• Nenhum resultado encontrado

Observa José Luiz Bulhões Pedreira que, a par das disposições sobre o curso forçado da moeda, é fundamental considerar a natureza fiduciária desta, posto que necessita da aceitação pela comunidade64.

Essa assertiva tem particular relevância quando se trata, a título de exemplo, de contratos de compra e venda internacionais ou empréstimos em moeda estrangeira. Os agentes econômicos recusam moedas emitidas por países que atravessam períodos beligerantes, pois perdem, em especial, sua função de reserva de valor. Além disso, atendendo à conveniência de política cambial de cada país, é conversível ou não em moeda emitida por outro65.

A fim de planejar a estabilização da economia internacional e das moedas nacionais prejudicadas pela Segunda Guerra Mundial, representantes de quarenta e quatro países reuniram-se em Bretton Woods (New Hampshire, EUA), em julho de 1944. Os acordos então assinados tiveram validade para as nações capitalistas, lideradas pelos Estados Unidos, resultando na criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), que será abordado mais adiante, e do Banco Mundial. Também, buscavam manter o padrão-ouro e relacionar as taxas de câmbio entre si.

64 PEDREIRA, José Luiz Bulhões Pedreira. Finanças e demonstrações

financeiras de companhia, p. 33.

65 RATTI, Bruno. Comércio Internacional e Câmbio. 10 ed. São Paulo: Aduaneiras, 2000, p. 305-308.

Durante os anos cinqüenta e sessenta, as taxas de câmbio permaneceram quase que completamente fixas. A taxa de câmbio entre o dólar norte-americano e a libra inglesa, por exemplo, manteve-se estável entre 1948 e 196766.

Em agosto de 1971, o Presidente Nixon abandonou formalmente a convertibilidade em ouro, e acabou com os acordos de Bretton Woods. Assim, os EUA deixaram de converter dólares noutros valores – ouro, ienes, marcos ou outra divisa internacional – a uma taxa de câmbio oficialmente fixada, bem como deixaram de tentar manter o dólar a uma paridade em relação ao ouro ou outras moedas. A França, no entanto, resistiu, procurando provavelmente atribuir um papel importante às suas reservas de ouro. Parte dos países, porém, manteve taxas flutuantes controladas.

Os EUA, desde a administração Reagan, abstiveram-se praticamente de qualquer intervenção no mercado cambial. Esse sistema espalhou-se pelo mundo, eliminando restrições à “livre” troca de moedas e a relação entre as moedas não observa mais qualquer parâmetro67.

Assistiu-se, a partir daí, a aceleração da globalização financeira, aliada à perspectiva econômica monetarista que defende que as modificações na oferta monetária são a principal causa das variações macroeconômicas, ou seja, a relação dos grandes agregados da renda nacional, o nível de

66 SAMUELSON, Paul A.; NORDHAUS, William D. Economia, p. 1089. 67 Ibidem, p. 1091-1098.

emprego e dos preços, bem como o consumo, a poupança e o investimento totais.

A perspectiva monetarista empresta à moeda um maior papel de reserva de valor, no sentido explicitado acima. Começa-se a abandonar a política keynesiana que considerava que o fator responsável pela alteração do volume de emprego é a procura de mão-de-obra, cabendo ao Estado promover uma concertação econômica na sociedade nacional, em que a demanda de bens e serviços é resolvida pelo investimento, considerado o fator dinâmico da economia.

Assim, a política monetária, segundo a perspectiva keynesiana, deve considerar que a mudança do valor da moeda tem um impacto diferente nos diversos setores sociais, pois as receitas de uma pessoa e suas despesas não se modificam todas em uma proporção uniforme68. Daí o abandono das políticas de controle de preços.

A visão que privilegia a moeda enquanto reserva de valor, preconiza uma atitude que os países devem garantir a aceitação da moeda no mercado financeiro global.

Na conferência de Bretton Woods, atribuiu-se ao FMI o papel de coordenador das paridades monetárias, mas, em virtude da queda da cotação das moedas em ouro em 1971, o Grupo dos Dez (EUA, Inglaterra, Canadá, RFA, França, Bélgica, Holanda, Itália, Suécia e Japão) formou um novo “valor central”,

68 Conseqüências das Alterações no Valor da Moeda para a Sociedade. SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). KEYNES, John Maynard: economia. Tradução de

desvalorizando o dólar norte-americano e permitindo uma variação das outras moedas em função da norte-americana. Ademais, o acordo do FMI prevê a contribuição dos países por meio de cotas-parte, em moeda corrente nacional e ouro, proporcional aos seus recursos e destinada aos países em dificuldades em seus pagamentos ao exterior.

Outro fator contribuiu para a aceleração do processo de globalização: os choques do petróleo de 1973/1974 e 1978/1979. Deles resultou um aumento de cinco vezes o valor do barril, desnivelando subitamente os preços relativos de bens e de serviços.

Assim, acelera-se uma globalização do capital financeiro. Todas as regiões do globo, em especial após o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, adotam uma fórmula buscando garantir a aceitação da moeda neste mercado. Caso contrário, é isolada pelo capital internacional que migra ao longo do planeta.

A reestruturação do sistema financeiro internacional leva a um capitalismo protagonizado por gerentes anônimos, com amplos poderes decisórios e operacionais sobre uma quantidade amplíssima de recursos em diversas regiões do globo.

A propósito, inclusive graças ao desenvolvimento das telecomunicações, grandes bancos de investimento e comerciais, muitas vezes à margem dos controles dos bancos centrais,

passam a protagonizar essa nova fase do capitalismo financeiro global69.

Assim, em razão da mobilidade financeira, uma crise na Coréia ou Turquia atinge o Brasil em questão de horas. Fundos de investimentos internacionais, controlados por corretoras que se baseiam em índices econométricos, vendem sua participação societária, adquirida em Bolsas de Valores em uma região do globo e a adquirem em outra, com velocidade impressionante.

A produção é subordinada à lógica do capitalismo financeiro, tornando-se, em especial o Estado brasileiro e sua competência tributária, objeto de considerações do presente estudo, mais um ator do capitalismo global.

O fenômeno da globalização tem também impacto na produção. As empresas, em virtude de todos os motivos já destacados, organizam-se de formas distintas, em diferentes regiões do globo, e pleiteiam dos governos isenções fiscais para desenvolver a produção em determinado local.

Dos trabalhadores são exigidas, cada vez mais, múltiplas habilidades para permanecerem no mercado formal e os que não atingem esses padrões são literalmente descartados70.

69 FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo, 1998. 414f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, p. 118-119.

70 Cf. FARIA, José Eduardo. Democracia e Governabilidade. Os Direitos Humanos à Luz da Globalização Econômica. In: _____. Direito e Globalização Econômica: Implicações e Perspectivas. São Paulo, Malheiros, 1996.