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2 IMPRENSA E REVOLUÇÃO

2.3 Revolução de 1923

2.3.1 Muitos jornais, diferentes versões

Nos episódios “O Deputado” e “Lenço encarnado”, de O arquipélago, a família Cambará faz oposição ao governo republicano de Borges de Medeiros. Rodrigo Cambará exerce o mandato de deputado estadual pelo partido da situação e decide renunciar ao cargo para apoiar o candidato da Aliança Libertadora, Assis Brasil.

A faísca que acende o desacordo dos Cambará com a política de Borges de Medeiros é a decisão do governador de apoiar a candidatura do Coronel Ciríaco Madruga, intendente municipal e inimigo pessoal de Licurgo. A questão em torno do nome de Madruga divide os republicanos de Santa Fé em dois grupos e o rompimento de Licurgo com Borges obriga Rodrigo a abandonar a legenda. Menos de trinta anos após a refrega entre maragatos e pica- paus, situação que deixou Licurgo sitiado por vários dias no Sobrado e vitimou muitos de seus leais companheiros, os Cambará abraçam a causa dos federalistas tradicionais.

A representação desta crise está centraliza nos aspectos políticos. Por sinal, são poucas as referências ao cenário econômico gaúcho, salvo em um ou outro diálogo, mas sempre de forma superficial se comparada aos debates em torno do campo político. Numa destas passagens, Rodrigo faz um pequeno comentário em relação ao problema da pecuária. Isso ocorre durante uma conversa com o irmão Toríbio, na qual Rodrigo comenta sobre o seu antigo desejo de viajar a Paris.

– E que é que te ataca agora rapaz? Vai a Paris e mata esse desejo.

– É fácil dizer “vai a Paris”. Se o velho me repreendeu por eu ter demorado demais no Rio, como é que posso pensar numa viagem longa? E com a situação da pecuária, essa maldita crise que aí está... e mais o que teremos de gastar para fazer oposição ao Chimango, quem é que pode pensar em viagens? (1963a, p. 75, OEV)

Na noite deste mesmo dia, Rodrigo convida os amigos para um jantar no Sobrado, ocasião em que se discutiria o plano da campanha eleitoral. Participam do encontro o promotor público, Dr. Miguel Ruas, o Cel. Melquíades Barbalho, comandante da guarnição federal de Santa Fé, o comunista Arão Stein,3 o intelectual Roque Bandeira (Tio Bicho), o companheiro de Rodrigo para as farras Chiru Mena, o sogro Aderbal Quadros e o fazendeiro Juquinha Macedo, “dono de muitas léguas de bom campo bem povoados, além de casas na

cidade e apólices no Banco Pelotense” (1963a, p. 84, OEV). Durante a confraternização os personagens discutem sobre diferentes assuntos, como literatura, dança, comunismo e socialismo, política nacional e regional. Chiru defende a separação do Rio Grande do Sul do resto do Brasil, mas Rodrigo discorda categoricamente lembrando a importância da união, única maneira para o país ser “forte, grande e glorioso”. É uma brecha para se abordar aspectos econômicos.

Rodrigo, porém, discordava com veemência. Contou o que vira na Exposição do Centenário. Não compreendia o cretino do Chiru que o Brasil estava às portas da industrialização, e que uma vez industrializado precisaria antes de tudo de mercados internos, dum número cada vez maior de consumidores? Cortar as amarras que nos prendiam tão fraternal e historicamente ao Norte seria jogar fora futuros mercados, isso para mencionar uma razão utilitária, pois as ideológicas eram muito mais óbvias. Quanto pensava ele que o Brasil havia exportado no ano que se seguira ao do fim da Guerra? Cento e trinta milhões de esterlinos, cavalo!

– E pensas que todos os produtos exportados saíam do Rio Grande do Sul? Sabes o que representa hoje São Paulo na vida econômica do país? E Minas Gerais? Ora, vai primeiro estudar os problemas para depois falares com alguma autoridade. (1963a, p. 90, OEV)

Não chega a ser surpreendente no discurso de Rodrigo sua falta de conhecimento dos problemas econômicos que afligem o Rio Grande. O personagem não reconhece a relação entre a crise econômica e a instabilidade política em que está envolvido e colabora para aumentar. Suas palavras enquadram-se perfeitamente no ambiente de otimismo em relação aos resultados do modelo capitalista nos primeiros decênios do século passado no Estado. Um sentimento de otimismo semelhante ao que ocorria em âmbito nacional na chamada ideologia do “país novo”, percepção social apontada por Mário Vieira de Mello como uma falta de consciência do atraso nacional e analisada por Candido (2011, p. 169-196, TIB) sob o ponto de vista da literatura.4 Sem saber, Rodrigo entra numa luta contra o governo que trabalha para defender o projeto de desenvolvimento no qual ele acredita e que fez sua família enriquecer.

