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O rumor das ideias liberais surgidas no Porto, em 1820, finalmente chegara ao Brasil. Algumas províncias, entre elas o Pará e a Bahia, aderiram à revolta, exigindo que se ampliassem os direitos dos cidadãos portugueses e brasileiros, o que deixou D. João VI numa situação bastante delicada.

Como era do seu feitio, o rei deixou-se levar pela ilusão de que tudo afinal se arranjaria. Quando resolveu agir, o fez de maneira inadequada, que teve como único mérito desagradar a todos: brasileiros e portugueses. Determinava, por meio de

decreto, que D. Pedro retornasse sozinho a Portugal, porém sem poderes para jurar a constituição, ao mesmo tempo em que convocava uma assembleia no Brasil e nas ilhas portuguesas com o objetivo de protelar qualquer outra decisão (COSTELLA, 1970:37).

Vencido pela pressão do movimento revolucionário, D. João VI finalmente decide voltar a Portugal e jurar a constituição que se preparava. Partiu descontente, certo de que a independência do Brasil era uma questão de tempo. Não havia como evitá-la. No dia 26 de abril de 1821 o rei abandona o Brasil, convencido de que jamais voltaria a ser tão feliz quanto o fora naqueles tempos em que vivera na ―mui leal e heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.‖

Deixava para trás um país completamente mudado, que o acolhera com tanta alegria treze anos antes e no qual o processo de independência era já previsível e inevitável. Tão certa era essa possibilidade que (...) chamou o filho mais velho e herdeiro da coroa, então com 22 anos, para uma última recomendação: ―Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, que para algum desses aventureiros‖ (GOMES, 2007:319).

Em pouco mais de uma década o Brasil havia mudado tão profundamente que jamais aceitaria voltar à condição de colônia de Portugal. E o responsável por grande parte dessa mudança foi, sem dúvida, o Rei D. João VI.

A maioria dos historiadores registra a importância que o período joanino teve para o Brasil, principalmente para o processo de independência. Sem ele, provavelmente o país teria se fragmentado, a exemplo do que ocorreu na América espanhola, mantendo como único elemento de ligação a língua comum (Ibidem:326).

Investido ainda nos poderes de príncipe regente, em 28 de agosto de 1821, D. Pedro de Alcântara liberou totalmente a imprensa da censura, colocando em plena vigência os artigos específicos votados pela assembleia portuguesa.

Tomando S.A. Real em consideração quanto é injusto que, depois do que se acha regulado pelas Cortes Gerais Extraordinárias da Nação Portuguesa sobre a liberdade de imprensa, encontrem os autores ou editores inesperados estorvos à publicação de escritos que pretenderem imprimir, é o mesmo Senhor servido mandar se não embarace por pretexto algum a impressão que se quiser fazer de qualquer texto escrito, devendo somente

servir de regra o que as mesmas Cortes têm determinado sobre este objeto.11

Apesar de todas as iniciativas no sentido de estabelecer a liberdade de imprensa no Brasil, D. Pedro não conseguiu livrar-se de suas tendências políticas, filho que era de uma família de absolutistas que temiam qualquer tipo de liberdade, principalmente a liberdade de expressão.

O historiador Hélio Vianna registra que, por conta das mudanças institucionais levadas a efeito em Portugal durante a Revolução do Porto, a imprensa política no Brasil surge, de fato, em 1821, apesar de haver jornais impressos e circulando no país desde 1808. Pela primeira vez em nossa história não há nenhuma restrição legal à expressão do pensamento (BAHIA, 1990:17).

A expansão do periodismo no mundo luso-brasileiro em 1821, o seu ano áureo, pode ser considerada semelhante àquela a que a França assistiu no período da Revolução de 1789 (...) Em Portugal, naquele ano [1821], surgiram cerca de 39 novos jornais, quase sempre publicados em Lisboa, Porto e Coimbra (NEVES, 2002:49).

A partida de D. João VI e a elevação do príncipe D. Pedro à condição de Príncipe Regente vão provocar uma inquietação política e um intenso debate público que se traduzirá no surgimento de periódicos brasileiros, que livres da censura prévia darão voz às diferentes correntes políticas que começam a se organizar no país. É o jornalismo participando da formação política do país.

A consciência de emancipação nacional mobiliza o Brasil de ponta a ponta. A imprensa é o elemento que faltava na composição de forças, de anseios e de aspirações voltados para a independência, para um ato de afirmação da autonomia. Nela o jornal político se projeta, seja em veículos efêmeros, alternativos, seja nos estáveis, regulares (BAHIA, 1990:35).

Geralmente esses periódicos eram redigidos por funcionários públicos ou por pessoas ligadas, de alguma maneira, ao governo e pregavam a continuidade dos laços entre Portugal e Brasil. Tiravam poucos exemplares e se atribuíam a missão de educar o povo para um novo momento político que surgia com a instauração de um regime constitucional.

Além da Gazeta do Rio de Janeiro e do Correio Braziliense, passam a circular na corte outros periódicos, como O Conciliador do Reino Unido, O Bem da Ordem, O

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Amigo do Rei e da Nação, que vão constituir o que Antônio Cândido denominou de

―o ciclo literário de preito ao Rei‖, em que a figura de D. João VI e os demais membros da família real eram constantemente homenageados (CANDIDO apud LUSTOSA, 2000:102).

