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Capítulo 4: Ariano Suassuna entre o modernismo e o regionalismo: Teatro e

4.5. Do TEP ao Movimento de Cultura Popular

É para o Teatro do Estudante de Pernambuco que Ariano Suassuna escreve em 1946 a sua primeira peça teatral, intitulada Uma mulher vestida de sol47, uma tragédia ambientada no

sertão nordestino. O texto vence o primeiro Concurso de Peças do TEP, que incluía em seu edital orientações para que os autores “enfocassem, ‘de preferência’, ‘os problemas brasileiros’, ‘aproveitando os motivos humanos e telúricos regionais do Brasil’” (REIS, 2009: 452)

Naquele mesmo ano, integrando o Diretório Estudantil da Faculdade de Direito do Recife, Suassuna havia promovido um festival de cantadores e violeiros no Teatro Santa Isabel, jóia de arquitetura neoclássica fincada na região central da cidade, onde costumavam acontecer os eventos culturais voltados para a elite recifense.

O evento aconteceu apesar da resistência do diretor do Teatro, Valdemar de Oliveira, que fez questão de documentar que só concordava com a sua realização por causa do caráter filantrópico da apresentação. Considerava uma infâmia ver cantadores e violeiros subirem ao palco no qual Castro Alves, Joaquim Nabuco e Tobias Barreto haviam recitado seus versos (DIMITROV, 2006). Aí já é possível perceber uma manifestação do conflito de valores que

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A peça, várias vezes reescrita por Suassuna, nunca seria encenada no palco. Apenas em 1994 o texto foi adaptado para um especial da TV Globo sob a direção de Luiz Fernando Carvalho.

viria a pautar as oposições entre o TAP, também dirigido por Valdemar de Oliveira, e o TEP, formado pelos alunos da Faculdade de Direito liderados por Hermilo Borba Filho, do qual faria parte Ariano Suassuna.

Em sua coluna na Folha de São Paulo publicada em 21 de março de 2000, Suassuna se refere ao festival como sua primeira “aula-espetáculo”, nome pelo qual ficariam posteriormente conhecidas suas conferências sobre arte brasileira, sempre entremeadas por números musicais e de dança popular ou “armorial”.

A primeira peça teatral de Suassuna encenada pelo TEP foi Cantam as harpas de

Sião, montagem que inaugurou a Barraca, em setembro de 1948, no Parque Treze de Maio,

região central do Recife. Na mesma ocasião foi também encenada a peça Haja Pau, de José de Morais Pinho, e houve ainda uma apresentação da atriz Ana Canen, que interpretou versos de Garcia Lorca transformados em canções pelo compositor Capiba. O TEP pela primeira vez colocava em prática duas de suas propostas iniciais: a encenação de autores nacionais e a apresentação de um espetáculo aberto, em praça pública, conforme a idéia inspiradora da

Barraca de Federico García Lorca. A iniciativa da Barraca, entretanto, não vai além deste

primeiro espetáculo. As dificuldades materiais enfrentadas pelo TEP, bem como os contratempos logísticos que implicavam o deslocamento da estrutura da Barraca para outros pontos da cidade, fizeram com que ela nunca viesse a ser reutilizada pelo grupo.

Em 1952, Ariano Suassuna escreve O Arco desolado, peça que encerra uma etapa da sua obra teatral na qual predominam temas trágicos. Até então, a atividade artística do autor se restringia basicamente a sua produção poética, em grande parte inédita, e às tragédias teatrais. A partir de 1955, ano em que conclui a peça O Auto da Compadecida, o humor passa a ser um elemento central em seu universo artístico.

Porém, não é apenas em função da guinada em direção ao humor que O Auto da

Compadecida é considerado um marco na trajetória artística de Ariano Suassuna. A peça

torna-se um sucesso nacional depois de encenada no Rio de Janeiro, em 1957, pelo Teatro Adolescente do Recife. Recebe rasgados elogios de influentes críticos teatrais da época como Sábato Magaldi e Décio de Almeida Prado. Depois do sucesso na capital federal em Janeiro, a montagem paulista da peça seria dirigida em março daquele mesmo ano por Hermilo Borba Filho, então residente em São Paulo.