Quando o planejamento republicano do livre-mercado, contrário ao regime de protecionismo estatal, naufraga por conta da crise do pós-guerra, a oligarquia latifundiária – representada no romance pelos Cambará e outras famílias estancieiras – mobiliza-se para tomar o poder. Afora isso, como veremos com mais detalhes no capítulo “Imprensa e Política”, o comportamento de Rodrigo Cambará geralmente não condiz com a ética de seu

4 Candido amplia a ideia de Mello sobre o problema das relações entre subdesenvolvimento e cultura, no qual até o decênio de 1930 predominava entre nós a noção de “país novo”, que ainda não pudera realizar-se, mas que atribuía a si mesmo grandes possibilidades de progresso futuro. O que predomina após a Segunda Guerra Mundial é a noção de “país subdesenvolvido”, sem ter havido modificação essencial na distância que nos separa dos países ricos.

discurso. No seu desejo de poder, que se confunde com ideias de promoção ao bem-estar social, o personagem repete as ações daqueles que condena e acaba sendo um dos coadjuvantes na Revolução de 1930 ao lado de Getúlio Vargas.

Para o protagonista, atos de coragem e heroísmo são características imprescindíveis. Em seu escritório, onde algumas lideranças estão reunidas para tratar da campanha eleitoral, Rodrigo tira da gaveta da escrivaninha uma fotografia e diz:

– Tenho aqui uma preciosidade. É um instantâneo que ficará na nossa História. Algumas revistas e jornais já o reproduziram, mas esta é uma cópia do original. Me custou um dinheirão. Vou mandar emoldurar e pendurar na parede. Merece. Vejam...

Fez a fotografia andar a roda. Era o famoso flagrante dos 18 heróis do Forte de Copacabana, na sua marcha para a morte. (1963a, p. 88-89, OEV)5

Nesta reunião, inspirado pela imagem do sacrifício, Rodrigo decide comunicar sua desfiliação durante um discurso na Assembleia, contrariando a opinião do pai, que preferia um comunicado por telegrama. Para não estragar o elemento de surpresa, ele realiza o discurso sem antecipar nada aos colegas parlamentares. Pensando em garantir uma boa repercussão, descobre uma maneira insuspeita de “fazer que estivessem presentes no grande momento alguns jornalistas seus amigos do Correio do Povo e da Última Hora, e que ele sabia capazes de tirar o máximo proveito publicitário do escândalo” (1963a, p. 101, OEV).

No longo discurso, Rodrigo Cambará começa fazendo um histórico do Partido Republicano para exaltar a personalidade de Júlio de Castilhos, enumera os serviços prestados pelo pai ao partido, com descrições dramáticas do cerco ao Sobrado pelos federalistas, e ataca a figura de Borges de Medeiros e o programa de governo. Refere-se ao republicano como “um homem que se apega ao poder e quer fazer-se reeleger, custe o que custar, doa a quem doer” (1963a, p. 102, OEV) e repugna o positivismo, “essa filosofia vive a proclamar seus fins humanitários mas o que tem feito entre nós é acobertar o banditismo, encorajar a arbitrariedade e premiar a fraude! No Rio Grande do Sul espanca-se, mata-se e degola-se em nome de Augusto Comte” (1963a, p. 103, OEV).

Ao final do pronunciamento, que é seguido pela renúncia e a declaração de apoio a Assis Brasil, Rodrigo é cercado pelos jornalistas e concede uma entrevista coletiva à imprensa. Encerrada a entrevista, enquanto bebe o seu cafezinho, Roque Callage, “um

5 Rodrigo refere-se ao levante dos "Dezoito do Forte", insurreição tenentista ocorrida no Forte de Copacabana e repelida pelo governo de Epitácio Pessoa. A fotografia reproduzida nos jornais de todo o país foi registrada por Zenóbio da Costa e publicada primeiramente em O Malho. O flagrante conhecido por "Marcha da Morte", justamente porque revela o momento anterior à morte dos insurgentes, marcou o início de um período de tensões entre Exército e governo.

jornalista combativo da oposição e que vivia martelando o governo com seus artigos”, aproxima-se dele e murmura-lhe ao ouvido: “Sabe duma coisa engraçada? Durante todo o seu discurso o senhor não pronunciou uma vez sequer o nome do Dr. Borges de Medeiros”. Ao que Rodrigo, perplexo, responde: “Foi mesmo? E soltou uma risada” (1963a, p. 104, OEV).

