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CAPÍTULO 1. As bases teóricas da pesquisa: literatura fundamental

1.1. O Movimento LGBT: a emergência do movimento politizado e político

1.1.2. O Movimento político e politizado

A década de 1970 foi cenário de uma organização política que pode ser considerada o princípio de um movimento organizado em torno das questões relativas às homossexualidades. O marco desse início foi a formação do Grupo Somos em São Paulo, no ano de 1978. Após mais de 30 anos da criação deste Grupo, o Brasil se apresenta como o país

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que mais realiza Paradas do Orgulho LGBT. A Parada Gay de São Paulo vem se consolidando como a maior Parada do Orgulho LGBT de todo o mundo, reunindo uma média de três milhões de pessoas todo o ano (SIMÕES; FACCHINI, 2009).

Para Simões e Facchini (2009), a trajetória do movimento político em torno das homossexualidades se estrutura da seguinte maneira: a primeira onda compreende o período de abertura militar do país, a partir de 1978, com a fundação do grupo Somos em São Paulo, movimento organizado e articulado de homens e mulheres homossexuais. A segunda onda, durante o período de redemocratização em que se dá também o advento do HIV-AIDS, período este, consolidador das bases institucionais do movimento. A terceira onda se inicia na década de 1990 e marca o início da parceria dos grupos organizados com o Estado, nascem vários grupos ativistas e novas redes regionais e é o momento em que se consagram as Paradas do Orgulho LGBT. A edição de número 15 da Parada Gay de São Paulo, evento de maior visibilidade do país, realizado no dia 26 de junho de 2011, contou com a participação de cerca de quatro milhões de pessoas, de acordo com o site da Associação da Parada Gay de São Paulo (APOGLBT)8, responsável pela organização do evento.

Sobre a primeira onda, foi marcada pela criação do jornal Lampião e do Grupo Somos. Criado por escritores e jornalistas, dentre eles Aguinaldo Silva, João Silvério Trevisan e Darcy Penteado, o Lampião teve sua primeira edição em abril de 1978 e circulou até junho de 1981 perfazendo um período de três anos de circulação. O periódico se consagrou como referência no que se refere às publicações que tratavam dos temas das homossexualidades naquele período e como principal espaço de difusão e debate de questões como a discriminação, a perseguição policial, além de propor a saída dos guetos e ocupação de outros espaços sociais (SIMÕES; FACCHINI, 2009).

O Grupo Somos nasce no contexto das atividades promovidas pelos/as estudantes da USP e começa suas atividades muito influenciado pelas práticas dos movimentos feministas. Com a realização de reuniões periódicas, dedicadas a trabalhos que envolviam principalmente relatos confessionais entre os membros do grupo, com trocas de experiências e histórias de suas vidas privadas, que muito contribuíram para fortalecerem um reconhecimento dos indivíduos enquanto um grupo, o movimento foi se estabelecendo. Era um grupo inicialmente

ϴDisponível em: <http://www.paradasp.org.br/noticias>. Acesso em 11 jul. 2011.

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composto por homens homossexuais, mas que passa a contar com a presença de mulheres lésbicas no decorrer de sua existência. O Somos funcionou até 1983 quando os problemas financeiros e as fragmentações dentro do grupo o levaram a encerrar as atividades.

A segunda onda foi marcada pelo advento da AIDS e pela luta contra a epidemia. Nesse período a homossexualidade foi vinculada à doença por conta da grande incidência de contaminações entre a população de homens gays. Os homossexuais passaram a ser incluídos nos chamados grupos de risco, do qual também faziam parte os usuários de drogas injetáveis e profissionais do sexo. A ideia de grupo de risco foi questionada e combatida pelo Movimento LGBT por entenderam como discriminatória e geradora de estigmas. Surgem, nesse contexto, outros grupos importantes que passam a atuar na luta contra a doença, dentre eles o Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS (GAPA) na capital São Paulo, a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) no Rio de Janeiro, o Grupo Pela Vida (Valorização, Integração e Dignidade do doente de AIDS). Em 1988, estruturou-se um Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)/Aids no Ministério da Saúde e é quando se dá o início da terceira onda, marcada pela aproximação entre o Movimento LGBT e o Estado, conforme relembram Simões e Facchini (2009).