O Auto da Compadecida é uma peça em três atos, cujas referências à religião católica

fazem remeter aos Autos medievais, forte inspiração no universo artístico de Suassuna. A narrativa se baseia em três folhetos de cordel, baseados em temas universais na medida em

que podem ser encontradas narrativas análogas em “contos tradicionais e fabliaux medievais” (SANTOS, 1999: 240).

Em crítica publicada no Estado de São Paulo, em 9 de março de 1957, Sábato Magaldi ressalta as qualidades do autor em conseguir realizar uma raramente eficaz mistura entre arte popular e arte erudita.

Ariano Suassuna funde, em seus trabalhos, duas tendencias que se desenvolvem quase sempre isoladas em outros autores, e consegue assim um enriquecimento maior da sua materia-prima. Alia o espontaneo ao elaborado, o popular ao erudito, a linguagem comum ao estilo terso, o regional ao universal.

A grande projeção alcançada pelo espetáculo na época faz com que Suassuna passe a ser reconhecido no meio teatral do eixo Rio - São Paulo como uma das grandes promessas da dramaturgia brasileira. Para Teixeira, “O sucesso daí advindo, junto ao reconhecimento de seus méritos literários, redefiniram radicalmente sua posição no mundo das letras.” (TEIXEIRA, 2007: 184).

Até O Auto da Compadecida, a obra de Ariano Suassuna não havia ainda alcançado qualquer repercussão para além das fronteiras da província. Suas peças costumavam ser encenadas por grupos locais no Recife e sua atuação intelectual estava circunscrita a colaborações em periódicos locais, fosse como crítico teatral para o Diário de Pernambuco ou como crítico literário para o hoje extinto jornal Folha da Manhã. Com o sucesso de O

Auto, Suassuna tem seu nome projetado nacionalmente como dramaturgo, e desde então suas

peças passam a ser sistematicamente encenadas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Conforme observa Santos:

O período de 1957 a 1962 corresponde a uma fase de intensa produção teatral de Suassuna, em que ele escreve uma a duas peças por ano, imediatamente encenadas no Rio de Janeiro, por Ziembinski, e em São Paulo, por Borba Filho, que ‘emigrou’ por alguns anos (SANTOS, 1999, p. 41)

A projeção nacional de Suassuna como autor resulta não apenas na conquista de uma posição de destaque que ele passa a ocupar no campo artístico e intelectual brasileiro, mas também tem implicações na posição ocupada por ele e sua obra (ou o que ambos representam) no campo artístico e intelectual local. Com Hermilo Borba Filho em São Paulo, Suassuna passa a ser o legítimo herdeiro em Pernambuco dos ideais do TEP, e a consagração de sua obra por instâncias da crítica cultural do sudeste contribui não só para reforçar essa legitimação, mas também para consolidar a crença - em âmbito local - nos ideais do TEP como uma opção estética válida para as artes cênicas brasileiras.

Em 1955, o Teatro de Amadores de Pernambuco havia realizado uma bem-sucedida montagem de Vestido de noiva, peça de Nelson Rodrigues, que para Ariano Suassuna, como crítico teatral do Diário de Pernambuco, representou o apogeu do grupo em termos de excelência técnica da montagem, a cargo do italiano Flamínio Bollini.

Entretanto, também em virtude dos sucessivos êxitos nacionais de Ariano Suassuna como dramaturgo, os ideais do extinto Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP) ganham prestígio na cena teatral local, e o modelo do Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) começa a ser taxado de ultrapassado e incapaz de acompanhar as novidades da cena (CADENGUE Apud DIMITROV, 2006, p. 83).

Por sua excepcional habilidade, Suassuna foi quem melhor conseguiu dar forma aos princípios do TEP em seu teatro. A repercussão de sua obra no âmbito nacional como algo inovador, iria contribuir para reconfigurar a estrutura do campo cultural na província.