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O reinado de D. Pedro I foi marcado pela efervescência política. E nem poderia ser diferente. O Brasil apenas começava a sua existência como nação soberana e suas instituições ainda não dispunham da força necessária para canalizar e dar vazão às notáveis divergências entre os grupos políticos que se

organizavam. Além disso, o jovem imperador era voluntarioso e impaciente, pouco propenso a negociar e sempre pronto a responder, muitas vezes de forma desproporcional, aos ataques de seus opositores.

No cenário político, além de visões de mundo bastante diferentes, havia uma enorme diversidade de grupos de interesses que tentavam garantir espaço de representação política e a manutenção de privilégios econômicos. O embate era constante e os jornais, panfletos e outros impressos eram o campo de batalha mais comum, acessível e permanentemente disponível.

A produção da notícia obedecia a rotinas que envolviam um número reduzido de pessoas. O mais comum era que o jornal fosse redigido por apenas uma pessoa, que definia a pauta e produzia os artigos. E ainda, cabia a esse indivíduo buscar o financiamento que garantisse a impressão e a distribuição.

Eram, portanto, veículos artesanais, limitados em seu alcance e, por isso mesmo, de duração efêmera.

O próprio Hipólito se queixaria nas páginas do Correio do enorme trabalho que tinha para publicá-lo, das despesas e da necessidade de desenvolver, paralela à atividade jornalística, alguma outra que lhe garantisse o sustento da família (LUSTOSA, 2003:55).

Isso fazia com que a imprensa brasileira tivesse características que já não se viam nos jornais europeus do mesmo período. A precariedade técnica e financeira eram aspectos comuns a quase todos os impressos. E a ação e a atitude dos que produziam esses jornais eram muito parecidas, variando tão somente os interesses que se achavam envolvidos. A figura e a ação do jornalista eram, quase sempre, resultado de um engajamento político. Suas origens e formação obedeciam a um determinado padrão, que incluía funcionários públicos e religiosos.

Muitos padres acumulariam a condição de eclesiásticos e de funcionários públicos e de jornalistas. A redação da Gazeta do Rio de Janeiro era uma mistura de redação propriamente dita com repartição pública e claustro, não só por conta do grande número de funcionários públicos e padres que nela escreviam como por, apesar de se classificar como um empreendimento de particulares, funcionar numa secretaria de governo (LUSTOSA, 2003:57).

Com raríssimas exceções, esse era o quadro representativo da imprensa e dos jornalistas logo após a independência e durante os anos tumultuados que marcariam o reinado de Pedro I.

Em maio de 1822, quase quatro meses antes da declaração de independência, o então príncipe regente, D. Pedro, convocou uma Assembleia Constituinte, a primeira da nossa história, com o objetivo de elaborar e aprovar o documento que faria do Brasil uma monarquia constitucional.

Os eventos que se seguiram à declaração da independência fizeram com que os constituintes, representando 14 das 19 províncias, só tomassem posse em 1823. Era uma assembleia formada, unicamente, por representantes mais abastados da sociedade brasileira da época.

Na composição da Assembleia entraram as pessoas das classes sociais mais elevadas da sociedade da época: bacharéis, padres, magistrados, grandes proprietários de terras, funcionários públicos, militares, médicos, etc. (...) Os nomes de maior prestígio eram os de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, seus irmãos José Bonifácio e Martim Francisco, seguidos de José da Silva Lisboa, Francisco Jê Acaiaba Montezuma, o marquês de Barbacena, José Martiniano de Alencar, Muniz Tavares, Carneiro da Cunha, Nicolau de Campos Vergueiro e outros (DEIRÓ, 2006:13).

Desde o início, as tendências absolutistas do imperador foram responsáveis por uma tensão constante entre os constituintes. Os jornais, principalmente os que estavam ligados à família Andrada, O Tamoio e A Sentinela da Liberdade à Beira-

Mar na Praia Grande, denunciavam o envolvimento de Pedro I com grupos de

portugueses, acusando-os de planejar a volta do Brasil à condição de colônia de Portugal.

Fiel ao seu temperamento, o imperador dissolveu a Assembleia em novembro de 1823, prendendo muitos de seus membros e impondo a censura aos jornais ligados ao grupo político dos Andradas. Convocado por D. Pedro, um grupo de notáveis elabora um projeto de constituição que é promulgada pelo imperador em 25 de março de 1824 e que traz, como elemento marcante, a instauração do Poder Moderador.

A constituição de 1824, a primeira do Brasil, refletiu o ambiente político instável que se observava no país logo depois de proclamada a independência. Na condição de figura central desse processo, e por conta de sua visão de mundo construída num ambiente político marcado pelo absolutismo, D. Pedro I não poderia deixar de interferir e de procurar fazer valer seus interesses na institucionalização do Estado brasileiro.

A influência da cultura europeia junto à elite brasileira levaria, naturalmente, ao estabelecimento de uma carta constitucional que se amparasse na independência e no equilíbrio entre os poderes, o que completaria a transição do Estado absolutista para o Estado liberal. Mas não foi exatamente assim que as coisas ocorreram.

A insistência do imperador em garantir a prevalência do Poder Moderador sobre os demais poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), levaria a uma profunda crise política, que somada às dificuldades econômicas que assolaram o país logo após a independência gerariam a primeira grande crise institucional, culminando com a abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831.

Assim, nascida nesse período da história marcado pela transição do Estado absolutista para o Estado liberal e pela constitucionalização de direitos, e, principalmente, elaborada em período imediatamente subsequente à independência do Brasil, a Constituição do Império revelou um enorme progresso em termos de direitos fundamentais e demais garantias, mas também foi marcada por profundos antagonismos, (...) podendo-se afirmar que a nossa primeira Carta Magna era ao mesmo tempo antiga e moderna. De fato, a primeira Constituição brasileira era antiga porque constitucionalizou a chamado Poder Moderador, que se situava acima dos demais Poderes e conferia ao Imperador capacidade de agir quase que ilimitadamente, seguindo o modelo absolutista do qual a Europa tentava se libertar (VAINER, 2010:162/163).

O jornalismo, apesar de todos os problemas estruturais que experimentava naquele momento (atraso tecnológico, carência de recursos financeiros, subordinação aos interesses políticos), teve papel fundamental nesse processo de transição, contribuindo com a proposição dos temas mais importantes para a consolidação do país, dando origem a uma nova dimensão para a luta política: uma opinião pública que se pretendia capaz de interferir na construção do poder.

E são os próprios jornais, em sua ação didática, iluminista, que passam a se preocupar em definir o que seria esse conceito de opinião pública, seus efeitos e sua importância para os destinos do país. Morel e Barros (2003:30) reproduziram a definição de opinião pública apresentada pelo jornal oposicionista Nova Luz

Brasileira, no seu nº 21, de 19 de fevereiro de 1830:

O que é – opinião pública - é o modo de pensar expresso e uniforme de mais da metade de um Povo sobre qualquer objeto: daqui vem a influência, poder e direção que dá a todos os negócios: sua vitória é sempre certa: desgraçado daquele que lhe faz oposição.

O período imediatamente posterior à abdicação de Pedro I registraria um aumento exponencial no número de periódicos (jornais e revistas), além de panfletos, folhas volantes, cartazes e todo e qualquer veículo capaz de exprimir opinião, fenômeno relacionado ao aumento da luta pelo espaço político. É possível perceber nesse caso a importância que o jornalismo ganha num país de estruturas ainda arcaicas, no qual a maior parte da população se achava alijada das discussões e decisões políticas.