• Nenhum resultado encontrado

Segundo Plínio (23/24 d. C. – 79 d.C.), a província da Lusitânia divide-se em três conventos, o Emeritense, o Pacense e o Escalabitano; tem no total quarenta e cinco povos, dos quais cinco são colónias, sendo elas Emerita Augusta, Metellinum, Pax Iulia, Norba Caesarina e Scallabis Praesidium Iulium, um é município de cidadãos romanos, Olisipo, cognominado Felicitas Iulia, outros três são de direito latino antigo, Ebora

Liberalitas Iulia, Myrtilis e Salacia, e trinta e seis são civitates stipendiariae18. Esta distinção traria realidades financeiras e jurídicas diferentes.

Plínio dá-nos então a conhecer a denominação romana de Lisboa, Felicitas Iulia Olisipo, designação que surge em algumas inscrições encontradas neste município, como é o caso, por exemplo, da homenagem ao imperador Adriano (CIL II 186)19. Este autor informa-nos igualmente que esta cidade tinha o estatuto de municipium civium romanorum, a única referida com este estatuto. É provável que Olisipo tenha tomado o partido cesarista aquando das guerras civis do final da república, o que poderá explicar a atenção dada por Júlio César ou Augusto a este município (Mantas, 1990, p. 161).

Os seus cidadãos pertenciam à tribo Galeria, a mais frequente, de resto, na Península Ibérica (ILER, p. 698). Para além da Galeria, atribuída por César e/ou Octaviano, na Hispânia, as tribos são essencialmente a Sérgia (César e Augusto), a Papíria (Augusto) - apenas em Emérita Augusta, e a Quirina (talvez a partir de Cláudio)20.

Ao ser promovido a municipium, ao topónimo Olisipo (pré-romano)21, são acrescentados os termos Felicitas Iulia, os quais seguem a ordem dos tria nomina antroponímicos. O estatuto que Plínio atribui a Olisipo, o de municipium civium Romanorum, suscitou grande debate entre os académicos. De acordo com António Marques de Faria, a Olisipo foi atribuído o estatuto municipal entre 31 e 27 a. C. e em conjunto com o estatuto ter-lhe-ão sido atribuídos os cognomenta Felicitas Iulia (Faria, 2001, p. 354). De acordo com Moita (1994, p. 63, nota 1), o mais antigo documento em que encontramos registado o cognome de Olisipo, Felicitas Iulia, é num cipo dedicado a Vespasiano, de 73 d.C., no entanto, é possível que a distinção honorífica remonte a uma

18

NH, 4, 117. Para tradução de Plínio, foi consultado Guerra, 1995, p. 35

19

Para a leitura da epígrafe, vide Anexo 2

20

A tribo Galeria constituía uma das 35 circunscrições em que o território de Roma foi dividido, e nas quais os cidadãos eram inscritos, de acordo com a região em que habitavam. A partir de meados do século III a.C., a distribuição definitiva dos cidadãos numa tribo passa a ter sobretudo uma função administrativa. A partir do século I d.C. a designação da tribo deixa de ter um carácter geográfico, sendo um título pessoal hereditário, atribuído apenas a cidadãos. Com Caracala a designação da tribo deixa de ter significado pessoal, dado que estende o direito de cidadania romana a todos os habitantes do império e acaba por desaparecer com Diocleciano (século III-IV). Cf. Cardozo, 1956, p. 507, nota 40.

21

Olisipo poderá identificar-se como oppidum dos Túrdulos, origem ibérica não indo-europeia, devido à terminação em ipo. Cf. Alarcão, 1988, p. 66. Apesar de haver razoável consenso sobre este aspecto, a cronologia do topónimo apresenta maiores problemas. Sobre o tema vide Vasco Mantas, 1997 pp. 17-18.

das estadas de Júlio César na Península Ibérica, mais provavelmente à segunda, entre 61 e 62 a.C., ou à terceira, em 44 a.C., durante as guerras contra os seguidores de Pompeio.

Vasco Mantas (2005, p. 26, 1994, p. 70), por seu turno avança que se a denominação Felicitas Iulia Olisipo pode ser anterior a 27 a.C., pertence a um grupo de topónimos que se enquadra melhor na ideologia política de Octaviano, como Liberalitas Iulia Ebora e Pax Iulia, do que na de Júlio César, para além de que os cidadãos das fundações de César foram inscritos na tribo Sérgia e não na Galéria, à qual pertencem os olisiponenses.

