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2.2.1 A abordagem tradicionalista

Anteriormente ao trabalho de Modigliani e Miller (1958), a discussão sobre as decisões de financiamento das empresas era ainda muito incipiente. Conforme ressaltam Brigham, Gapenski e Ehrhardt (2001, p. 603), havia apenas “afirmações esparsas sobre o comportamento do investidor em lugar de modelos construídos cuidadosamente que poderiam ser testados pela estatística formal”.

Um dos autores que melhor tratou o tema nesse período foi Durand (1952), cuja argumentação partia da utilização do fluxo de caixa descontado como método de avaliação de investimentos. Se fossem mantidos constantes os fluxos de caixa futuros, seria possível obter um aumento do valor da empresa por meio de uma redução na taxa de atualização do fluxo de caixa. Isso abriria a possibilidade da existência de uma estrutura de capital ótima, representada pela combinação de recursos próprios e de terceiros que minimizasse o custo médio ponderado de capital da empresa.

De fato, usualmente, o custo do capital de terceiros é mais barato, por envolver um risco menor para o fornecedor de capital. Considerando essa premissa, se esse custo e o do capital próprio se mantivessem sempre iguais, independentemente do nível anterior de endividamento da empresa, ter-se-ia uma situação na qual, à medida que a empresa se torna mais endividada, seu custo de financiamento diminui cada vez mais. A explicação para isso está no fato de que o capital de terceiros (mais barato) passaria a ter uma participação cada

vez maior no total das fontes de financiamento, o que reduziria o custo financeiro total da empresa.

Entretanto, o próprio Durand (1952) ressalta que se o percentual de dívidas for muito grande a empresa passa a correr o risco de recair em uma situação de insolvência. Isso eleva o risco a que credores e acionistas estão sujeitos, fazendo com que aumente o custo de ambas as fontes de financiamento.5 Esse raciocínio reforça a idéia de que poderia existir uma estrutura ótima de capital, sob a qual o valor da empresa seria maximizado. Contudo, o próprio autor reconheceu não saber se seria possível obter tal estrutura, devido às dificuldades para identificar a influência da possibilidade de falência sobre estes custos.

2.2.2 A abordagem de Modigliani e Miller sem impostos

O trabalho considerado como a referência central nos estudos sobre estrutura de capital é o desenvolvido por Modigliani e Miller (1958), usualmente referenciados pela sigla MM (ou M&M). Contrariando as idéias vigentes até então, eles alegaram que, de fato, não existiria uma estrutura de capital ótima – ou seja, todas as combinações possíveis entre dívida e capital próprio levariam a empresa ao mesmo custo médio ponderado de capital (CMPC) e ao mesmo valor. A repercussão desse trabalho foi tão grande que, conforme citado em Brigham, Gapenski e Ehrhardt (2002, p. 603), o artigo original foi julgado como tendo o maior impacto no campo das finanças de todos já publicados.

O modelo teórico de MM baseia-se em um mercado ideal simplificado, com os seguintes pressupostos (MODIGLIANI e MILLER, 1958):

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Na época da publicação do trabalho de Durand (1952), o modelo de precificação de ativos de capital (CAPM), cujo desenvolvimento se deu principalmente com os trabalhos de Sharpe (1964), Lintner (1965) e Mossin (1966) e que até hoje é muito usado na avaliação dos riscos e retornos de um ativo, não havia sido desenvolvido. Contudo, já era muito clara entre os diversos agentes econômicos a idéia de que um investimento com um maior nível de risco deveria proporcionar uma expectativa de retorno maior.

• Não existência de impostos, nem sobre os lucros da pessoa jurídica, nem sobre os rendimentos auferidos pelas pessoas físicas;

• Não existência de custos de transação.

• A dívida das empresas (recursos de terceiros) não teria risco nenhum (com isso, elimina-se a possibilidade de que as empresas venham a falir, e com isso, não são considerados os custos de falência);

• Simetria de informações entre os investidores e os administradores das empresas, com estes atuando no melhor benefício dos acionistas (inexistência de conflito de agência entre acionistas e administradores);

• Investidores podem tomar recursos emprestados pagando a mesma taxa que as empresas, ou seja, uma taxa livre de risco;

• O LAJIR (lucro antes dos juros e do imposto de renda) não é afetado pelo uso de endividamento e possui a expectativa de ser constante – ou seja, as empresas não tenderão a crescer ao longo do tempo – mas poderá oscilar normalmente ao redor do retorno esperado; e

• O risco de negócio poderá ser medido pelo desvio-padrão do LAJIR. Todas as empresas em que esse risco tiver o mesmo grau estarão na mesma classe de risco (com isso, a remuneração das ações dessas empresas deverá manter uma proporcionalidade).

