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1 DESFIAR A VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA HISTORIOGRAFIA DA MULHER

3.1 MULHERES: MEMÓRIAS, RURALIDADES E SUJEITAS POLÍTICAS

Para mulheres trabalhadoras rurais, destaco, sujeitas e objetos desta pesquisa, enfrentar as adversidades rememoradas nas suas narrativas eleva-as à condição de sujeitas políticas resilientes. Inúmeras formas de resistir às mazelas materializadas pelo problema social denominado violência de gênero em espaços rurais na sua singularidade quando, marcada, individualmente, em cada história de vida e, na sua complexidade, quando esse fenômeno é envolto de subjetividades, a exemplo da violência simbólica, capaz de potencializar violações de direitos humanos ao moldar-se no ambiente sociofamiliar, tal qual animais como camaleão e determinada espécie de sapo, que se transmutam na cor da árvore ou tronco, a depender das circunstâncias ambientais e conseguem driblar seus predadores. De forma análoga a esses animais, a resiliência da violência simbólica garante sua ‘sobrevivência’ na relação assimétrica de gênero.

Com tudo isso, além da morosidade no acesso a direitos sancionados em marcos legais, essas mulheres, como trabalhadoras rurais, despontam como protagonistas e seguem na luta por mais ‘Margaridas’ em suas vidas nas ‘sebes rurais’. Como exemplo ilustrativo, temos

89 A categoria mulher trabalhadora rural emerge do anonimato e da invisibilidade para conquistar espaço político

e seu reconhecimento como sujeita produtora inserida no mundo do trabalho rural; conquista essa que se inicia, pela via das mobilizações coletivas de mulheres rurais, a partir da Promulgação da CF/1988. São, então, reconhecidas como trabalhadoras e possuidoras de direitos previdenciários. Antes, porém, a denominação doméstica, por ocuparem, majoritariamente, também o espaço privado do cuidado, as descredenciava do direito à aposentadoria (DARON, 2009).

como sujeita política uma das entrevistadas, que presidiu o sindicato rural de sua cidade por uma década, e, ainda na presidência institucional, tem-se outra mulher, sindicalista.

Não obstante a crítica feminista introdutória e, na da questão violência contra mulheres rurais baianas, este capítulo segue contextualizando acontecimentos históricos na historiografia feminista rural: a resiliência da trabalhadora rural, sindicalista e ativista Margarida Alves e sua militância no movimento autônomo de mulheres rurais. Margarida Alves, além do aprendizado nas CEB, vinculadas à Igreja Católica, nas décadas 1960 e 1970,

integrou o movimento articulado em 1980 para surgimento do novo sindicalismo90 (DEERE,

2004). Um sindicato engajado na luta pelo reconhecimento da profissão de trabalhadora rural e de direitos trabalhistas iguais para homens e mulheres, conquista efetivada na CF/1988.

O capítulo acompanha discussões sobre violência de gênero na vida de mulheres trabalhadoras rurais e o movimento feminista rural, a Marcha das Margaridas como ‘megafone’ das mulheres trabalhadoras rurais pelo reconhecimento das reivindicações pelo fim da violência de gênero nas suas dimensões de raça, classe, gênero, geração/etarismo, por direito à previdência social, 13º salário, férias, salário maternidade, acesso à terra, valorização da agroecologia, direito à educação, saúde, dentre outras questões correlatas à dignidade humana dessas mulheres.

Embora a tese tenha como foco MTR das cidades mencionadas para refletir sobre a VCMTR, não há como ignorar Margarida Alves, pois a história dela é emblemática das várias formas de violência que as mulheres são submetidas no campo. Neste sentido, destaco MARGARIDA ALVES: identidade de mulher trabalhadora rural e a Marcha das Margaridas, símbolo do feminismo camponês.

[...], o ser menos leva os oprimidos91, cedo ou tarde, a lutar contra quem os

fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, [...], não se sentem idealistamente opressores, [...], opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. [...]- libertar-se a si e aos opressores (FREIRE, 2015, p. 41).

‘Apagar’ bruscamente a sindicalista nordestina Margarida Alves não significa que sua identidade, construída no processo político de sua militância sindical em tempos de repressão militar, se esvaiu, ou seja, anular essa construção histórica ao longo do processo, de

90 Esta expressão, no entender de Favereto (2006, p. 29), serviu para nomear o vigoroso movimento de retomada

das lutas e da mobilização social em pleno contexto de ditadura, a emergência de lideranças fortes e de experiências inovadoras que questionaram a tradição sindical anterior e, ainda, a explosão no número de trabalhadores filiados.

