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Para se definir o papel do tratado na ordem interna e a relação desta com o direito internacional, há de se consultar o sistema constitucional de cada país92. Embora as temáticas do dualismo e do monismo sejam objetos de maior consideração pelos internacionalistas, serão aludidas a fim de se dilucidar a inserção do tratado internacional em matéria tributária na ordem jurídica interna do Brasil.

89 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1994, p.239-240.

90 DALLARI, Pedro Boholometz de Abreu. A Recepção do Tratado Internacional

no Direito Brasileiro: uma proposta de sistema integrador. São Paulo, 1999,

245f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo, p. 44.

91 DOLINGER, Jacob. As soluções da Suprema Corte Brasileira para os

conflitos entre o Direito interno e o Direito Internacional: um exercício

de ecletismo. v. 334. Rio de Janeiro: Revista Forense, p. 77.

92 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tratados internacionais em matéria

Os dualistas identificam nos ordenamento interno e internacional duas ordens distintas, autônomas, e reclamam a necessidade de lei especial interna que reproduza os termos e as regras do tratado internacional.

O direito internacional obriga o Estado nas suas relações externas. Isto conduz à “teoria da incorporação” que preconiza ser necessário, para que a norma internacional tenha aplicabilidade e eficácia no âmbito interno, a sua transformação por uma lei interna que a incorpore ao ordenamento nacional. Assim, há uma total independência entre as ordens interna e internacional, inexistindo a possibilidade de conflito entre ambas.93.

Os monistas discordam da independência e da autonomia preconizadas pelos dualistas e entendem que existe uma só ordem jurídica, composta de regras internacionais e internas, havendo uma interdependência entre a ordem interna e a internacional. Assim, basta a promulgação do tratado, sendo dispensado um ato formal do legislador nacional que o reproduza94.

O dualismo é reflexo de um direito internacional público no qual predominavam normas de natureza eminentemente contratual, fixadoras de regras de convivência entre Estados soberanos, como, por exemplo, aquelas voltadas ao

93 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tratados internacionais em matéria

tributária e ordem interna, p. 69.

94 GOMES, Luiz Flávio. A questão da obrigatoriedade dos tratados e convenções no Brasil (particular enfoque da Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais,

estabelecimento de acordos de delimitação de fronteiras e de alianças militares ofensivas e defensivas. Ainda, eram incipientes, à época, os tratados de natureza marcadamente normativa, que posteriormente passaram a prosperar.

Tais tratados eram voltados à adoção de regras jurídicas uniformizadoras de padrões de conduta que deveriam ser observados pelos indivíduos e pessoas jurídicas de direito privado, subordinados à soberania dos respectivos Estados contratantes no plano internacional.

A plena integração do direito interno com o direito internacional público é, por outro lado, a essência da concepção monista que, como a própria denominação indica, assume a perspectiva da unidade de ambas as ordens jurídicas95.

Heleno Tôrres divide a tese monista em três correntes principais. A primeira, de predomínio do direito interno,

afirma a soberania do Estado e confere primazia ao direito interno sobre o direito internacional. A segunda, de

predomínio do direito internacional, atribui prevalência de

aplicabilidade do direito internacional em face da lei interna. Os defensores desse modelo entendem que a soberania dos Estados depende da ordem internacional, o que se justifica pelo instituto da responsabilidade internacional, no caso de violação de norma convencional. E a terceira corrente, que é do monismo moderado, admite a equivalência das normas internas

95 DALLARI, Pedro Boholometz de Abreu. A Recepção do Tratado Internacional

e internacionais, recomendando o princípio da lei posterior para solucionar os conflitos96.

Alberto Xavier rejeita a concepção dualista adotada por Roque Antonio Carraza, a ser analisada posteriormente97, visto que cinde a personalidade jurídica do Estado, o que constituiria um absurdo jurídico ante a consagração constitucional deste como ente uno. Aquele autor salienta que a concepção dualista possibilitaria:

[...] que a República Federativa do Brasil, no plano externo, sustentasse rigorosa defesa dos direitos humanos e repudiasse o terrorismo e o racismo – conforme o artigo 4º, incisos II e VIII da Constituição – e, no plano interno, violasse sistematicamente os direitos fundamentais de seus cidadãos decorrentes de tratados internacionais – conforme o parágrafo 2º do artigo 5º da CF.98

Alberto Xavier, em virtude das disposições da ordem jurídica brasileira, entende superada a discussão entre monistas e dualistas99.

Tal discussão, aliás, não fornece maiores subsídios quando se trata da inserção do tratado na ordem jurídica brasileira, em particular no presente estudo que enfoca o tema a partir do ponto de vista dogmático100. Não se presta,

96 TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de

empresas. 2 ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2001, p. 557-558.

97 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 158.

98 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil: tributação das operações internacionais. 5 ed., atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 105.

99 Ibidem, p. 106.

100 Neste passo cabe recordar a lição de Tércio Sampaio Ferraz Junior: “Ela (a dogmática) explica que os juristas, em termos de um estudo estrito do direito, procurem sempre compreendê-lo e torná-lo aplicável dentro dos

portanto, tal discussão a permitir e a viabilizar a aplicação de normas jurídicas na ordem jurídica brasileira, uma vez que depende de um procedimento que abstraia os pontos de partida, sua inserção e sua aplicabilidade na, repita-se, ordem jurídica interna.

Em diversas oportunidades a CF reconhece que os tribunais têm competência para apreciar direitos subjetivos constantes no texto de tratado internacional101.

Para Alberto Xavier isto significa que tais direitos subjetivos “decorrem diretamente de tratados internacionais, não previamente convertidos em leis internas”102 e corrobora com o entendimento de que: “[...] não faria sentido a clara dicotomia que a Constituição estabelece entre ‘tratado e lei federal’ ao prever a possibilidade de ambos serem contrariados por decisões judiciais e a possibilidade de ambos ofenderem a Constituição”103.

Heleno Tôrres, por considerar que o decreto legislativo incorpora o tratado na ordem interna, como já aludido, entende que a Constituição faz dispensável referência aos tratados, quando se refere à competência dos tribunais, uma vez que são

marcos da ordem vigente.” Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito, p. 48.

101 O artigo 109, inciso III, assinala que aos juízes federais compete processar e julgar as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional”. O artigo 104, inciso III alínea “a”, determina que compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência e o artigo 102, inciso III alínea “d”, dispõe que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, em recurso extraordinário, quando a decisão recorrida “declarar a inconstitucionalidade do tratado ou lei federal”.

102 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, p. 121. 103 Idem.

“leis” do ponto de vista interno e inerentes ao direito internacional104.