A partir desses pressupostos, foram formuladas as três proposições de MM. A proposição I afirmava que o valor de uma empresa não-alavancada (sem dívidas) seria uma função do seu LAJIR e do seu custo do capital próprio (indiretamente, do risco de negócio da empresa). E, ainda, o valor de uma empresa alavancada VL seria idêntico ao de uma empresa

não-alavancada VU. Com isso, não haveria diferença para uma empresa entre se endividar

Uma justificativa forte para isso se baseia no princípio da arbitragem6. Se duas empresas (sujeitas aos pressupostos do modelo) idênticas em todos os aspectos, exceto no nível de alavancagem financeira utilizada, possuíssem valores distintos, ter-se-iam dois investimentos semelhantes, mas avaliados de maneira diferenciada. Com isso, haveria uma tendência de que fossem efetuadas sucessivas operações de arbitragem, até que os valores de ambas as empresas ficassem idênticos.

Outra justificativa para a igualdade é baseada na proposição II de MM, segundo a qual o custo do capital próprio da empresa cresce à medida que ela se endivida mais, pois a utilização de mais dívidas aumenta o desvio padrão do retorno sobre o patrimônio líquido (ROE), elevando o risco dos sócios da empresa. Segundo o modelo de MM, tal aumento compensará os ganhos obtidos com a utilização de capital de terceiros (de custo mais baixo, conforme citado anteriormente), de maneira matematicamente exata, o que manterá constante o custo médio ponderado de capital (CMPC) da empresa. Com isso, justifica-se a manutenção do valor da empresa no mesmo patamar em qualquer nível de endividamento.

Por fim, a proposição III prega a independência entre as decisões de investimento e de financiamento, com base nas formulações anteriores. Isso implica, por exemplo, que a realização de projetos mais arriscados não aumentaria os seus custos de financiamento.

2.2.3 A abordagem de Modigliani e Miller com impostos

A publicação do trabalho de Modigliani e Miller (1958) gerou uma grande repercussão no mundo acadêmico e uma imediata reação dos adeptos da visão tradicionalista, que

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O princípio da arbitragem consiste na idéia de que dois ativos idênticos não podem possuir valores distintos ao mesmo tempo. Segundo o princípio, se isso viesse a ocorrer haveria uma sucessão de operações de compra do ativo menos valorizado e de venda do ativo mais valorizado, até que os dois se igualassem em valor (BRIGHAM, GAPENSKI e EHRHARDT, 2002, p. 604).

criticaram severamente a pouca aplicabilidade prática do modelo formulado (DURAND, 1959).

Embora MM continuassem a defender seu modelo, eles reconheceram, em artigo posterior (MODIGLIANI e MILLER, 1963), que haviam se equivocado com relação ao tratamento dado quando do relaxamento do pressuposto de inexistência do imposto de renda da pessoa jurídica.

Devido a uma particularidade existente nos Códigos Tributários da maioria dos países, as despesas de juros (que surgem com o endividamento) são dedutíveis da base de cálculo do imposto de renda. Com isso, uma parte maior dos lucros operacionais da empresa fica com as suas fontes financiadoras (acionistas e detentores de títulos de dívida), criando uma espécie de “benefício fiscal”, que aumenta à medida que cresce o endividamento, elevando o valor da empresa e reduzindo o seu custo de capital. O reconhecimento de tal fato levou-os a reescrever as suas duas primeiras proposições:

Proposição I: O valor de uma empresa não-alavancada é função do seu LAJIR descontado do imposto de renda corporativo e, ainda, do seu custo de capital próprio (risco de negócio). Já o valor de uma empresa alavancada é igual ao valor de uma empresa semelhante não-alavancada, acrescido do ganho decorrente do benefício fiscal.

Proposição II: O custo do capital próprio de uma empresa aumenta à medida que eleva o nível de endividamento, pelos mesmos motivos apresentados para o modelo original. No entanto, devido ao efeito do imposto de renda, tal aumento será menor que o verificado no modelo sem a presença do imposto de renda.

Essas duas proposições, em conjunto, levam à conclusão de que a estrutura ótima de capital da empresa deve ficar próxima dos 100% de endividamento, para aproveitar ao máximo os benefícios fiscais, diferentemente do modelo original, que pregava a inexistência da estrutura ótima. Entretanto, os próprios autores fazem a seguinte ressalva em relação às conclusões obtidas em seu artigo:

A existência do benefício fiscal para o endividamento [...] não significa necessariamente que as empresas deveriam o tempo todo buscar a utilização do volume máximo possível de dívidas [...] outras formas de financiamento, notadamente lucros retidos, podem ser em algumas circunstâncias mais baratas ainda quando a tributação sobre a pessoa física for levada em conta. Mais importante, há [...] limitações impostas pelos credores [...] que não são bem compreendidas dentro do contexto dos modelos de equilíbrio estáticos, nem no nosso nem nos das abordagens tradicionalistas. (MODIGLIANI e MILLER, 1963, tradução livre).

Essas questões fornecem alguns direcionamentos sobre os pontos em que seriam necessários aprimoramentos nos dois modelos de MM, o que viria a ocorrer posteriormente, dando origem aos modelos de trade-off.