91 Assumo aqui o entendimento semântico de oprimidos como ‘sujeitos’ (mulheres e homens), de modo a evitar

agricultora a sindicalista comprometida com a melhoria de vida de mulheres e homens inseridos na labuta rural. Há necessidade de (re) criar as identidades humanas, evidenciar que elas “[...] estão sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente em processo de mudança e transformação. [...], as identidades são as posições que o sujeito é obrigado a assumir, [...]” (HALL, 2009, p. 108-112). Nessa obrigatoriedade em assumir para si lutas coletivas, vimos que

Intensas disputas marcam a luta pela terra no Brasil, as mulheres sempre estiveram à frente destes processos de luta e resistência e sobre elas condições específicas de existência marcam o trabalho, a maternidade, a sexualidade, o uso da liderança, o exercício da segurança e a produção de imagens femininas. Quanto ao campo e a floresta, em meio aos silenciamentos, permanece a imagem de mulheres e homens que foram assassinados justamente pela defesa do direito de viver coletivo. É o caso de Chico Mendes, Margarida Alves e Roseli Nunes, […]. As marcas da violência no campo e na floresta brasileiros evidenciam as contradições de um projeto de sociedade com hegemonia capitalista liberal, em uma democracia jovem e uma cidadania de ascensão recente (DARON, 2009, p. 8).

Para a releitura a respeito, sem pretensão de esmiuçar a história de Margarida Alves, militante do sindicato rural alagoano. Sua memória como mulher, mãe, companheira conjugal, nordestina, trabalhadora rural e, principalmente, liderança sindical em tempos de regime militar e sua luta por direitos humanos de mulheres do campo, além de ‘ocupar’ espaço machista, são premissas para lembrá-la.

Retomando a proposta desta tese, desenho neste espaço teórico a correlação entre meu objeto de pesquisa e a sujeita política Margarida Alves. Minha premissa central: VCMTR nas suas manifestações visíveis e/ou invisíveis; a representação identitária da sindicalista Margarida Alves, vitimizada pelo patriarcado [incomodou sua liderança política sindical]. Foi Margarida Alves referência e precursora na luta contra a violação de direitos humanos de mulheres de MTR, principalmente direitos trabalhistas e sociais. Ela lutou pela ressignificação da mulher nordestina/rural, política, protagonista, ‘dona de seu próprio nariz’ e de sua história de vida, não obstante a covardia do algoz que a vitimizou.

Daron (2012), no seu protagonismo como pesquisadora, educadora popular e militante das causas feministas na defesa das mulheres trabalhadoras rurais – destaco aquelas que vivem no campo e na floresta –, reconhece, na conquista da Lei 11.340/2006, um avanço na luta em defesa da não violência contra a mulher, fenômeno social vigente na vida de mulheres independentemente se residentes nos centros urbanos ou campo e florestas. Não

obstante, “No caso das mulheres do campo e da floresta, esses equipamentos [em defesa da mulher violentada] praticamente não existem e as dificuldades de deslocamento e acesso são alguns dos entraves para a efetivação desta lei” (Idem, s/p). Contudo essas dificuldades não incapacitam as violentadas ou pessoas cientes dos atos brutais masculinos de acessarem o DISQUE 180 - Central de Atendimento à Mulher, criado em 2005 pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, e denunciarem os maus-tratos à mulher. Este serviço integra a rede nacional de enfrentamento à violência contra a mulher e tem como base legal a Lei 11.340/2006.

Margarida Alves conquistou um lugar antes ocupado exclusivamente por homens no espaço institucional do sindicato e, certamente, contrariou a ordem patriarcal de gênero, saiu do quadrado, da esfera reprodutiva, do cuidado, do privado/doméstico, do esteio do homem. Por fim, do lugar determinado pelo imaginário social: a invisibilidade como mulher cidadã. Sua emergência neste cenário de emancipação feminina ocorre, exatamente, no momento de transição de regime governamental, nos anos 1980, quando a mobilização de movimentos sociais clama pelo fim da ditatura militar e busca a redemocratização do Brasil. Margarida surge de um lugar longínquo, do ‘pedaço de chão’ do nordeste brasileiro, esquecido pelo poder governamental e (re) floresce a Margarida na história sindical em defesa de tantas outras Margaridas.

