• Nenhum resultado encontrado

Como fato histórico, a independência do Brasil tem sido exaustivamente estudada e discutida a partir de seus aspectos políticos, econômicos, sociais e militares. Aos historiadores do Jornalismo brasileiro, no entanto, sempre interessou desvendar como se deu a mobilização popular para esse evento e que papel tiveram os jornais nessa mobilização.

A ainda incipiente imprensa brasileira foi responsável por fazer com que a questão da independência ganhasse importância fundamental entre a elite da época, polemizando, doutrinando e elegendo os temas que deveriam merecer a atenção dos brasileiros diante do iminente e inevitável rompimento com Portugal.

O fim da censura prévia decretada pelo governo provisório instaurado pelos constitucionalistas do Porto, em 1820, fez surgir uma quantidade razoável de publicações, principalmente no Rio de Janeiro. Jornais e panfletos passaram a circular livremente, apoiando ou combatendo as medidas que garantiam ao Brasil manter sua condição de Reino Unido a Portugal ou de tornar-se independente.

Nesses veículos, prevalecia o caráter ideológico, extremamente combativo, numa linguagem que muitas vezes beirava a agitação, virulenta e despudorada. Xingamentos, calúnias, ofensas pessoais e até mesmo o deboche por conta de defeitos físicos ou de caráter dos adversários eram comuns e faziam a alegria dos leitores.

A linguagem, tanto dos jornais de oposição quanto dos governistas, era em geral extremamente agressiva e virulenta, marcada que estava pela paixão dos debates e das polêmicas. A agressividade da imprensa – seja

oposicionista ou governista, liberal ou conservadora – era reflexo do clima de exaltação e luta que marcou o processo da independência e o primeiro reinado (RIBEIRO, 2007:2).

Mas a garantia da liberdade de expressão era ainda muito precária, pois à medida que as discussões em torno da nova constituição avançavam ficava claro que esse era um tema em que não haveria solução consensual.

A relação tumultuada que se estabeleceu entre o príncipe regente e as cortes constituintes portuguesas acabou por ampliar a inquietação política no Brasil. Em resposta às insistentes tentativas de Lisboa em fazer com que D. Pedro acatasse as decisões ali tomadas, o príncipe convocou uma assembleia constituinte e legislativa para o Reino do Brasil. Esta iniciativa gerou enorme comoção e acirrou os ânimos entre os que defendiam as medidas do príncipe e aqueles que queriam manter os privilégios de Portugal.

E foi por meio da imprensa que esse confronto ganhou dimensões até então inimagináveis. O caráter artesanal e o modelo de produção dos jornais que se multiplicaram no Brasil exigiam pouco investimento. Além disso, tinham periodicidade bastante irregular. Não havia, portanto, grandes empecilhos a que se publicassem jornais com os mais diferentes propósitos e seguindo as mais diversas tendências políticas.

A irregularidade e efemeridade da imprensa desse período dizem respeito ao seu próprio papel social. Como estavam ligados às lutas do seu tempo, os jornais seguiam a dinâmica dessas lutas. Eram guiados, portanto, por uma lógica conjuntural. Os periódicos apareciam e desapareciam conforme os conflitos nos quais estavam envolvidos iam se configurando ou reconfigurando (RIBEIRO, 2007:2).

Apesar de tais condições, a imprensa cumpriu um papel decisivo no processo de independência, abrindo um espaço para a discussão das relevantes questões que envolviam o futuro das relações entre Brasil e Portugal. Destacam-se nesse universo os periódicos O Conciliador do Reino Unido, de Cairu (que inicialmente pregava a manutenção do Reino Unido e dos laços entre Brasil e Portugal); O

Espelho (criado em outubro de 1821) do qual era colaborador o próprio príncipe

regente, cujos textos eram pontuados por palavrões, acusações e deboches; o

Revérbero Constitucional Fluminense (de setembro de 1821); A Malagueta, cujo

português Luiz Augusto May, um feroz oposicionista ao príncipe regente e que acabou com a mão esquerda deformada num atentado de que foi vitima.

