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Ao nos debruçarmos sobre os museus, é essencial que também mantenhamos um olhar voltado para a memória coletiva, afinal essas instituições lidam com este tema e funcionam com a finalidade de preservá-la. Estes espaços são provocadores das lembranças, rememorações e comemorações e podem incentivar as representações de épocas anteriores. Desta forma, a memória apresenta a característica desta atividade onde o presente se relaciona com os passados, ressignificando-os. Conforme definem Bernardina M. J. Freire de Oliveira e Carlos Xavier de Azevedo Netto,

Entende-se por memória aquele conjunto de eventos, fatos, personagens que, através da sua existência no passado, detêm experiências consistentes para o estabelecimento de uma relação da atualidade e o seu passado, quer imediato quer remoto. (OLIVEIRA; AZEVEDO NETTO, 2007, p. 32)

Outras duas características marcantes da memória são sua relação dialética com o esquecimento e a seletividade que lhe são inerentes. Para tentar evitar que o esquecimento seja mais eficaz do que a memória foram estruturados espaços que privilegiam a memória. No entanto, seguindo a mesma lógica da memória, nestes espaços a seletividade é encontrada e, desta forma, intensifica-se o esquecimento das demais memórias.

Na esfera da preservação da memória coletiva, a seletividade do lembrado e a condenação do esquecido alcançam posições de interesse ao poder, com quem passam a dialogar. Neste sentido, acrescentamos o pensamento de Paul Ricoeur (2007, p. 129) ao considerar a memória coletiva como ‘‘[...] uma coletânea dos rastros deixados pelos acontecimentos que afetaram o curso da história dos grupos envolvidos [...]”. Assim, escolher o que deve ser lembrado, muitas vezes de forma enaltecedora para favorecer interesses dominantes, e o que deve ser esquecido, fortalecendo esta dominação, é acontecimento frequente quando se trabalha com memória, comprometendo a formação da memória coletiva de determinados grupos. Segundo Fernando Catroga (2001, p. 19),“[...] se a memória é instância construtora e solidificadora de identidades, a sua expressão coletiva também atua como instrumento e objeto de poder, quer mediante a seleção do que se recordar, quer do que, consciente ou inconscientemente, se silencia”.

funções: simbólica, por representar uma recordação social, e informacional, pois apresentam provas da existência passada de determinados acontecimentos. A estes, além das funções explicitadas por Murguia (2010), Ana Lúcia Siaines de Castro (2002, p. 102) acrescenta a comunicacional e, realçando a importância social do museu, afirma que:

Dentre as chamadas instituições de memória, o museu tem um papel ímpar na sociedade moderna como mediador entre o público e o acervo, e de comunicador e produtor de discurso. A forma pela qual o público recebe o conteúdo e a mensagem da exposição proposta assegura e garante a legitimidade da função social do museu. Talvez seja essa a possibilidade de perceber que a associação entre museu, comunicação e informação configura-se tão estreita e legítima quanto a solidificação das instituições sociais.

Diante destas funções, os museus se tornam produtores, ou muitas vezes reprodutores, de discursos. Quanto à neutralidade do museu, Castro (2002, p. 108) esclarece que: “Definido na acepção básica de recolher, organizar, expor aquilo que deve ser mantido e preservado, o museu em seu perfil institucional não é um espaço neutro”. A autora ainda elucida que a origem das instituições-memória estaria relacionada com “a função de dar visibilidade ao poder constituído e de servir à instrução de seus cidadãos.” (CASTRO, 2002, p. 102).

Mais enfático quanto ao diálogo entre os museus e o poder, Loureiro, através de relações que efetua entre estes e o olhar foucaultiano, nos explica que o museu, de forma não coercitiva e, “operando organizadamente em bloco e de acordo com demandas conjunturais, será capaz de imputar uma postura controladora aos indivíduos na esfera social sem que se faça senti-la”. (LOUREIRO; SOUZA, [20?] p. 177).

Os museus, na condição de espaços de (co)memoração, lidam com interesses de poder e seus discursos, pois estes espaços de memória tanto influenciam como são influenciados. Impondo comportamentos, esquecimentos e realçando memórias, não estão isentos de controles estatais, direta ou indiretamente, e, da mesma forma de domínio de seus usuários.

Atualmente, o campo museal efetua tentativas de inserir o museu em discussões mais amplas e menos presas às histórias oficiais, considerando-o como espaço reflexivo. Para Figurelli (2011, p.15), “a mudança de paradigma da Museologia”, a partir da segunda metade do século XX, deslocando o foco do objeto para o indivíduo, reforça a característica social dos museus como elemento importante para o desenvolvimento social da população.

A contribuição/influência que o museu oferece não está restrita apenas à população, como “usuário externo”, mas também é fonte de desenvolvimento dos seus funcionários,

“usuários internos”, pois estes fazem uso, duplamente, da informação museal, uma vez que a utilizam com fins profissionais para produzi-la e, de modo simultâneo, também são consumidores desta informação, por serem indivíduos integrantes e partícipes culturais da sociedade na qual o museu está inserido. Nesta perspectiva de influências, quanto à contribuição social, Figurelli (2011, p. 2) ressalta que tal “capacidade pode ser potencializada junto aos diferentes públicos do museu, a começar pelo seu interior, cooperando para o desenvolvimento profissional, social e pessoal dos colaboradores que formam a equipe de um museu.” Em seus estudos, a autora constata que as informações compartilhadas com os ‘usuários internos’ repercutiram na comunicação entre eles, na rotina dos museus e no atendimento destes com os ‘usuários externos’, uma vez que passaram a trabalhar de modo mais consciente.

Neste sentido, a memória, a comunicação e a informação nos museus são compartilhadas e construídas não apenas por/para um tipo de usuário, mas por ambos os usuários, ‘internos’ e ‘externos’.