Sendo minha pesquisa voltada para a temática de direitos humanos, mulheres trabalhadoras rurais nordestinas/baianas e que trazem na bagagem da luta diária a representação de vários papéis sociais: mãe, avó, ‘esposa’, provedora principal da família, trabalhadora rural, mulher de agricultor, ajudante/auxiliar do marido, em síntese, a categoria mulher invisibilizada na condição de sujeita política e ‘dona de seu próprio nariz’, tecer brevemente comentários sobre Margarida Alves simboliza destacar a historiografia da mulher a partir de seus desafios e protagonismo contrários à sociedade patriarcal-machista-sexista- misógina92.

Margarida Alves, assim como as mulheres que compõem minha pesquisa, por ter nascido mulher e não aceitar as opressões machistas e se engajar na defesa dos direitos de mulheres trabalhadoras rurais, foi assassinada em nome da cultura patriarcal articulada aos interesses capitalistas.

92 A aglutinação: patriarcal-machista-sexista-misógina refere-se, neste campo lógico semântico, ao conjunto de

respostas para a violação de direitos das mulheres trabalhadoras rurais [desta pesquisa] para manutenção do status quo da fração de homens autores da opressão feminina quando ameaçados de perder o controle sobre sua subalterna, e impotentes diante da autonomia e visibilidade da mulher ao conquistar seus espaços sociais [Margarida Alves representa essa mulher ao assumir a liderança sindical].

Outro enfoque a destacar recai sobre a escolha da categoria mulher trabalhadora rural, adotada para identificar, politicamente, meu objeto analítico de estudo. No entendimento polissêmico atribuído, socialmente, à figura feminina que desenvolve atividades laborais sob o jugo de ‘ajuda’, trabalho improdutivo, ignorado [por não ser expresso em valores monetários] e/ou remunerado, geralmente conhecidas pelas alcunhas de mulher/esposa de lavrador ou de agricultor. Sem embargo, o uso da expressão mulher trabalhadora rural guarda afinidade com o começo de minhas inquietações sobre o fenômeno da violência contra mulheres trabalhadoras rurais em contextos rurais do Recôncavo Baiano e, consequentemente, os trabalhos desenvolvidos nos sindicatos da respectiva categoria.

Na luta pelo reconhecimento profissional e visibilidade identitária no processo de produção de bens [no mundo do trabalho rural] são as MTR ativistas sociais que caminham para conquistarem direitos quando constroem suas identidades de MTR, antes, porém, conhecidas apenas como do lar, aquelas que cuidam da casa, do marido, da prole, ou seja, cujo papel social de reprodução sobrepunha suas outras atividades, consideradas como não trabalho. Ser MTR como categoria indentitária construída, historicamente pela luta, por um lado, por direitos trabalhistas/previdenciários, por outro, direitos sociais capazes de usufruir bens legitimados por contribuição paga, compulsória, ao Estado, por exemplo, impostos. Outro aspecto refere-se à reivindicação de políticas públicas, junto ao governo, específicas da área rural.

Durante a década de 1980, ampliaram-se as organizações políticas das mulheres, e, devido à grande extensão territorial brasileira, pôde-se observar a formação de vários grupos de mulheres provenientes da área rural que atuaram de formas distintas, de acordo com necessidades específicas de cada região. [...] A principal demanda das mulheres desses movimentos, nesse período, foi o seu reconhecimento político como trabalhadoras rurais, [...]. Quanto aos direitos sociais, mais particularmente, direito à aposentadoria e ao salário-maternidade, que marcaram profundamente a trajetória política das mulheres trabalhadoras rurais, esses foram conquistados com a expressiva participação das mulheres trabalhadoras rurais no processo de construção da Constituição de 1988. O engajamento dos seus respectivos movimentos nas mobilizações para a participação popular na Assembleia Constituinte [...] (AGUIAR, 2016, p. 166; 168).

No meu entendimento a respeito da vinculação dessas mulheres ao processo emancipatório alicerçado na luta sindical das cidades da pesquisa, assim como nacionalmente, seu engajamento está centrado na efetivação de seus direitos [trabalhistas, direito à terra e

políticas públicas específicas] legitimados93 e validados94 e conquistas alcançadas por lutas e militância política de movimentos sociais singulares, próprios de trabalhadoras rurais e aqueles vinculados à Igreja Católica popular95. Essa base de mobilização das MTR não emerge da militância nos sindicatos (CAPPELLIN, 2009), contudo advém da ideologia da Teologia da Libertação, como ressalta Deere (2004, p. 177):

As origens do movimento estão nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que proliferaram nas áreas rurais e nas favelas, começando na década de 1960 junto com a teologia da libertação. As invasões de terra, que cresceram a partir desses processos de conscientização, foram apoiadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), organizada pelo Conselho Nacional de Bispos Católicos, em 1975, e que divulgou crescentemente e deu coerência a essas lutas pela terra. A CPT também desempenhou um importante papel em reunir trabalhadores sem-terra de diferentes estados.

