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Sou de uma família descendente de guerreiros e guerreiras valentes Paresi, Nambikwara e Umutina, compondo um total de seis irmãos, dois homens e quatro mulheres, sendo os dois irmãos por parte da mãe, o irmão mais novo faleceu em 12 de abril de 2003, com 35 anos de idade. Quando a minha mãe se casou com meu pai, ela já havia dois filhos do casamento anterior. Já com meu pai foram quatro filhas/ mulheres, sendo que uma veio a óbito recém-nascido, não me lembro, não sei o motivo, esta era antes de mim e, posteriormente, vim a este mundo, sou chamada a “caçula” da família.

Seguem as datas comemorativas de nascimentos e a composição dos meus familiares em distintos tempos e espaços. A minha mãe, Nice Boroponepá – 25 de abril de 1946, meu pai, Edson Monzilar – 26 de novembro de 1948, os meus irmãos, Leocilio Boroponepá - 23 de março de 1964 e Jose Arnaldo Boroponepá - 11 de fevereiro de 1968, as minhas irmãs, Edna Monzilar – 10 de agosto de 1973, Edineth Monzilar – 02 de outubro de 1974, e a outra irmã recém-nascida veio a óbito, há uma suposição que seja entre os

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anos 1976 a 1978, por fim, eu, Eliane Boroponepa Monzilar – 26 de janeiro de 1979, na época, a minha mãe tinha 33 anos de idade, desde então, não teve mais filhos.

Os meus avós paternos vieram de outra aldeia Utiariti, do grupo étnico Paresi situada no município de Sapezal/MT, na época da juventude foram trazidos pela comissão de Rondon, na época do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), já meus avós maternos são legítimos Balatiponé-Umutina, são denominados “Balatiponé”, que significa “gente nova”, ou seja, são originários dessa região que compreendia os rios Sepotuba, Bugres e Paraguai (MONZILAR, 2013). Desde os primórdios viveram nesta localidade, não tendo nenhuma mistura de grupo étnico.

Segundo informações das pessoas antigas da comunidade, a minha avó, que se chamava “kazacaru”, viveu na maloca e sabia falar fluentemente a língua Umutina, sendo ela uma das descendentes órfãs recolhidas pelo não indígena que trabalhava na sede do posto indígena, no território indígena Umutina na época do SPI, o chamado “Fraternidade”. Segundo relato da minha irmã Edna Monzilar, quando nossos pais se casaram não houve nenhum ritual de casamento indígena, apenas o casamento de “morar juntos”. Quando a minha mãe se casou com meu pai, no início foram morar na casa dos meus avós parternos, o Jorge Monzilar e Ana Paresi, posteriormente, foram morar em outra casa separada. Ela continou relatando que, quando criança, presenciou desentendimentos e discussões entre os nossos pais por causa dessa questão de não engravidar de um filho. O sonho dele era ter um filho homem. Às vezes ela fica pensando sobre essa situação e, em conversa com a outra irmã, assim, deduz que seja uns dos motivos que muitas vezesm nos dias de hoje, acontecem inter-relações adversas entre nós? Uma reflexão da minha irmã.

A minha família sempre morou na aldeia Umutina, um lugar maravilhoso para viver, trabalhadores que fizeram de tudo para dar condições de subsistência para os filhos e filhas. Trabalhavam na roça, plantavam variedades de alimentos, pescavam, faziam artesanatos e vendiam na cidade, essa interação com a natureza, de manejar de forma que fornecia os alimentos necessários para o bem viver. O meu pai foi cacique durante quatorze anos, trabalhou juntamente com a comunidade fazendo esse serviço em prol da comunidade, foi uma grande liderança que esteve à frente de trabalhos sociais e comunitários na aldeia. A minha mãe fazia os trabalhos domésticos e gostava muito de confeccionar artesanatos e ajudava o meu pai no que fosse preciso e, assim, cuidava de suas filhas. No quintal da nossa casa havia uma grande quantidade diversa de plantas frutíferas.

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Lembro-me que a minha irmã mais velha contou-me que elas estudaram na escola da aldeia até a 4º série (primário). Nesta época, elas acordavam de madrugada para estudar, o meu pai ensinava e tomava as lições, como a tabuada e as leituras, além disso, ajudavam em casa, fazendo limpeza, a cuidar e dar comidas para a criação (galinha) e socava arroz no pilão, e somente ao finalizar os afazeres iam para a escola. Elas nasceram e cresceram na aldeia e estudaram na escola chamada “Otaviano Calmon” (nome do antigo chefe do posto na época do SPI) até a 4º série, na aldeia Umutina.

A minha irmã mais velha, para continuar os estudos, foi para cidade de Cuiabá, onde ficou seis meses, não se acostumou e retornou. Ela e o meu primo foram uns dos primeiros estudantes que saíram da aldeia para estudar as séries subsequentes de 5º a 8º série, e o 2º grau na cidade de Cuiabá e Barra do Bugres em torno da década de 80, por que havia na aldeia Umutina somente as séries iniciais.

Em 1986, o meu pai comprou uma singela casa na cidade de Barra do Bugres, o motivo foi para que nós pudéssemos continuar os estudos, visto que na aldeia só tinha até a 4º série do primário, as minhas irmãs tinham terminado e eu estaria iniciando os estudos. Ele trabalhou de vários tipos de profissões, quando estava desempregado, ele pescava no rio Paraguai. Todos os dias ia pegar peixe e lá mesmo, na margem do rio, quando pegava, já vendia os peixes.

