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Mudanças paleohidrológicas e relação com registros paleoclimáticos na Bacia Amazônica

6 RESULTADOS E DISCUSSÕES

6.1 MUDANÇAS PALEOHIDROLÓGICAS DO LAGO SANTA NINHA

6.1.4 Mudanças paleohidrológicas e relação com registros paleoclimáticos na Bacia Amazônica

A composição mineralógica e orgânica revelou a ocorrência de cinco fases de sedimentação ao longo dos últimos 5600 anos cal AP. Durante 5600 e 5000 anos cal AP, o material sedimentar foi caracterizado pela presença de laminações de argila intercaladas por restos vegetais. Esta característica reflete a ocorrência de sistema com baixa energia hidrodinâmica (AALTO et al., 2003), favorável à sedimentação de argila rica em material orgânico, como é possível observar nas Figuras 31 e 32. A ausência de sedimentos grossos e baixa concentração de quartzo neste período também sugerem reduzida hidrodinâmica e reduzida influencia do Rio Amazonas, que é responsável pelo transporte destes minerais para o ambiente lacustre. Como a composição mineralógica do material sedimentar transportado pelo Rio Amazonas apresenta elevadas concentrações de esmectita (GUYOT et al., 2007), a baixa concentração deste argilo- mineral entre 5600 e 5000 anos cal AP (representado pela Figura 31) também evidencia reduzido fluxo do rio no Lago Santa Ninha.

A matéria orgânica sedimentada entre 5600 e 5000 anos cal AP apresenta sinal típico de vegetação C3, como é possível observar no diagrama C/N vs. δ13C da Figura

34. A observação microscópica de cutículas e tecidos vegetais bem preservados também reforçam o predomínio deste tipo de vegetação durante esta fase. Este ambiente pode corresponder a uma floresta inundável ou a um banco de macrófitas.

Figura 34: Diagrama C/N e δ13C do testemunho TA14. C/N δ 1 3 C ( ‰ V P D B ) -32 -28 -24 0 5 10 15 20 25 30 35 40 vegetação C3 fitoplâncton

+

Fase I Fase II Fase III Fase IV Fase V

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As macrófitas amazônicas são caracterizadas por elevada produtividade. No Lago Calado, Amazônia Central, Melack e Engle (2009) determinaram que as macrófitas são responsáveis por 64% da produção de matéria orgânica deste lago. Esta vegetação apresenta produção primária três vezes superior à vegetação de floresta inundável (PIEDADE et al., 1991) e, por estas razões, o predomínio de vegetação macrofítica durante o período de 5600 e 5000 anos cal AP no Lago Santa Ninha é mais provável do que a ocorrência de vegetação inundável.

Diversos registros paleoclimáticos revelam a ocorrência de um forte evento de seca durante o Holoceno Médio em lagos da Bacia Amazônica (ABSY et al., 1991; CORDEIRO et al., 2008, 1997; MAYLE et al., 2000; SUGUIO et al., 1993; SIFEDDINE et al., 2001; TURCQ et al., 1998; BUSH; COLINVAUX, 1988; BUSH et al., 1992; VAN DER HAMMEN, 1991) e nos Andes (BAKER et al., 2001; HILLYER et al., 2009). A composição mineralógica e orgânica do Lago Santa Ninha entre o período de 5600 e 5000 anos cal AP sugerem que este lago apresentava nível lacustre mais reduzido, corroborando para a evidência de fase mais seca.

O aumento da concentração de quartzo depois de 5000 anos cal AP, acompanhado pelo acentuado decréscimo de COT (como é possível observar nas Figuras 32, 33 e 35) sugere mudança significativa no ambiente deposicional, que favoreceu o transporte e deposição de material clástico para o lago de várzea. O período entre 5000 e 4000 anos cal AP foi marcado pelo decréscimo de argila e silte fino e por incremento substancial de silte grosso. Estes resultados indicam elevado input fluvial do Rio Amazonas, que sugere a ocorrência de fases de altas águas mais prolongadas. Os baixos valores de COT registrados também reforçam a hipótese de aumento da influência fluvial neste lago durante esta fase, já que o aporte de material fluvial pode ser responsável pela diluição do carbono orgânico produzido no lago.