E com essas publicações surgem os primeiros jornalistas brasileiros, que além de redigir preocupavam-se com a impressão e a distribuição dos jornais. Nessa primeira geração de jornalistas brasileiros destaca-se a figura de José da Silva Lisboa, a quem José Bonifácio (o ―Patriarca da Independência‖) só chamava de ―fração de gente‖, por conta de sua compleição franzina e frágil, mas que passaria à história do Brasil como o ―Visconde de Cairu‖, um dedicado servidor da Coroa portuguesa e do Império brasileiro.

Nascido em Salvador em 1756, Cairu era filho de um arquiteto português e de uma brasileira. Estudou em Coimbra, onde se formou em direito canônico e filosófico. Lecionou hebraico, grego e filosofia moral na Bahia, sendo indicado para o cargo de deputado da Mesa de Inspeção da Agricultura e Comércio da Bahia, o que lhe fazia responsável pela aplicação da política econômica portuguesa na colônia (MONTEIRO, 2008:1).

Cairu teve papel fundamental no episódio de abertura dos portos quando da passagem de D. João VI por Salvador, na viagem que o levaria até o Rio de Janeiro, em 1808. Publicou livros importantes como Princípios de Direito Mercantil e

Princípios de Economia Política. Foi o primeiro brasileiro a redigir e publicar um

jornal de sua propriedade, O Conciliador do Reino Unido, cujo primeiro número saiu em 1º de março de 1821, no Rio de Janeiro. O que chama a atenção para este fato é que, à ocasião, Cairu era um dos responsáveis pela censura da Impressão Régia (LUSTOSA, 2000:101).

E no período que antecede à declaração de independência – e mesmo depois, já na condição de imperador do Brasil, o próprio príncipe se envolverá na publicação de vários desses periódicos, tornando-se um panfletário apaixonado, que procura defender suas posições esgrimindo a pena em artigos de linguagem forte, sem nenhum tipo de malabarismo retórico, sem nenhuma piedade de seus inimigos.

Coube, assim, à Regência do Príncipe Real D. Pedro de Alcântara, iniciar, no Rio de Janeiro, as relações de nosso governo com os primeiros periódicos políticos aqui fundados e que tanta importância tiveram na preparação do movimento de opinião de que resultou a separação dos Reinos de Portugal e Brasil, com a nossa independência e a instauração do Império (VIANNA, 1967:33).

O futuro imperador tornou-se um polemista que não perdia oportunidade de criticar e ridicularizar seus desafetos, respondendo com veemência os ataques e opiniões contrárias publicadas nos jornais da corte. E o fazia utilizando-se de vários pseudônimos, como ―P. Patriota‖, ―Ultra-Brasileiro‖ e ―O Inimigo dos Marotos‖; ou simplesmente o fazia de forma anônima, como no panfleto Carta escrita pelo

Sacristão da Freguesia de São João de Itaboraí ao Reverendo Vigário da mesma Freguesia, narrando os acontecimentos dos dias 9 e 12 de janeiro deste ano, no

qual dava sua versão para o episódio do ―Fico‖.

As incursões de D. Pedro pelo jornalismo político demonstram bem as dificuldades que Portugal enfrentava para manter unidos os dois reinos. Se os próprios portugueses se achavam divididos, como esperar que mantivessem o controle sobre o Brasil tão diverso e ávido por liberdade. Para Sérgio Buarque de Holanda, o processo de independência do Brasil pode ser atribuído muito mais a uma verdadeira guerra civil entre os portugueses do que à mobilização de brasileiros por sua liberdade (HOLANDA apud GOMES, 2007:331).

A declaração de independência em setembro de 1822 não extingue a agitação política. Ao contrário: apesar de se declarar um amante da liberdade (criticando, em algumas ocasiões, o racismo e a escravidão)12, o novo imperador não lidava bem com a crítica e com a oposição às suas ideias.

O jovem príncipe que se rebela contra Portugal e assegura a independência do Brasil é o mesmo imperador que logo depois dá um golpe dissolvendo a Assembleia Constituinte, permitindo que o absolutismo ainda encontrasse abrigo em nosso país. Antonio Costella transcreveu a justificativa do imperador para a dissolução da Assembleia:

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O historiador Hélio Vianna reproduz a narrativa do próprio D. Pedro sobre os festejos relativos ao Dia do Fico. “(...) eu aflijo-me de ver os meus semelhantes dando, a um homem, tributos próprios à Divindade. Eu sei que o meu sangue é da mesma cor que o dos negros.” (VIANNA, 1967:18)

Havendo eu convocado, como tinha direito de convocar, a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, por decreto de 3 de junho do ano próximo passado; afim de salvar o Brasil dos perigos que lhe estavam iminentes: e havendo esta Assembleia perjurado ao tão solene juramento que prestou à nação de defender a integridade do Império, sua independência e a minha dinastia. Hei por bem, como imperador e defensor perpétuo do Brasil, dissolver a mesma Assembléia (COSTELLA, 1970:53).

E coerente com esse comportamento próprio dos Bragança, ele traria de volta, mais tarde, a censura prévia, numa tentativa de conter seus opositores que utilizavam a imprensa para censurá-lo e questionar suas ações políticas.

1.5 NA GUERRA PELA INDEPENDÊNCIA O JORNAL SE TRANSFORMA EM