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4 AVALIAÇÃO COMO REGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM OU

4.2 Níveis de Avaliação

contundentes, como a exclusão dos estudantes e a perpetuação das desigualdades.

A própria escola corrobora com a exclusão, pois investe seus esforços para preparar os estudantes que respondem melhor e, no dia da prova, como relata Horta Neto (2013), deixam de fora os estudantes com mais dificuldades de aprendizagem para tentar obter scores mais altos nos testes padronizados das avaliações em larga escala, o que tira a chance de o aluno aprender e estreita o currículo.

Das avaliações internas à escola, somativa ou formativa, às avaliações externas e em larga escala, as funções se modificaram, assim como as concepções teórico-metodológicas foram se modificando, se perpetuando e se consolidando, ou sendo rejeitadas e descartadas ao longo de décadas. As avaliações, que deveriam ser para a aprendizagem dos estudantes e deveriam se retroalimentar dos dados a favor da formação integral, parecem ter se fixado apenas na verificação do desempenho, sendo apropriado dizer que temos mais avaliações da aprendizagem que avaliações para a aprendizagem.

Nesse amplo e complexo processo educativo, as avaliações podem ser elaboradas e aplicadas tanto internamente como externamente e em diferentes níveis, por isso não podem ser compreendidas como algo à parte na escola nem isoladas do contexto em que a escola está inserida (FREITAS et al., 2014).

colocação da avaliação como uma atividade formal ao final do processo, o que se dá em decorrência de uma visão linear do processo pedagógico: definição de objetivos, definição de conteúdos e métodos, execução do planejamento e avaliação dos estudantes (FREITAS et al., 2014). O que os autores propõem é uma visão com base em uma natureza dinâmica e contraditória das categorias do processo pedagógico, o que o levaria a ser organizado em dois “eixos interligados: objetivos/avaliação e conteúdo/método” (FREITAS et al., 2014, p. 14).

O que Freitas et al. (2014) pretendem é que se desvincule a avaliação da função de regular quais estudantes poderão continuar aprendendo e ter acesso a mais conteúdos, pois esse é o conceito de avaliação dominante na escola brasileira atual, que se volta a classificar e a selecionar. Ao substituir uma visão linear por uma visão dinâmica do processo pedagógico, a avaliação passa a ter a função de “orientar a inclusão e o acesso contínuo de todos a todos os conteúdos” (FREITAS et al., 2014, p. 17, grifo dos autores). Há que se considerar, também, que muito pouco se interfere no processo de ensino e na prática do professor, porque ele é o protagonista na sala de aula (SORDI, LUDKE, 2009). E para fazer a mudança proposta por Freitas et al.

(2014) é preciso desnaturalizar a ideia de que o trabalho pedagógico pertence apenas ao professor, ele não pode estar à parte do projeto da escola.

Nesse sentido, Freitas et al. (2014) abordam os eixos propostos para o processo pedagógico em que a avaliação está presente o tempo todo e orienta para a inclusão dos alunos e não para a exclusão. Quando assim o fazem, os autores consideram não apenas os objetivos escolares, das matérias ensinadas, mas também objetivos ligados à função social da escola no mundo atual, afinal a sala de aula se insere em um ambiente maior que é a escola (FREITAS et al., 2014). Os autores apontam que os objetivos pedagógicos das matérias podem encobrir os objetivos da escola, como podem ocultar a função social seletiva por meio das práticas pedagógicas e a avaliação é o instrumento legitimador dessa função e, por isso, o professor tem que estar em consonância com o projeto da escola.

Falar de mudança no processo pedagógico, deslocando seu planejamento linear para os eixos apontados por Freitas et al. (2014) não tem sentido se conteúdo/método continuarem submetidos ao eixo objetivos/avaliação, pois isso é o que tem acontecido até hoje em sala de aula e se reproduz nas avaliações em larga escala: o conteúdo se reduz à avaliação, perpetuando a função classificatória e seletiva das práticas pedagógicas e da escola. Por isso, segundo os autores, os dois

níveis de avaliação devem estar relacionados: a avaliação da aprendizagem e a avaliação institucional.

Se, na escola, a avaliação organiza o trabalho pedagógico, ela também expressa relações de poder, regula o acesso ao conteúdo e interfere no método de ensino escolhido para os estudantes. Basicamente, são os professores que conduzem os processos de avaliação, realizando testes padronizados, provas, atividades avaliativas, testes orais, tarefas sob supervisão do professor, feedback dentre outras atividades (FREITAS et al., 2014). Mas essa regulação exercida por meio da avaliação, embora ainda na mão dos professores, agora está dividida com o controle externo.