José Cardim Ribeiro (1994b, pp. 76-77) realça por seu turno que actualmente supõe-se viável a atribuição a Olisipo do estatuto de municipium civium Romanorum enquadrado num programa esboçado por Júlio César e aplicado por Octaviano, cerca de 30 a. C. (1994, p. 77). Alarcão coloca, por seu turno, a dúvida entre Júlio César e Augusto antes do ano 27 a.C. (Alarcão, 1994, p. 76). Para Vieira da Silva (1939, p. 8) terá sido elevado a município romano com Júlio César, tal como para Lambrino (1953, pp. 32 e 44).

Este estatuto poderá eventualmente ter sido precedido de outro, sendo proposto por Vasco Mantas a possibilidade de um anterior oppidum civium Romanorum (1991, 353), hipótese igualmente partilhada por Cardim Ribeiro (1994c, p. 77) e contrariada por António Marques de Faria (1995, pp. 91-93, 2001, p. 353), que considera que a expressão oppidum empregue por Plínio corresponde noutros registos, como sejam os numismáticos, ao termo municipium.

Cardim Ribeiro realça porém que enquanto que o municipium implicava a administração de um território dependente da urbs, o oppidum civium Romanorum diria respeito apenas à urbs. O estatuto seria, no entanto, atribuído à urbs propriamente dita (ou oppidum) e não apenas à comunidade de cidadãos que nela vivia, o que poderia ter acontecido eventualmente com Decimus Iunius Brutus, no âmbito da figura jurídica conventus civium Romanorum, ou seja «assembleia de cidadãos romanos». Desta forma, considera teoricamente viável supor a existência de um conventus civium Romanorum em Olisipo já na segunda metade do séc. II a. C., a promoção como oppidum civium Romanorum em meados do séc. I a. C. ou mesmo um pouco antes, e a elevação a municipium civium Romanorum com Octaviano (Ribeiro, J, 1994, p. 77).

De acordo com Plínio, Olisipo era então o único município de cidadãos romanos na província da Lusitânia. Com efeito, os municípios de cidadãos latinos eram mais frequentes, oferecendo menos direitos aos novos cidadãos.

Há que distinguir então entre os municípios de direito romano (municipium civium Romanorum), como Olisipo, e os municípios de direito latino (municipium iuris Latini). Quanto a estes últimos, há ainda que distinguir os municípios com ius Latii maius (maior), e os com ius Latii minus (menor). Em 73 ou 74, Vespasiano outorga, como é transmitido por Plínio (NH, III, 30), o direito latino (ius Latii) a toda a Hispania (ius Latii, universae Hispaniae). Passa assim a haver nesta província três tipos de cidades: colónias e municípios de direito romano e municípios de direito latino, passando a haver, no que respeita aos cidadãos, cives latini e cives romani. O ius Latii era Latium minus, obrigando a passar por uma magistratura (honos) para que um indivíduo pudesse converter-se em cidadão romano. Logo, só as elites alcançam esse estatuto (Abascal e Espinosa, 1989, pp. 42-44). De todo o modo, no século II o benefício de se tornar um cidadão romano aumenta pelo facto de passar a haver equiparação do cargo de decurião ao de magistrado (D’Ors, 1953, p. 150).

Os municípios romanos como Olisipo eram antigas cidades não romanas, cujos habitantes eram colectivamente honrados com o direito de cidadania romana, obrigando a cidade a dotar-se das instituições inerentes à sua categoria de município de cidadãos romanos, como observamos no capítulo dedicado às instituições fundamentais do sistema de funcionamento dos municípios, renunciando ao seu esquema de administração próprio.

O município é sobretudo um conceito político, em que existe um vínculo de sujeição à capital do Império, e com autonomia na sua constituição interna. Para além disso, é também uma entidade jurídica, enquanto conjunto de cidadãos que se regem por leis próprias, que possui património, e que tem direito a eleger os seus magistrados, a exigir munera e a administrar bens próprios.

Dada a sobrevivência de algumas leis até aos nossos dias, é possível conhecer o funcionamento da administração municipal e das suas instituições, sendo de destacar quatro leis procedentes da Bética, nomeadamente de Urso (Osuna), que constitui o texto mais antigo, Salpensa (próximo de Utrera), Malaca (Málaga) e Irni (província de Sevilha). Estas leis, promulgadas pelo imperador com carácter permanente, reuniam as disposições legais pelas quais as cidades deviam organizar-se (Roldán Hervás, 2001, p. 407). Ainda que todas aparentemente tenham a sua base na Lex Iulia Municipalis, cada uma delas terá as suas especificidades (D’Ors, 1953, pp. 167-343).

Documentos relacionados