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Mudanças paleohidrológicas do Lago Maracá

6 RESULTADOS E DISCUSSÕES

6.2 FATORES QUE CONTROLAM A SEDIMENTAÇÃO ORGÂNICA DURANTE O HOLOCENO SUPERIOR NO LAGO MARACÁ, BRASIL

6.2.6 Mudanças paleohidrológicas do Lago Maracá

Baseados em resultados de cronologia, litologia, análises de radiografia e composição mineralógica foi possível observar a ocorrência de duas unidades de sedimentação: unidade II (entre 3.600 e 1.880 anos cal AP) e unidade I (1880 anos cal AP até o presente). Nas seções seguintes serão abordados como as variações sedimentológicas observadas no Lago Maracá estão interligadas com as variações hidrológicas do Rio Amazonas durante o Holoceno Superior.

6.2.6.1 Unidade II (3.600 a 1.880 anos cal AP)

Entre 3.600 e 1.880 anos cal AP, o mineral argiloso predominante no material sedimentar lacustre foi a caulinita, com pequena fração de esmectita, como é possível observar pela Figura 35. Como já discutido anteriormente, o material sedimentar proveniente da Floresta de Terra Firme é constituído por 100% de caulinita (AMORIM, 2010; BEHLING et al., 2001), em contraste com o sedimento carreado pelo Rio Amazonas, que é composto principalmente por esmectita (GUYOT et al., 2007). Assim, sedimento rico em caulinita e pobre em esmectita sugere elevado aporte de material sedimentar proveniente da bacia de drenagem, com reduzido transporte de material oriundo do Rio Amazonas. Estas características sugerem que durante a transição do Holoceno Médio para o Holoceno Superior o Lago Maracá era um lago semi-isolado com reduzida influência do Rio Amazonas cujo transporte de sedimentos predominante era originário da bacia de drenagem local. Esta reduzida influência do Rio pode ser conseqüência de baixo fluxo fluvial, associada com reduzida precipitação, ocasionando níveis mais baixos do Rio Amazonas.

Ainda nesta unidade é possível observar, em 2.700 anos cal AP, um evento de sedimentação abrupta, refletida pela cronologia dos depósitos sedimentares entre 95 e 85 cm no testemunho MAR1, indicado pela Tabela 7. Este evento foi caracterizado pelo “pacote” ou camada de sedimentos de idade uniforme, que pode ter sido causado por forte entrada de material oriundo do Rio ou então devido à erosão das margens do lago. Considerando que a caulinita manteve-se em elevadas concentrações durante este evento, uma erosão da margem do lago pode ter sido a origem mais provável deste evento. Quando o lago encontra-se mais isolado do Rio, os processos sedimentares nos lagos de várzea tornam-se menos dependentes da ligação com o Rio e, portanto, mais sujeitos a variações climáticas locais (JUNK et al., 1989). Nas planícies de inundação bolivianas, Aalto e colaboradores (2003) observaram que 103

este tipo de sedimentação extrema está fortemente correlacionada com oscilações climáticas como o evento La Niña, que nesta região foi responsável pelo transporte de grandes volumes de sedimento dos Andes para a planícies de inundação.

Existem registros de eventos climáticos que também ocorreram em 2.700 anos cal AP distribuídos ao longo do planeta, com diferentes impactos nos respectivos ecossistemas. Mayle e colaboradores (2000) observaram expansão da floresta tropical úmida na margem sul da Bacia Amazônica em 2.790 anos cal AP, interpretado como conseqüência de aumento de precipitação na região. Amorim (2010) observou, em 2.700 anos cal AP, evento caracterizado por altas taxas de sedimentação, acompanhada por elevadas taxas de acumulação de carbono em diferentes lagos da várzea do Lago Grande de Curuai. Este autor interpretou este evento como sendo conseqüência de eventos de inundação abruptos. Em Carajás, a 800 m de altitude, Cordeiro et al. (2008) mostrou evidências de período mais úmido a partir de 2.800 anos cal AP, registradas através do aumento da concentração de derivados da clorofila e da concentração de carbono orgânico. De acordo com o registro sedimentar no Lago Pallcacocha (Equador), depois de aproximadamente 2.700 anos cal AP observou-se período sem ocorrência de eventos El-Niño (MOY et al., 2002) e na Bacia de Cariaco um aumento expressivo na concentração de titânio em 2.770 anos cal AP é interpretado como evidência de forte precipitação na Venezuela (HAUG et al., 2001).

6.2.6.2 Unidade I (1.880 até os dias atuais)

Esta unidade é caracterizada pelo aumento da concentração de esmectita nos testemunhos MAR1 e MAR2. Esta mudança no perfil mineralógico sugere que o Rio Amazonas, depois de 1880 anos cal AP, apresentou forte influência sobre o Lago Maracá queo comparado o transporte de material da bacia de drenagem. Altos níveis de esmectita também podem sugerir aumento do nível do Rio Amazonas. Evidências de maior nível do Rio Amazonas foram identificados por Behling e colaboradores (2001), no Lago Calado, Amazônia Central. Behling et al. (2001) observaram, a partir de 2080 anos 14C (2020-2140 anos cal AP) até o presente, aumento da freqüência de polens de várzea/igapó e diminuição da freqüência de polens de gramíneas, interpretado pelo autor como indícios de intensas inundações causadas por períodos de altas águas do Rio mais prolongados (BEHLING et al., 2001).

De 1880 anos cal AP até o presente, não foi registrado variações significativas no conteúdo mineralógico dos testemunhos MAR1 e MAR2. Porém, diferentes eventos

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sedimentares foram observados em ambos os registros sedimentares, como é possível observar através da Tabela 7. No testemunho MAR1 uma ausência de sedimentação (hiato) ocorreu entre 1575 e 700 anos cal AP, que pode ser conseqüência de forte evento erosivo. Também se observa outro evento de sedimentação abrupta caracterizado por um “pacote” de sedimentação de 25 cm, com idade uniforme de 700 anos cal AP. Como a esmectita continua predominante nesta fase (como demonstrado pela Figura 35), estes eventos sugerem que o transporte de material fluvial para o lago ocorria com intensidade. Estes eventos também indicam que o Lago Maracá recebia forte influência do Rio Amazonas a partir de 1880 anos cal AP.

A base do testemunho MAR3 apresenta 5.500 anos cal AP, seguido imediatamente por um hiato de sedimentação. Este hiato pode ser conseqüência de baixos níveis lacustres na transição do Holoceno Médio para o Superior. Os processos de sedimentação no Lago Maracá parem ter iniciado a partir de 3100 anos cal AP, que corresponde à unidade II.

O predomínio da esmectita marca a expansão do Lago Maracá durante o Holoceno Superior, até atingir a área atual. De acordo com Bush et al. (2007), o último milênio representa o período em que diversos lagos da planície amazônica atingiram níveis mais elevados. Evidencias de condições climáticas mais úmidas durante o Holoceno Superior na Bacia Amazônica foram observadas em diferentes registros (BEHLING; HOOGHIEMSTRA, 1998; BEHLING; COSTA, 2000; BEHLING et al., 2001; TURCQ et al., 2002; CORDEIRO et al., 2008; HERMANOWSKI et al., 2012). Todos estes registros estão em concordância com os níveis lacustres mais elevados do Lago Maracá durante o Holoceno Superior.

Em resumo, os resultados até então apresentados revelam que a dinâmica hidrológica do Rio Amazonas durante os últimos 3600 anos cal AP influenciou a hidrologia do Lago