A regulação exercida pelo professor vai além das avaliações formais já pontuadas. O professor avalia informalmente também quando estabelece juízos de valor sobre os estudantes, sem utilizar os instrumentos e técnicas tradicionais. O professor julga as atitudes e comportamentos que influenciam decisões metodológicas e até resultados, criando imagens e autoimagens que contribuem para o fracasso ou sucesso escolar dos estudantes (FREITAS, et al., 2014). O juízo de valor estabelecido pelo professor está na base da avaliação informal e atrelado a ideologias e crenças. A avaliação informal, como ocorre em sala de aula, dá ao professor a possibilidade de manter seu poder de regulação. Para Freitas et al. (2014), é algo do âmago do professional e nenhum decreto chega até lá.

A escola é um sistema social complexo que se constitui por inúmeros sujeitos com concepções ético-políticas e técnico-operacionais distintas ou nem sempre afinadas. Daí a importância de um trabalho coletivo em torno de um projeto pedagógico que os envolva, mas isso acresce um nível de complexidade à avaliação, pois a escola precisa ser avaliada nos seus projetos, como destacam Sordi e Lüdke (2009).

A avaliação de sala de aula está interligada com a avaliação da instituição, pois não é possível estabelecer objetivos somente ligados às práticas pedagógicas, é preciso considerar a função da escola, daí a importância desse nível de avaliação.

Portanto, Freitas et al. (2014) definem avaliação institucional como um processo realizado pelo coletivo da escola e que faz a mediação entre a avaliação da sala de aula e a do sistema,

[...] com vistas a negociar patamares adequados de aprimoramento, a partir dos problemas concretos vivenciados por ela. Se a avaliação em larga escala

é externa, a avaliação institucional é interna à escola e sob seu controle, enquanto a avaliação da aprendizagem é assunto preferencialmente do professor em sua sala de aula. [...] A avaliação institucional é um processo de apropriação da escola pelos seus atores, não na visão liberal da

“responsabilização” pelos resultados da escola como contraponto da desresponsabilização do Estado pela escola, mas no sentido de que seus atores têm um projeto e um compromisso social, em especial junto às classes populares e, portanto, necessitam, além deste seu compromisso, do compromisso do Estado em relação à educação (FREITAS et al., 2014, p. 35-36, grifo dos autores).

Na visão de Freitas et al. (2014), a base da avaliação institucional é o PPP da escola, em que se integram as práticas pedagógicas e avaliativas dos professores e que, uma vez realizado pelo coletivo escolar, dará sentido aos resultados das avaliações internas e externas. Assim, tendo o compromisso com a função social da escola, os atores escolares podem estabelecer metas e formular demandas, porque possuem o conhecimento interno do seu local de trabalho.

Freitas et al. (2014) entendem que a escola teria, nessa abordagem, a oportunidade de assumir a regulação “para o bem”, para a inclusão dos alunos e sua emancipação, pois, por meio da avaliação institucional, o coletivo tornaria a escola uma instituição reflexiva que, a partir dos problemas identificados, promoveria o aprimoramento, as demandas e as metas, guiado pelo PPP em uma transformação reversa, não do órgão central para a ponta, mas a partir da escola. Seria o que Freitas et al. (2014) chamaram de contrarregulação.

A avaliação de sistema, também chamada de avaliação externa ou em larga escala, como a Prova Brasil, é um instrumento para “acompanhamento global de redes de ensino com o objetivo de traçar séries históricas do desempenho dos sistemas, que permitam verificar tendências ao longo do tempo, com a finalidade de reorientar políticas públicas” (FREITAS et al., 2014, p. 47). Refere-se à aferição padronizada do rendimento dos estudantes, que pode ser realizada no âmbito nacional ou estadual (BARRETTO et al., 2001).

As avaliações em larga escala rompem com as fronteiras de sala de aula e com o foco exclusivo no aluno além de buscarem reunir subsídios e protagonizarem a indução das escolas a determinado padrão de qualidade (SORDI; LÜDKE, 2009).

Elas ocorrem em nível federal e estadual no Brasil e, segundo Freitas et al. (2014), com a ilusão de que com elas se pode avaliar a escola e os professores. Mesmo que, para os autores, não se possa dispensar os processos avaliativos em larga escala porque se trata de uma política de Estado, pode-se, sim, discordar da forma como o governo quer conduzi-las.

Decorrente de políticas neoliberais, as avaliações em larga escala geram inúmeros relatórios e estatísticas sobre eficácia das escolas, com a pretensão de informar de maneira comparativa e classificatória a posição das unidades escolares no cenário educacional (SORDI; LÜDKE, 2009). Por ser uma política de Estado e uma regulação sobre a educação, a avaliação é centralizada, o que deixa poucas possibilidades de envolvimento dos professores nos processos de formulação, implicando outro erro.