A terceira onda começa a partir de 1990, momento em que o ativismo passa a ampliar seus horizontes com o surgimento de muitos grupos de militância, principalmente no formato de Organizações não Governamentais (ONG). Muitos grupos nascem como representativos de suas especificidades, como grupos compostos apenas por lésbicas, grupos de travestis, posteriormente, grupos de travestis e transexuais. A Luta contra a AIDS foi determinante no que se refere à visibilidade da população LGBT que, embora tenha sido muito estigmatizada, também adentra na agenda das políticas públicas nacionais, inicialmente pela via do direito à saúde.

Ainda sobre a terceira onda cabe dialogar com Daniliauskas (2011, p.45) quando o mesmo afirma que,

A articulação com o Programa de DST/AIDS, durante o governo FHC, foi o principal nicho de intersecção entre Movimento LGBT e Estado, possibilitando avanços no que diz respeito às demandas LGBT e colaborando para o deslocamento do debate em torno da prevenção para a esfera da cidadania e dos Direitos Humanos.

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É importante enfatizar que no período FHC, as reivindicações ainda eram fomentadas por meio da exposição de estatísticas da violência sofrida pela população LGBT. Isso significa que a homofobia aparece inicialmente como base sustentadora das reivindicações do movimento LGBT por direitos. Mais adiante darei ênfase a uma discussão sobre o fenômeno da homofobia.

No contexto da gestão do presidente Lula é que o Movimento passa a ser propositor de políticas. As demandas dos Movimentos são apresentadas nos encontros e conferências nacionais o que garante importante espaço de participação. No âmbito da luta por justiça social, é possível entender essa aproximação com o Estado na perspectiva da luta por reconhecimento (FRASER, 2001).

No que tange aos direitos da população LGBT pode-se afirmar que os avanços são recentes no país. Em 2004, o Governo instituiu o Programa Brasil sem Homofobia para o combate à violência e à discriminação contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros e de promoção da cidadania homossexual. Por meio deste Programa, os governos federal, estaduais e municipais se comprometeram a desenvolver ações de promoção e reconhecimento da diversidade sexual e enfrentamento da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero nas diversas áreas, como educação, saúde, justiça, cultura, trabalho, juventude etc. (BRASIL, 2004).

Em 2008 foi realizada a Primeira Conferência Nacional LGBT e em 2009 ocorreu o lançamento do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - PNPCDH de LGBT (BRASIL, 2009) no qual foram publicadas as diretrizes estabelecidas na Conferência. As mesmas deveriam ser transformadas em políticas públicas.

Dentre as diretrizes cabe destacar a “5.13. Inserção da temática LGBT no sistema de educação básica e superior, com abordagem que promova o respeito e o reconhecimento da diversidade da orientação sexual e identidade de gênero” e a “5.15. Garantia, a estudantes LGBT, do acesso e da permanência, em todos os níveis e modalidades de ensino, sem qualquer discriminação por motivos de orientação sexual e identidade de gênero” (BRASIL, 2009, p.15). Essas diretrizes traduzem o que Fraser (2001, 2007) denomina de políticas de reconhecimento e de distribuição, pois, inserir a temática LGBT no sistema de educação é garantir reconhecimento e visibilidade a uma parcela de pessoas que têm esse direito negado e garantir acesso e permanência em todos os níveis de ensino, leva a pensar no direito de

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distribuição, ou seja, todos/as devem ter direito a Educação Básica e não devem ser alijados do mesmo.

O documento destaca também a interrelação entre as diretrizes nas diversas instâncias sociais e políticas - educação, judiciário, cultura etc. – como aparece na diretriz “5.23. Intersetorialidade e transversalidade na proposição e implementação das políticas públicas: o combate à homofobia requer ações integradas entre as áreas da educação, saúde e segurança, entre outras” (BRASIL, 2009, p. 16). Isso reitera o posicionamento a respeito da educação como uma das instituições que devem atuar no combate à homofobia e na promoção da diversidade sexual.

