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CAPÍTULO II – ESPECIFICIDADES DE UM TREINAMENTO PSICOFÍSICO COM

2.2. O OUTRO OLHAR SOBRE O CAMINHO O YATA-NO-KAGAMI

2.2.1. Movimento e gesto – formas periféricas

Toda investigação é alicerçada em conceitos, tais como: movimento e o gesto. É salutar informar que o discurso que se desenvolverá em relação a esses dois conceitos estará focado a partir das práticas artísticas.

Movimento:

Hoje Leão veio contar-me sobre o progresso do treinamento na escola. [...] Tortsov insistiu para que cada pose, deitada ou de pé, não só ficasse sujeita ao controle de auto-observação, como também se baseasse em alguma ideia imaginativa e fosse acentuada por “circunstâncias dadas”. Com isto, deixa de ser uma simples pose. Transforma-se em ação (STANISLAVSKI, 1989, p.140. Ênfases originais).

Ao fazer o movimento, todos os meus músculos funcionaram natural e adequadamente – o que me levou a concluir que um objetivo vivo e uma ação real (pode ser real ou imaginária, desde que esteja adequadamente baseada em “circunstâncias dadas” em que o ator possa crer) fazem, natural e inconscientemente, funcionar a natureza (id., p. 142).

O caráter dos movimentos e dos atos biológicos é condicionado pela estrutura do organismo36.

Ações motoras do homem:

- movimentos de cada órgão (tremor e inervação muscular, movimentos dos olhos, movimentos mímicos dos braços, pernas e série de músculos)37.

- complexo de movimentos que envolvem o inteiro organismo ou série de ações (deslocamentos de todo organismo, andamento do passo...) 38.

“[...] a artista interpretando o papel de Eva pode colher a maçã de várias maneiras, usando movimentos de variada expressividade. Pode fazê-lo ávida e rapidamente lânguida e sensualmente. Pode também colhê-la com uma expressão destacada [...] Muitas outras são as formas de ação, cada uma delas podendo ser caracterizada por um tipo diferente de movimento” 39.

“Eis antes de tudo o modo de uma ação produtiva. Tomemos em exame a seguinte ação; pegar um ovo à esquerda e apoiá-lo à direita. Cinco coisas: 1. Um ovo; 2. O desenho so percurso. Exemplo – semi-oval no comprimento; 3. A velocidade do percurso – lentidão ou rapidez; 4. O contexto orgânico – explico: interesso-me pela figura do homem que age por inteiro, em outros termos, não me limito a olhar o ovo e a mão que, por assim dizer, se amalgama com o ovo. Olho o corpo deste homem no seu conjunto. E me pergunto: Qual é a sua atitude? Ou o seu movimento?; 5. A força. [...] Podemos conceber o movimento como uma sucessão de atitudes”40.

36 V. Meyerhold, L,Attore Biomeccanico, Programa do curso de biomecânica, op. cit., p. 67. 37 Idem; item “d” do Programa de curso de biomecânica, p. 67.

38 Algumas informações sobre a biomecânica de Meierhold foram extraídas de A Biomecânica como Princípio

Constitutivo da Arte do Ator, dissertação de mestrado de Yedda C. Chaves; ECA-USP, 2001. 39 R. Laban, Domínio do Movimento, op. cit, p. 19.

“Imagine-se fazendo, inicialmente algum movimento simples: erguer um braço pôr-se de pé, sentar ou apanhar um objeto. Estude esse movimento em sua imaginação e depois o concretize”41.

“Nas qualidades e sensações encontramos a chave para o tesouro de nossos sentimentos. Mas existirá tal chave para a nossa força de vontade? Sim, e encontramo-la no “movimento” (ação, gesto). [...] Assim, podemos dizer que o “vigor” do movimento instiga a nossa força de vontade em geral; que a “espécie” de movimento desperta em nós um definido desejo correspondente e que a “qualidade” desse mesmo movimento evoca nossos sentimentos”42.

É fácil confundir ‘ações físicas’ e ‘movimentos’. “Se eu estou andando em direção à porta, esta não é uma ação física, mas um movimento. Mas, se eu estou andando em direção à porta para argumentar contra suas estúpidas questões, para ameaçar vocês, fazer vocês pensarem que eu encerrarei esta conferência, haverá então uma sequência de pequenas ações e não somente movimentos”43.