Schaaf (2003, p. 414), em seu trabalho sobre o processo emancipatório da mulher trabalhadora rural rio-grandense, faz a releitura dessa mobilização feminina a partir das contribuições advindas de meio católico. Para ela:

As bases do movimento foram fundadas no período da abertura política, quando o conjunto das organizações de mulheres no Brasil reivindicou vez e voz nas decisões políticas. As feministas tiveram um papel de liderança na articulação política das demandas femininas, [...]. A Igreja Popular, incentivada pelos altos escalões da Igreja, ofereceu a inspiração religiosa e estrutura física para entender e interpretar a turbulência das mudanças sociais, econômicas e políticas (por que passava o país). No campo, o feminismo não encontrou ressonância, ao passo que, com as premissas da Teologia de Libertação, a Igreja Popular mobilizou um grande contingente de pequenos agricultores no contexto de maiores transformações no campo, e as mulheres inseriram-se nessas mobilizações.

A partir dessa escolha categorial, é oportuno refletir o ponto crucial entre as categorias mulheres camponesas e mulheres trabalhadoras rurais; a primeira mais genérica em seu entendimento, já a segunda, mais restrita. Enquanto o movimento de mulheres trabalhadoras rurais nasce a partir de lutas fragmentadas por estados e regiões, por exemplo, Nordeste (MMTR-NE), a região Sul concentra o movimento de mulheres camponesas (SALVARO et al., 2013; PAULILO, 2010). Para tanto, a unificação do MMTR com o MMC

93 CF/1998, Art. 7º. 94 CLT/1943.

95 Concebo movimentos católicos, neste contexto, como sendo agrupamentos de pessoas católicas, cuja ideologia

cristã era pautada na Teologia da Libertação, esta faz emergir a igreja popular em favor de segmentos sociais da classe popular, a exemplo da população pobre do meio rural. As representações desses movimentos se materializaram a partir dos anos 1960 nas Comunidades Eclesiais de Base - CEBS, Comissão Pastoral da Terra - CPT (AGUIAR, 2015).

significa uma mudança política no interior desses movimentos na busca por fortalecer suas lutas a partir de 1980.

Assim, mulher camponesa é trabalhadora plural, coletiva, sujeita política no continuum ressignificar e reafirmar a luta histórica feminista [rural] de gênero e classe, é identificada como uma categoria de trabalhadoras comprometidas com a luta pela igualdade de gênero e nova ordem societária, produtora de alimentos para garantir a subsistência familiar. Essas mulheres são identificadas como pequena agricultora, a pescadora artesanal, a quebradeira de coco, as extrativistas, arrendatárias, meeiras, ribeirinhas, posseiras, boias-frias, diaristas, parceiras, sem-terra, acampadas e assentadas, assalariadas rurais e indígenas (SALVARO et al., 2013; MMC). Sumarizando, são elas sujeitas de direitos sociais e reivindicam sua efetivação.

Ao longo da trajetória política da mulher trabalhadora a dissimetria hierárquica dos sexos na estrutura familiar obsta sua relação de poder na representação sindical. É sabido, portanto, que a emergência do modelo capitalista de produção marca a ilegitimidade de direitos civis e políticos da mulher, caberia a esta, socialmente, apenas construir a riqueza, e não o progresso (SAFFIOTI, 2013). Assim sendo, a análise do tópico enunciado esboça a presença, em contextos rurais nordestinos, de ideais feministas, embora na emergência do feminismo, nos anos 1970, na sua efervescência, a visibilidade de mulheres militantes e participativas tenha se concentrado no meio urbano, o vetor das lutas sindicais da precursora Margarida Alves aponta para a consolidação da trabalhadora rural a ser respeitada nos espaços privado e público como sujeita social, civil e política.