As políticas de avaliação centralizadas se esquecem que não basta o dado do desempenho do aluno ou do professor coletado em um teste ou questionário e seus fatores associados. É preciso que o dado seja

“reconhecido” como “pertencendo” à escola. Medir propicia um dado, mas medir não é avaliar. Avaliar é pensar sobre o dado com vistas ao futuro. Isso implica a existência de um processo interno de reflexão nas escolas [...]

(FREITAS et al., 2014, p. 48, grifos do autor).

Freitas et al. (2014) entendem que a avaliação, tendo, além do aspecto técnico, o aspecto político, encontraria maior legitimidade técnica e política no nível municipal. Não centralizada no poder público municipal, mas com maior participação dos professores especialistas do nível local, constituindo-se, para tanto, um conselho gestor de avaliação conduzida por Conselhos Municipais, com uma comissão técnica de elaboração participativa e democrática.

Mas, ao contrário do que deveria ser, a avaliação em larga escala, externa à escola e centralizada, no Brasil, segundo Freitas et al. (2014), tem a tendência de querer avaliar a sala de aula. O que os autores defendem é que a avaliação de sistema, ou em larga escala, embora seja um instrumento importante para monitorar as políticas públicas, deve se articular com a avaliação institucional e de sala de aula.

Não basta enviar os dados e os resultados, a avaliação institucional deve fazer a mediação e dar subsídios para avaliação em sala de aula. Com a interação entre os três níveis, a avaliação sairia do lugar de regulação da aprendizagem para a regulação para a aprendizagem, onde o que se quer realmente é a aprendizagem e não somente um resultado satisfatório que pode advir de estratégias que prescindam de aprendizagem real.

Sem esse mecanismo de mediação e reflexão, não haverá legitimidade política, só técnica. E, assim, corre-se o risco de manutenção dos mesmos níveis de desempenho das crianças e jovens, que, embora avaliados, continuam sem aprender.

Na verdade, para Sordi e Lüdke (2009), nessa perspectiva, o ciclo virtuoso da avaliação não se completa porque os inúmeros relatórios e dados são esquecidos e

não explorados, ou apropriados, por professores, estudantes, famílias e gestores. Mas nem por isso as avaliações deixam de gerar políticas e de regular as escolas.

O que decorre disso, observam Sordi e Lüdke (2009), é que gestores e professores se comportam como estudantes quando recebem as notas das provas.

Idolatram a nota. Se é boa há comemoração e se é ruim há desqualificação. É essa idolatria que faz com que a escola passe a buscá-la, mesmo que discursivamente haja contestação, e os meios para obtê-la passam a ser justificados pelos fins (SORDI;

LÜDKE, 2009). Nesse ponto observamos que a avaliação formativa perde a vez para a avaliação somativa, ou pelo menos fica em segundo plano. E o professor que regulava o processo de aprendizagem do aluno agora sofre os impactos da macrorregulação e, em muitos casos, passa a adequar os meios aos fins, que são as metas estabelecidas, dando espaço para uma avaliação como regulação da aprendizagem e não para a aprendizagem.

Na cultura avaliativa classificatória, o professor que mais reprovava era considerado o melhor professor, pois tinha nas mãos o poder de regular o acesso dos estudantes aos próximos conteúdos. Na primeira semana de aula, já levantava as informações sobre os alunos e emitia em tom profético a lista daqueles que não conseguiriam aprovação. Agora, ele também é um expectador, aguardando a nota final, pela qual será parabenizado ou responsabilizado.

As avaliações em larga escala tomaram conta do cenário educacional brasileiro, tornaram-se políticas públicas e criaram uma cultura nas escolas. Mas, há décadas essa política vem sendo implementada e aos poucos foi se consolidando nos sistemas, nas escolas e na educação brasileira, especialmente na Educação Básica, com a Prova Brasil e o IDEB. E esse é o ponto de virada em que a avaliação formativa cede espaço à avaliação somativa, que nunca deixou de coexistir nos ambientes escolares, como veremos mais à frente.

Da avaliação da sala de aula à avaliação do sistema, o que podemos observar é que, em geral, as avaliações tendem a se dividir distintamente em: avaliação formativa com caráter de avaliação para a aprendizagem, porque estabelece princípios de regulação sobre o ensino de forma a contribuir para que o aluno aprenda e acesse novos conteúdos; e avaliação somativa de caráter classificatório e seletivo, que se relaciona à regulação sobre quem terá oportunidade de continuidade na escolaridade ou não.