Na diretriz “5.29. Educação e informação da sociedade para o respeito e a defesa da diversidade de orientação sexual e identidade de gênero” (BRASIL, 2009, p.17) é possível observar que o diálogo com as diversas instâncias não é suficiente para garantir ou promover a diversidade sexual, não é possível estabelecer um diálogo coerente sobre essas questões sem que ocorram movimentos de interação com a população em geral. O documento destaca, nesse ponto, a importância da veiculação midiática de informações a respeito da cultura e do universo LGBT. Isso significa dar visibilidade aos eventos realizados, conquistas jurídicas e até mesmo ao debate sobre as diversas violências às quais estão submetidas não só a população LGBT, mas a população em geral, uma vez que não é possível falar apenas do indivíduo LGBT como um ser único e solitário na conjuntura social; o indivíduo LGBT é, obviamente, parte de um todo maior, está inserido na economia, na política, na educação, na família etc.

O Eixo Estratégico I, na Estratégia 1 - Promoção e socialização do conhecimento sobre o tema LGBT destaca explicitamente na ação 1.1.1 que um dos objetivos da ação é o de:

Incluir recomendações relacionadas à promoção do reconhecimento da diversidade sexual e ao enfrentamento ao preconceito e à violência por orientação e identidade de gênero nos Editais de Avaliação e Seleção de Obras Didáticas do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) e do Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). (BRASIL, 2009, p.21).

A ação é de competência do MEC e teria seu prazo de execução previsto para o ano de 2009.

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Outro ponto de destaque e que não diz respeito somente à educação está na Estratégia 3 deste mesmo Eixo, na qual afirma-se que uma das ações, também de competência do MEC e com prazo de execução para 2011 seria

Inserir nos livros didáticos a temática das famílias compostas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, considerando recortes de raça/etnia, orientação sexual, identidade de gênero e socioeconômica, os novos modelos de famílias homoafetivas, com ênfase nos recortes de raça/etnia, orientação sexual e identidade de gênero. (BRASIL, 2009, p.28).

A luta do Movimento tem conseguido conquistas importantes como: a retirada da homossexualidade da relação de doenças pelo Conselho Federal de Medicina em 1985; a resolução do Conselho Federal de Psicologia que, em 1999, determinou que nenhum profissional pode tratar a homossexualidade, ou seja tirando-a do rol das patologias clínicas; até o ano de 2007, dez Estados brasileiros haviam promulgado leis contra a discriminação à população LGBT e mais de setenta municípios brasileiros já aprovaram leis que proíbem a discriminação por orientação sexual. (SIMÕES; FACCHINI, 2009).

Ainda no âmbito das conquistas de direitos o que há de mais recente é a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)9 de reconhecimento das uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo. A mesma se deu em maio de 2011 e garante aos casais homossexuais os mesmos direitos civis que os casais heterossexuais em uniões estáveis. A decisão unânime dos ministros do STF é significativa e tem relação direta com a reflexão desenvolvida neste trabalho, uma vez que reconhece como legítimas outras formas e configurações de famílias. O reconhecimento dessas diferentes entidades familiares legitima um compromisso ainda maior com a promoção e valorização da diversidade sexual nos diversos espaços da sociedade e avança na luta por justiça social (FRASER, 2001).

Como coloca Simões e Facchini (2009, p.35) [...] a relevância do ativismo LGBT [...] está, sobretudo, em sua potencialidade de desafiar os saberes convencionais e as estruturas de poder inscritos nas sexualidades que alicerçam a vida institucional e cultural de nosso tempo.

Com esse pequeno balanço da história do Movimento LGBT brasileiro, é possível concluir que as conquistas, em termos de direitos e cidadania, são inegáveis. Se há trinta anos tínhamos uma população LGBT trancafiada em seus pequenos armários privados, hoje temos

ϵDisponível em: <http://www.stf.jus.br >. Acesso em 11 jul. 2011.

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uma população LGBT ocupando espaços nos cenários sociais e, principalmente políticos, fazendo frente de resistência e conquistando aos pouco seu direito de ter direitos.