Mestre Okura, um famoso mestre de Kyogen, uma vez explicou conexão entre o corpo e o palco. Em japonês, a palavra utilizada para dizer palco é “butai”, a parte “bu” significa “dança, a parte “tai” significa palco. Literalmente, a “plataforma/lugar dança”. De qualquer forma, a palavra “tai” também significa “corpo”, o que sugere uma leitura alternativa: “o corpo da dança”. Se usássemos este significado da palavra “butai”, o que é performer? Okura disse que o corpo humano é o “sangue do corpo que dança”. Sem isso o palco está morto. Tão logo o performer entra no palco, o espaço começa a se tornar vivo; o “corpo que dança” começa a “dançar”. Em um certo sentido, não é o peformer que está “dançando”, mas através de seus movimentos, o palco ‘dança”44.

Portanto, o movimento é todo elemento plástico ou moldável do corpo humano que pode também produzir um deslocamento espacial. O movimento contém elementos que ao serem trabalhados, poderão gerar ações físicas.

41M. Tchékhov, Para o Ator, op. cit. p. 38. 42 Idem, pp. 75-76.

43 Conferência feita por Grotowski em Liège, Janeiro de 1986; em T. Richards, op. cit.; p.76. 44 Y. Oida e J. Marchall. The Invisible Actor. London Methuen, 1997, p. XVIII.

Gesto

Afirmo que um gesto, como tal, um movimento independente que não exprima nenhuma ação pertinente ao papel do ator, é desnecessário [...] O ator tampouco deve esquecer que o gesto típico ajuda-o a aproximar-se da personagem que ele está encarnado, ao passo que a intrusão dos movimentos pessoais o separa dela, [...]45.

O gesto nasce como resultado do movimento do corpo todo é uma resposta ao movimento do corpo, e, portanto, deve ser construído segundo as leis de equilíbrio desse movimento46.

[...] se o gesto é feito nas condições e com a força necessárias, convidam o organismo e, através dele, toda a individualidade, a assumir atitudes conforme ao gesto feito47.

Agora, o que é um gesto se você observa externamente? Como reconhecer facilmente um gesto? Frequentemente, um gesto é um movimento periférico do corpo, um gesto não nasce no interior do corpo, mas em sua periferia (mãos e face) 48.

É preciso definir a ação de maneira funcional, para que possa nos servir de ajuda no trabalho cotidiano. Por ação entendemos “o que transforma a mim e a percepção que o espectador tem de mim”. O que muda deve ser o tônus muscular de todo o meu corpo. Essa mudança envolve a coluna vertebral, da qual nasce o impulso para a ação. [...] Se movo uma mão desencadeando o movimento do cotovelo, isso não muda o tônus do meu corpo na sua totalidade. É um gesto49.

Ao realizar um paralelo entre os escritos dos visionários apontados, reconhecemos algo comum, no que se refere aos conceitos de movimento, ação e gesto.

Segundo Bonfitto50 em relação ao conceito de movimento, o vemos enquanto componente da ação, que podem conter elementos específicos em cada elaboração, mas quando trabalhados, geram ou levam à ação: Stanislavski (circunstâncias dadas, objetivos...); Meierhold (direção, força, pressão, tração...); Laban (fatores de movimento); Decroux (atitudes plásticas), Thékhov (qualidades ou espécies); Barba (deslocamento plástico e espacial). Outros dois sentidos, que surgem a partir da descrição dos elementos que compõem

45 C, Stanislvski. A Construção da Personagem, op. cit. pp. 92 e 93. 46 V.Meierhold, L’Attore Biomeccanico, op. cit., p. 95.

47 Antonin Artaud, O Tetaro e seu Duplo, op. cit., p. 105.

48 Conferência feita por Grotowski em Seminário na Itália, Julho de 1988; em T. Richards, op. cit. p. 75. 49 E. Barba, La Canoa di Carta, op. cit, pp. 231-232

o movimento, ligados por sua vez ao primeiro, é de movimento como elemento plástico, passível de modelagem; e de movimento como deslocamento espacial.

Então independente de ser “deslocamento espacial” ou “elemento plástico”, portanto, moldável, é composto de elementos que dependendo do como se trabalha, geram ações. “O movimento, nesse sentido, é um comportamento da ação, o seu substrato” 51.