O aumento do nível lacustre favoreceu o aumento da produtividade aquática primária, como mostrado pelos valores elevados de δ13C e por uma razão C/N típica de fitoplâncton entre 5000 e 4000 anos cal AP. Quando o CO2 dissolvido (δ13C =- 7%) é

limitado, o fitoplâncton lacustre utiliza o HCO3- dissolvido (δ13C =1%) como fonte de carbono e, nestes casos, o δ13C torna-se mais leve. O HCO3- dissolvido é utilizado pela comunidade fitoplanctônica em períodos de elevada produtividade, onde a disponibilidade de CO2 fica reduzida.

Figura 35: COT e concentração de quartzo no testemunho TA14.

No Lago Calado, perto do Rio Solimões, Behling et al. (2001) observaram um decréscimo dos valores de COT após 4070 anos 14C, acompanhado por decréscimo de polens de gramíneas, especialmente depois de 2080 anos 14C. De acordo com estes autores, estas características sugerem que o período de altas águas tornou-se mais elevado a partir deste período. No Lago Tapajós, Irion e colaboradores (2006) encontraram um registro sedimentar com variações ambientais mais sutis queo comparado com o encontrado no testemunho TA14. O diagrama polínico demonstrou um decréscimo do elemento pioneiro denominado Cecropia depois de 4600 anos cal AP, interpretado como evidencia de reduzida freqüência e/ou intensidade de eventos de seca. Esta característica sugere um ambiente que tornou-se úmido depois de 4600 anos cal AP, que está de acordo com o observado neste trabalho.

Entre 4000 e 2300 anos cal AP registrou-se concentrações muito reduzidas de carbono orgânico, provavelmente devido à diluição provocada pela elevada influência do Rio neste período. A concentração de esmectita manteve-se alta durante esta fase, o que também indica elevado aporte do Rio. Variações sazonais nos sistemas fluviais resultam em alterações na área e profundidade dos lagos de várzea (FORSBERG et al., 1988), e os períodos de altas águas mais prolongadas do Rio Amazonas podem acarretar em uma maior área de superfície do Lago Santa Ninha, o que explica as baixas taxas de sedimentação registradas nesta fase.

A ausência de sedimentação, refletida pelo contato erosivo observada na profundidade de 34 cm, corresponde a uma interrupção da sedimentação, interpretada como conseqüência de forte evento erosivo. Portanto, os períodos de altas águas mais

0 5 10 15 20 25 0 50 100 150 200 250 Prof. (cm) C O T ( % ) 2,0 12,0 22,0 32,0 q u a rt z o ( % ) COT (%) quartzo (%) 0 5 10 15 20 25 0 0 5 10 15 20 25 0 50 100 150 200 250 Prof. (cm) C O T ( % ) 2,0 12,0 22,0 32,0 q u a rt z o ( % ) COT (%) quartzo (%)

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prolongados ou eventos de inundação extrema apresentaram forte impacto no Lago Santa Ninha.

O COT apresentou ligeiro aumento nos últimos 600 anos cal AP (conforme representado pela Figura 32). A origem da matéria orgânica nesta fase é fitoplanctônica (segundo diagrama da Figura 33) e uma mudança para granulometria mais fina foi observada (como indicado pela Figura 31). Atualmente, o material sedimentar em suspensão do Lago Santa Ninha apresenta predominância de sedimentos mais finos, com ocorrência de 25 % de argila, sem presença significante de areia (AMORIM et al., 2009). Atualmente a matéria orgânica deste lago apresenta duas fontes distintas, que variam de acordo com o período de cheia e seca. Durante o período de altas águas a matéria orgânica apresenta elevado C/N (média de 9,5), que indica origem terrestre (MOREIRA-TURCQ et al., 2005). A matéria orgânica em suspensão do Rio amazonas apresenta C/N médio igual a 9, similar ao encontrado em solos (HEDGES et al., 1986). Durante o período de baixas águas, o C/N mais baixo indica origem fitoplanctônica, observado através de análise de material em suspensão.