crescimento, que obteve a maior significância. Foi encontrada uma relação inversa para este atributo, ou seja, empresas com os maiores “descolamentos” entre valor contábil e valor de mercado eram as menos endividadas, enfatizando mais uma vez a questão dos conflitos de agência entre capital próprio e capital de terceiros11. Em menor intensidade, foram considerados relevantes os atributos tangibilidade, rentabilidade e volatilidade, sendo as suas relações coerentes com as abordagens teóricas propostas.

Outro estudo interessante sobre os fatores influenciadores da estrutura de capital foi realizado por Chen e Xue (2004) para o mercado chinês. O período considerado foi de 1997 a 2001, em uma amostra de 729 companhias não-financeiras abertas do país.

Em virtude da elevada relação Preço / Lucro (P/L) das ações chinesas e da alta volatilidade de suas cotações, o trabalho foi feito com base em valores contábeis. Outro

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Como será destacado posteriormente, uma explicação para isso pode estar também na tentativa das empresas em emitir ações quando estas estivessem mais caras.

motivo destacado pelos autores é a existência das chamadas “ações não circuláveis”12, que correspondem à grande maioria das ações das empresas chinesas, o que distorce completamente os cálculos de valores de mercado. Sendo assim, como variável dependente foi considerada a relação entre o total de dívidas e o valor contábil total da empresa.

Os atributos testados foram: risco de negócio, tangibilidade, efeito fiscal da depreciação, rentabilidade do ativo, tamanho da firma, taxa de distribuição de dividendos a acionistas ordinários, percentual de ações não comercializáveis e as oportunidades de crescimento da empresa. Além disso, foram incluídas diversas variáveis dummy para captar os efeitos do setor no qual a empresa estava inserida.

Dentre os atributos, quatro foram considerados significativos na explicação dos níveis de endividamento: tangibilidade, efeito fiscal da depreciação, lucratividade e tamanho. Uma das observações interessantes foi que, no caso da depreciação, a relação encontrada foi positiva, inversa à proposta pela teoria. As variáveis tangibilidade e tamanho foram significativas, mas apresentaram baixos coeficientes, indicando uma fraca influência no nível de endividamento.

Em um trabalho recente, Perobelli e Fama (2003) analisam os fatores que determinam a estrutura de capital escolhida em três países latino-americanos: Argentina, Chile e México. Foi considerada uma amostra de 119 empresas não-financeiras de capital aberto do México, 57 da Argentina e 103 do Chile. O período considerado foi de 1995 a 2000. Para esta análise, foi feita uma separação entre endividamento de curto prazo e endividamento de longo prazo, sendo feitas regressões distintas para cada um.

Os atributos testados foram: tangibilidade, usufruto de outros benefícios fiscais (como os da depreciação), expectativa de crescimento, grau de singularidade, tamanho, volatilidade

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As ações não comercializáveis são aquelas cuja propriedade está nas mãos do governo ou das chamadas “pessoas legais” (agências relacionadas ao governo). Trata-se de uma particularidade do mercado chinês. Os autores sugerem uma relação positiva entre o percentual de ações não comercializáveis e os níveis de endividamento. Para mais detalhes, consultar Chen & Xue (2004).

dos resultados operacionais e lucratividade. Com relação aos países analisados, foram constatadas as seguintes conclusões (PEROBELLI e FAMÁ, 2003):

México: para o endividamento de longo prazo, todas as variáveis, exceto tangibilidade e usufruto de outros benefícios fiscais, foram consideradas relevantes. Para o endividamento de curto prazo, as conclusões foram parecidas, exceto pela exclusão de tamanho e pela inclusão de usufruto de outros benefícios fiscais.

Argentina: o modelo não foi muito eficaz, já que houve apenas uma relação negativa entre lucratividade e endividamento de curto prazo, com 10% de significância.

Chile: para o endividamento de curto prazo, foram encontradas relações significativas com tamanho e tangibilidade. No caso do longo prazo, além dessas, houve uma relação significativa entre endividamento e lucratividade.

Nesse estudo, os autores concluem que, embora existam diferenças significativas entre os resultados dos países analisados, as variáveis mais relevantes no âmbito considerado foram lucratividade (de acordo com a pecking order theory), expectativa de crescimento (de acordo com a hipótese de expropriação de riqueza dos credores pelos acionistas) e tamanho, este mais relacionado com a decisão entre endividamento de curto e longo prazo do que com o nível global de endividamento (empresas maiores utilizam-se mais de recursos de longo prazo e as menores, dos recursos de curto prazo).