A introdução de políticos e intelectuais expoentes da história como figuras de atuação periférica da trama é um recurso recorrente na trilogia de Erico Verissimo. Personalidades históricas entram no universo da ficção e interagem com os personagens fictícios. Quando os analisamos, porém, não esquecemos as palavras de Candido (1976, p. 70, TIB), quando alerta que:

A origem das personagens é interessante para o estudo da técnica de caracterização, e para o estudo da relação entre criação e realidade, isto é, para a própria natureza da ficção; mas é secundário para a solução do problema fundamental da crítica, ou seja, a interpretação e a análise valorativa de cada romance concreto.

Dentro de sua estética realista, a inclusão de “homens e coisas de jornal”6 na

narrativa funciona como uma espécie de confirmação da vida representada, que passa necessariamente pelos bastidores jornalísticos. Isso não significa, evidentemente, que o autor deseja criar um romance igual à realidade. Até porque a criação de um personagem que fosse igual a um ser real implicaria na negação do romance, o que não é o caso. As intenções do romancista com esta técnica de concepção fictícia ao traçar o panorama de costumes depende “mais da sua visão dos meios que conhece e da observação de pessoas cujo comportamento lhe parece significativo” (CANDIDO, 1976, p. 74, TIB).

Além de ser um representante da oligarquia pecuarista gaúcha e autoridade da política local, Rodrigo Cambará também atua como homem de jornal em Santa Fé. No capítulo “Imprensa e Política” veremos o embate entre a folha A Voz da Serra, dirigida por Amintas Camacho, e A Farpa, fundada por Rodrigo em 1910 para defender a candidatura do civilista Rui Barbosa na campanha presidencial. Na ambientação política que antecede a Revolução de 1923, o personagem volta a fazer da imprensa um meio de divulgação de suas ideias em favor de uma causa partidária. Rodrigo utiliza os jornais primeiramente conquistando a simpatia e a admiração dos “repórteres”. Sabemos, pela voz do narrador, que Rodrigo abandona a deputação e ao mesmo tempo deixa sua marca na vida social de Porto Alegre.

Os jornalistas o adoravam. Ele era um assunto. Homem franco, detestava

meias palavras. Vinha disso o caráter sensacional de quase todas as suas entrevistas. Tinha também amigos e admiradores entre turfistas. Não faltava às corridas da Protetora do Turf aos domingos e seu cavalo Minuano, cria do Angico, ganhara uma vez um páreo importante, chegando na frente de animais de raça, estrangeiros. O cronista social da Máscara escolhera-o como “o deputado mais bem vestido”. (1963a, p. 107, OEV, grifos do autor)7

Quando retorna a Santa Fé após a renúncia na Assembleia, Rodrigo é recebido pelo irmão Toríbio, que tem um exemplar d'A Voz da Serra. No alto da primeira página, a manchete: “Chega Hoje o Traidor Vira-casaca” (1963a, p. 125, OEV). Furioso, ele parte com o irmão e os amigos Neco e Chiru em direção à redação da folha de Amintas Camacho para um acerto de contas. No caminho, fica sabendo que a campanha no município já começara, bem como os atos de intimidação junto aos eleitores. Os capangas do intendente republicano distribuem boletins de propaganda e ameaças nas comunidades do interior. Os colonos, caso votassem em Assis Brasil, receberiam em troca aumento nos impostos estaduais e municipais. Ao chegarem à redação, Rodrigo e o irmão encontram apenas o revisor e o redator Amintas Camacho. Antes que tivesse tempo de fugir, Amintas recebe uma bofetada e cai de costas.