Certo dia houve um fato trágico com ele, o fato aconteceu assim, ele passou a noite inteira pescando e pegou bastantes peixes, como de costume, vendeu na peixaria, estavam alguns homens e viu a dona da peixaria pagando ele, tinha feito um bom dinheiro, isso por volta de 4:30 a 5:00 horas da manhã. Ele, inocente, pegou o dinheiro, voltou para trancar o barco e o motor, em seguida, pegou a bicicleta para ir embora. Lá na frente na esquina da rua, sem conhecer o meu pai, um homem deu sinal pra ele parar, tipo pedir alguma informação, e ele parou. Quando, de repente, surgiu outro homem e bateu um pau na cabeça dele, ele caiu já desmaiado e os homens levaram tudo, até então, os que o atacaram não sabiam que era índio, só ficaram sabendo quando o pessoal da aldeia invadiu a cidade. O meu pai ficou entre a vida e a morte. Foi diante dessa situação que o pessoal da aldeia e, principalmente a família, pediu para nós retornarmos para a aldeia.

A Edna destaca dois fatos marcantes na sua trajetória, primeiro “quando saiu para estudar em 1995, pois, papai queria que a gente tivesse estudo”. Segundo, “foi quando nós, a família toda, tivemos que ir pra cidade de Barra do Bugres, a outra minha irmã

15 Edineth já havia terminado a 4º série, e a 5º série já não tinha na aldeia, muda todo o contexto de como a gente morava na aldeia”.

Ao retornar para a aldeia, começamos a nos deslocar todos os dias para estudar na cidade em precárias condições de transporte, era um grupo de estudantes, a minha irmã finalizou o ensino médio em magistério e, posteriormente, finalizei no ano de 1997. Neste percurso, a minha irmã Edna, após finalizar o magistério, ficou uns anos parado devido o problema financeiro, não pode continuar e cursar uma universidade. A abertura do curso de 3º Grau Indígena foi uma oportunidade de ingressar no curso superior, então, ela fez o vestibular e conseguiu alcançar e estar entre os colocados.

Já a outra irmã, Edineth, teve semelhante percurso no estudo, porém, em um determinado momento do percurso escolar, este foi interrompido por circunstâncias da vida e questões particulares. Ela também fez o magistério, mas, quando estava quase finalizando o curso, desistiu, por motivo particular pessoal (ela se casou) e não foi possível continuar os estudos, então, dedicou a outro projeto de vida. Esteve muito tempo sem estudar, somente anos depois ela prosseguiu a continuar os estudos, continuando a fazer o propedêutico na escola Jula Paré, sendo uma das estudantes da turma, a qual concluiu no ano de 2010. Ao término do ensino médio, contribuiu em vários momentos ministrando aula em substituição aos professores e, agora, atuando como merendeira da escola Jula Paré.

Assim como eu, as minhas irmãs e demais estudantes da aldeia, para prosseguir os estudos, faziam esse trajeto da aldeia à cidade e vice-versa, esses movimentos sempre permearam em nossas vidas, até nos dias atuais, sempre com uma proposta a ser almejada e, como objetivo, o estudo. Essas idas e vindas foram percorridas entre encantos e desencantos, de busca de conhecimento, superação e, principalmente, o intuito de saber transitar e lutar entre esses dois contextos totalmente distintos para o estudante indígena.

Algo importante a ressaltar é que, apesar dos quatros anos que moramos na cidade, havia sempre uma ligação forte, assim, como até hoje, em manter laços e contatos com as nossas famílias e, principalmente, a essência de nossas raízes indígenas.

A minha lembrança de convivência com meus irmãos, José e Leocilio têm pouca recordação, acredito que é pelo fato deles já estarem crescidos e já casados, quando eu era criança, adolescente, cada um já moravam em suas casas, porém, tínhamos um relacionamento recíproco, mas distante, pelo que lembro eram raras as vezes que iam nos visitar na nossa casa.

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Na época, o acesso ao estudo era difícil, pois, a escola só oferecia até a chamada 4a série – primário, eles estudaram até essa série, aprenderam o básico, entre estes assinar e escrever o seu próprio nome, desde pequenos já iniciaram os trabalhos com os avós e tios maternos para sobreviver, e logo cada qual se casaram e seguiram entre trabalhos na roça e na educação dos seus filhos.

O meu irmão mais velho, o José, era uma pessoa bem agitada, simpático e extrovertido desde cedo, começou a trabalhar, vinha nos visitar somente algumas vezes no ano. Gostava muito de cantar e, em certa ocasião, se envolvia em brigas. Ele teve três filhos, sendo dois meninos e uma menina.

O outro irmão, o Leocilio, já tem uma personalidade tranquila, calmo, simpático, sempre na dele, também desde cedo trabalhou junto com os avós para sobreviver e, assim que se casou, dedicou-se exclusivamente a sua família. Ele teve seis filhos, sendo quatro meninos e duas meninas. Estes meus irmão sempre viveram na aldeia, trabalhando na roça, na pesca e fazendo artesanatos para vender na cidade para sustentar e manter a família. E outro irmão viveu certo tempo na aldeia e, posteriormente, em outra aldeia do povo Paresi com seus parentes paternos, as tias, os tios e primos. Mais tarde retornou pra aldeia da mãe, se casou, teve seus filhos e, posteriormente, viveu muito tempo na cidade, neste período se separou da família e foi morar na cidade e, pela fatalidade da vida, veio a óbito. Quanto às minhas irmãs Edna e Edineth, nós tivemos e temos uma relação de convivência bem próxima e recíproca, amistosa no cotidiano familiar, elas são simpáticas, companheiras, honestas e muito trabalhadoras. A Edna já é casada e tem dois filhos, sendo uma menina e um menino, a Edineth também é casada e tem quatro filhos, sendo um menino e três meninas.