Depois de ganhar espaço na corte, no Rio de Janeiro, a imprensa alcança outras províncias importantes, dentre elas Bahia, Pernambuco, São Paulo, Maranhão, Pará e Rio Grande do Sul. Em Minas Gerais, O Compilador passa a ser publicado em 1823, seguido, algum tempo depois pelo Precursor das Eleições, ambos circulando em Ouro Preto, então capital da Província.

Em 7 de novembro de 1825 nasce aquele que viria se transformar no mais antigo jornal diário em circulação no país e na América Latina: O Diário de

Pernambuco. Fundado pelo tipógrafo Antonino José de Miranda Falcão, começou a

circular divulgando anúncios sobre venda e locação de imóveis, achados e perdidos e leilões. Com o tempo, o Diário de Pernambuco passa a publicar atos oficiais e ganha, assim, equilíbrio financeiro e certa independência editorial.

Em 1827, no Rio de Janeiro, surge outro jornal que tinha por objetivo manter- se equidistante das diversas correntes políticas e, assim, assegurar sua independência editorial. Em pouco tempo o Jornal do Commercio torna-se o mais importante periódico do país e, pela primeira vez, temos um jornal próximo ao modelo do jornalismo comercial, independente, lucrativo, que já predominava nos Estados Unidos e nos países centrais da Europa.

O Jornal do Commercio do Rio de Janeiro é de 1º de outubro de 1827 e mais um exemplo de imprensa independente que encontra espaço em meio às publicações predominantemente oficiosas, e provisórias, dessa fase. Sucede o Diário Mercantil e o Spectador Brasileiro, como resultado de uma manobra política e comercial do seu fundador, o impressor Pierre Plancher- Seignot (BAHIA, 1990:39).

Muitos outros jornais vão surgir e desaparecer nesse período. A maioria absoluta mantendo as características de veículos políticos, ideológicos, instrumentos de divulgação de facções políticas. Quase todos acreditavam que tinham uma missão iluminista, educativa e que participavam da construção de uma nova sociedade.

Os jornais surgidos no Brasil entre 1821 e 1823, período de intenso debate político, de radical transformação das instituições, com mais razão ainda nasciam impulsionados por esse espírito [instruir e influenciar]. Seu propósito, segundo declaram quase sempre no editorial de estreia, seria o

de preparar o povo para o regime liberal que se inaugurava (LUSTOSA, 2000:29).

E que impacto causaram esses jornais numa população que até então vivera dominada pelo absolutismo político legitimado pelo dogmatismo religioso. Foram esses periódicos efêmeros, precários, quase artesanais e seus redatores que familiarizaram o cidadão comum com as ideias e os conceitos iluministas, fundamentais para que participasse do debate político que se desenvolveria a seguir, com a assembleia responsável por redigir a primeira constituição brasileira.

E assim, nesse mesmo momento histórico, estabelece-se na cultura política brasileira o papel do intelectual, do homem de letras, aqueles que acabariam por constituir uma nova aristocracia que se sentia obrigada a participar e a interferir no processo político. Jornalistas que acreditavam estar destinados a cumprir uma missão.

(...) permeando todo o debate sobre o liberalismo, nesse novo momento em que a política se tornava pública, evidencia-se a preocupação de formar uma opinião pública, por parte da elite intelectual, especialmente dos autores dos folhetos e jornais. Nesses escritos, surgia como ―dever do cidadão‖, isto é, daquele que escrevia, ―dirigir a opinião pública, e levá-la, como pela mão, ao verdadeiro fim da felicidade social‖ (NEVES, 2002:56).

Citando Antônio Candido, Lustosa (2000) observa que ―o intelectual considerado como artista cede lugar ao intelectual considerado como mentor da sociedade, voltado para a aplicação prática das ideias. A imprensa foi o meio privilegiado de sua ação‖ (LUSTOSA, 2000:33).

Durante o reinado de Pedro I imprensa e jornalistas viveram sob constante ameaça, vítimas de perseguições e de atentados, a exemplo do que feriu Luis Augusto May e matou Líbero Badaró, assassinado em São Paulo, em 1830. Esse cenário só se altera quando o imperador começa a perder o controle da situação.

1.6 SEM O IMPERADOR O BRASIL AVANÇA E O JORNALISMO ENTRA EM