E Rodrigo, que saltara sobre Amintas, agora acavalado nele de novo o esbofeteava, à medida em que gritava: “Crápula! Sacripanta! Cafajeste! Pústula!”. Cada palavra valia uma tapona. E o jornalista, a cara lívida, respirava estertorosamente, gemendo “Meu Deus! Socorro!” – mas com uma voz engasgada, quase inaudível. Sem sair de cima de Amintas, Rodrigo rasgou em vários pedaços a folha de jornal que trazia o artigo insultuoso, e atochou-o na boca do escriba. – Engole a tua bosta, corno duma figa! (1963a, p. 126, OEV)

Atitudes violentas desse tipo refletem na ficção os métodos que pautaram a história dos jornais do Rio Grande do Sul, desde suas origens na Revolução Farroupilha. Em todas as vezes em que a imprensa foi agente de lutas político-partidárias, redações foram incendiadas, jornalistas ameaçados e em muitos casos espancados ou mortos. Após a agressão de Rodrigo contra Amintas Camacho, declara-se a guerra entre a Intendência Municipal e o Sobrado. Na concepção de Rodrigo, uma das maneiras de se fazer uma campanha eleitoral é pelo convencimento através da imprensa, como fica claro em toda sua trajetória intelectual. Por isso, Rodrigo resolve reativar a impressora e a caixa de tipos armazenados no porão desde as eleições de 1910.

7 A revista ilustrada Mascara existiu e foi impressa em Porto Alegre entre 1918 e 1928. Acreditamos que Erico Verissimo consultou edições dessa revista para representar a vida social da Capital na época. Nesse trecho da narrativa, Rodrigo faz sua despedida de Porto Alegre no cabaré Clube dos Caçadores, onde prostitutas trazidas da Europa estão entre as principais atrações. Não por acaso, a revista Mascara, voltada ao público masculino, costuma publicar anúncios do clube, incluindo fotos das “artistas” e legendas apelativas.

Convidado para fazer a vez de tipógrafo, o comunista Arão Stein hesita inicialmente em trabalhar para a propaganda da Aliança Libertadora, pois para ele tanto Borges de Medeiros quanto Assis Brasil são “representantes da plutocracia do Rio Grande” (1963a, p. 127, OEV). No entanto, Stein tinha em mente adquirir um equipamento para produzir material de conteúdo comunista e acaba aceitando a proposta de fazer o jornal e em troca ficar com a tipografia. Nasce, assim, O Libertador, que em seu primeiro número traz na primeira página “um artigo de fundo de Rodrigo, atacando o borgismo do ponto de vista ideológico. Na segunda, vinha uma biografia do Dr. Assis Brasil. O resto eram notícias políticas e avisos ao 'eleitorado livre do Rio Grande'” (1963a, p. 127, OEV).

Quanto a Stein, incomodado por trabalhar no jornal de Rodrigo, a serviço de uma burguesia, justifica-se junto ao amigo Roque Bandeira alegando que compõe e imprime os artigos “como se fosse literatura infantil” ou “contos da carochinha” porque “um comunista deve estar preparado para fazer todos os sacrifícios e, se necessário, recorrer mesmo a toda espécie de estratagema, usar métodos ilegítimos, esconder a verdade, a fim de penetrar nos sindicatos e permanecer neles, levando avante a obra revolucionária” (1963a, p. 143, OEV).

Ao contrário do que acontece com outras folhas fictícias de O tempo e o vento, como O Arauto, O Democrata, A Farpa e A Voz da Serra, que são exploradas de forma mais intensa na configuração ideológica da trama, O Libertador tem uma participação bem discreta enquanto instrumento de ação doutrinária. Além da referência acima, não há outras citações que permitam analisar o entrelaçamento entre o discurso do jornal e a recepção dos personagens. Lê-se apenas algumas observações, como a de que Rodrigo “passava horas no porão do Sobrado com Arão Stein, tratando de preparar novos números d'O Libertador ou imprimindo boletins que Toríbio, Neco, Chiru e outros correligionários saíram a distribuir pela cidade” (1963a, p. 139, OEV) e que “a propaganda iniciou-se, intensa, através d'O Libertador e de boletins” (1963a, p. 144, OEV).