A partir do olhar na perspectiva feminista, de gênero, histórica e cultural, o fenômeno da violência contra a mulher está relacionado com a forma desigual com que os homens agem, desrespeitosamente com nós, mulheres, impõem o poder do macho sobre a fêmea em diferentes momentos de nossas vidas, sendo sua manifestação presente na sociedade brasileira, datada desde o período colonial (CARNEIRO, 2002; BANDEIRA, 2013). E, ao considerar a história das mulheres imersas na permanente violação de seus direitos humanos, o cenário brasileiro nos contextos rurais, na década de 1980, trouxe para essa história a (re) significação da imagem social da feminilidade da mulher trabalhadora rural (GIULANI, 2008) para além da reprodução social, materializada nos espaços demarcados socialmente para o homem prover, com sua força de trabalho, recursos financeiros para manter a família, e, para a mulher, cuidar da casa e dos membros do grupo familiar. Em suma, identifica-se a presença da tradicional norma cultural conhecida como realização vicária.

Esses movimentos de mulheres trabalhadoras rurais ampliaram a agenda política de lutas. Suas reivindicações para além de direitos previdenciários e sociais, junto ao Estado,

gestor de políticas públicas, pautaram-se também no modelo de desenvolvimento rural baseado no agronegócio, olhar sobre a agricultura familiar e, certamente, reivindicaram o lugar social da mulher como categoria rural (SILIPRANDI; CINTRÃO, 2015). Nesse cenário emergente da mulher trabalhadora rural, sujeita política, destacamos a aguerrida Margarida Alves, alagoana da cidade de Alagoa Grande, a nordestina e trabalhadora rural, primeira mulher a presidir o Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais naquele estado.

A vida de Margarida Alves foi marcada pela ruralidade96. Nascida em 5 de agosto

de 1933 no município de Alagoa Grande/Paraíba, viveu e cresceu numa família composta por seu pai, mãe e 9 (nove) irmãos/ãs, sendo ela a última a nascer dessa prole. Sua infância guarda similitude com as histórias narradas pelas entrevistadas desta pesquisa. Margarida, como as mulheres que destaco, nessa fase geracional, teve seu direito à educação violado, estudou até a 4ª série97 e, compulsoriamente, experienciou aos 8 anos de idade o trabalho precoce ao auxiliar seus pais nas tarefas da lavoura (FERREIRA, 2010).

Sua história no movimento sindical em contextos rurais teve como expressão política frases emblemáticas: “Da luta eu não fujo” e “É melhor morrer na luta do que morrer de fome”. Expressões que definem a coragem de Margarida Alves, que por quase duas décadas e meia (FERREIRA, 2010) esteve à frente do sindicato rural da cidade de Alagoa Grande/Paraíba, na defesa e garantia de direitos de mulheres e homens que da atividade do campo dependiam para seu sustento e de familiares.

Essa sindicalista defendeu a organização sindical como ferramenta para consolidar direitos trabalhistas negados pela categoria de latifundiários e usineiros da região. Suas pautas reivindicatórias versavam sobre a formalização nos contratos de trabalho, salário justo, compra e venda de mão de obra no campo; direito ao repouso de 30 dias após 12 (doze) meses de trabalho; pagamento do 13º salário tal como demais trabalhadores e trabalhadoras formais; descanso semanal remunerado, reconhecimento e visibilidade da categoria mulher nos espaços de poder político de decisões e proposições (idem). Foi reconhecida por lutar e ter materializado o Centro de Educação do Trabalhador Rural (CENTRU); acreditava ser a educação o ponto de partida para a luta política em favor de direitos coletivos.

A adjetivação trabalhadora rural ressignifica a identidade política da mulher do campo. É a partir dessa consciência como sujeita de direitos que, na efervescência do

96 Apoiada na concepção de Carneiro (2008, p. 35), entendo “[...] ruralidade como um processo dinâmico em

constante reestruturação dos elementos da cultura local, mediante a incorporação de novos valores, hábitos e técnicas.”

movimento democrático brasileiro antimilitarista, emerge nos anos 198098 o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais, com destaque na Região Nordeste, que potencializava a luta pelo reconhecimento na área dos direitos humanos, de sua condição de trabalhadora produtiva, e desmistificação da coparticipação no cultivo com a terra. Não obstante sua participação ter sido evidenciada na emergência da redemocratização do País, quando movimentos sociais se articulam para reformular a Constituição Federal na perspectiva de inclusão de pautas políticas e consolidar direitos sociais, civis, políticos e, certamente, respeito aos direitos humanos de todos e todas brasileiros e brasileiras, em especial os segmentos sociais subalternizados e excluídos de direitos universais. Reafirma, então, a condição de trabalhadora, não obstante a historiografia das mulheres de camadas populares, diretamente inseridas na produção de bens e serviços, sempre contribuiu para a criação da riqueza social (SAFFIOTI, 2013).

A luta de Margarida Alves, mulher nordestina, na defesa da categoria trabalhadora