À medida que esquenta a campanha em Santa Fé, aumentam as alusões ao tom dos artigos publicados em A Federação no plano histórico da narrativa. Numa delas, Rodrigo lembra com “amargo desapontamento” o conteúdo do artigo “Pela ordem!”, pois “a nação inteira esperava a palavra de Borges de Medeiros, capaz de lançar as forças democráticas do país numa revolução regeneradora, e o Papa Verde soltara através dum editorial d'A Federação o seu gélido 'Pela Ordem'” (1963a, p. 107, OEV).8 Em outra ocasião, Rodrigo

mostra-se descontente por não encontrar na folha oficial do PRR nenhuma linha sobre o seu gesto de rebeldia na Assembleia. Ele esperava ser atacado pelo jornal, o que lhe daria a oportunidade de iniciar um debate público em âmbito estadual, mas “A Federeca limitara-se a transcrever parte de seu discurso, como era de praxe. […] como se a defecção pública e ruidosa de um deputado governista em plena campanha eleitoral não tivesse a menor importância” (1963a, p. 135, OEV). O narrador prossegue apresentando as impressões de Rodrigo:

Collor martelava todos os dias o candidato da oposição, em editoriais cuja boa qualidade muito a contragosto Rodrigo tinha de reconhecer. Num deles chamara a Assis Brasil “candidato bifronte”, pois que tendo sido sempre presidencialista, agora o castelão de Pedras Altas se travestia vagamente de parlamentarista, para coonestar sua candidatura maragata à presidência do Estado. (1963a, p. 135, OEV)

Certo dia, olhando o retrato do presidente do Estado na capa de A Federação, Rodrigo recita aos amigos uma das sextilhas que compõem o “poema campestre” de Amaro Juvenal, Antônio Chimango. A reprodução de uma estrofe do poema insere-se na representação do contexto pré-revolucionário como mais um exemplo da força do discurso ideológico impresso.

Veio ao mundo tão flaquito Tão esmirrado e chochinho Que ao finado seu padrinho Disse, espantada, a comadre: “Virgem do céu! Santo Padre!

Isto é gente ou passarinho?” (1963a, p. 141, OEV)

É difícil estabelecer com certeza a fonte consultada pelo escritor para buscar os versos de Antônio Chimango. Erico Verissimo certamente conheceu o poema no auge de sua divulgação, nos jornais e no anedotário popular, justamente durante a campanha revolucionária de 1923. Depois disso, a narrativa satírica teve várias edições “clandestinas”. A que lançou as bases para o seu reconhecimento como obra literária data de 1946, na revista Província de São Pedro, com ensaio de Walter Spalding e prefácio de Augusto Meyer. A edição definitiva sai em 1952, na coleção Província, da Editora Globo, a que provavelmente foi consultada pelo escritor durante as pesquisas para a escrita de O arquipélago.

Na literatura, no noticiário ou nos boletins de propaganda partidária, os personagens de Santa Fé assumem suas posições políticas. A preferência de cada um revela a sua paixão

Peçanha na campanha eleitoral à Presidência, decide aceitar a vitória de Artur Bernardes nas urnas e assegurar a este o apoio político do Rio Grande do Sul. O artigo escrito por Lindolfo Collor, diretor de redação do jornal, frustra os anseios dos militares que incitavam uma revolução contra o governo federal.

pela causa e o grau de envolvimento com a ideologia que defende. O narrador, nestes instantes em que o drama social suplanta o drama psicológico, usa de disfarces que demonstram o artifício preferido pelo escritor, o qual consiste em trabalhar com arquivos e registros factuais ou, na ausência destes, fazer com que os personagens criem esses mesmos registros. Na acepção de Campos (1996, p. 42, SEV), em nome de uma transparência na intenção de comunicar “tece-se a naturalidade do comunicado, como se tudo tivesse acontecido assim, como se fosse possível colar acontecimentos e palavras, como se o vivido fosse recuperável pela linguagem”.

Neste sentido, Licurgo Cambará apresenta-se como um leitor que costumava ler assiduamente o jornal A Federação, assinante da folha desde o dia de seu aparecimento. Mas depois de romper com o partido “recusava-se até a tocar no jornal com a ponta dos dedos” e passa a admirar as transcrições que Rodrigo fazia em O Libertador dos manifestos, discursos e artigos doutrinários de Assis Brasil. “– Esse homem sabe o que diz – comentava – é um estadista de verdade. Não ataca ninguém, tem ideias, critica a Constituição de 14 de julho, quer o voto secreto. Não está contra as pessoas, mas contra os erros” (1963a, p. 141, OEV).

Mesmo empolgado com a candidatura de Assis Brasil, Licurgo não esconde seu constrangimento por estar ao lado dos maragatos na campanha. Habituado a vê-los como inimigos, agora é obrigado a comparecer às reuniões do comitê partidário, do qual era o

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