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4.2 OS CONTEÚDOS DE HISTÓRIA NATURAL/ BIOLOGIA DOS LIVROS

4.2.1 Nacionalismo, Eugenia e Botânica

Na década de 1930, a partir de um programa estatal, o ensino da disciplina escolar História Natural em Pernambuco foi marcado por conteúdos que apresentavam filiações aos movimentos nacionalistas e eugenistas, além de uma discreta valorização dos conhecimentos botânicos.

O programa de História Natural expedido em 1931 pelo Ministério da Educação e Saúde Pública estabelecia conteúdos de Botânica, Zoologia, Mineralogia, Geologia (para a 3ª, 4ª e 5ª séries) e História da Terra (apenas na 5ª série). Valdemar de Oliveira seguiu os programas definidos no Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931, para estabelecer os conteúdos de ensino e a sua ordem.

Ao programa oficial, Valdemar acrescentou pequenos blocos de conteúdos nas primeiras páginas de "História Natural: para a terceira série": "Generalidades", "Diferenças entre seres vivos e brutos" e "Diferenças entre animais e vegetais" (OLIVEIRA, 1939, p. 11-22). Dessa forma, parecia haver no autor a intenção de introduzir os conteúdos de História Natural a partir de informações circunscritas na Biologia Geral, demonstrando uma equivocada independência na abordagem dos temas.

De forma geral, os conteúdos de Botânica, Zoologia, Mineralogia e Geologia eram apresentados de maneira descritiva e classificatória (Livros A1, A2 e A3 - Apêndice C), com uma valorização dos aspectos utilitários sobre os recursos naturais, aspecto comum para os livros de História Natural do início do século XX.

Para a Botânica, houve uma preocupação em tratar dos diversos usos das plantas: "Utilização dos vegetais e seus produtos" (OLIVEIRA, 1939, p. 89), organizando os conteúdos a partir das principais estruturas anatômicas (raízes, caules, folhas, flores, frutos e sementes), valorizando toda a parte descritiva apresentada anteriormente. Essa mesma abordagem utilitarista foi proposta para a Zoologia: "Utilização dos animais e dos seus produtos" (OLIVEIRA, 1939, p. 201), destacando o emprego dos animais a partir de tipos, como: boi, cavalo, burro, cão, carneiro, cabra, porco, aves, peixes e insetos. Para a Mineralogia e Geologia, no capítulo final desses ramos, o conteúdo era trabalhado a partir do seu valor econômico (OLIVEIRA, 1939, p. 233 e p. 279; OLIVEIRA, 1941, p. 253).

Essa valorização das riquezas naturais atribuiu um caráter nacionalista aos livros didáticos. Santos (2013) também percebeu esse posicionamento nacionalista nos "Compêndios Brasileiros de Biologia", de Cândido de Mello-Leitão (década de 1940), por apresentar pesquisas científicas realizadas no Brasil e por valorizar plantas e animais nativos. Esse tipo de postura está possivelmente associada a uma busca por prestígio junto ao governo da época, apoiando o Estado Novo na construção de uma cultura cívica (COSTA; SHIMITZ; REMEDI, 2017). Nessa perspectiva, os livros de História Natural de Valdemar de Oliveira também contribuíram como um mecanismo político-ideológico, valorizando a construção de uma identidade brasileira por meio da educação e enaltecendo as riquezas naturais.

Além desse aspecto utilitarista, havia na proposta disciplinar dos conteúdos de Zoologia a apresentação de temas relacionados à Antropologia, estabelecendo critérios classificatórios das raças humanas.

Outros critérios intervém, como sejam a natureza dos cabelos, o ângulo facial, o índice cefálico, o índice nasal, etc. Entretanto, não tem como fugir àquelas denominações clássicas - branca, amarela, negra - porque cada uma delas de fato engloba os indivíduos que apresentam o maior número de caracteres comuns (OLIVEIRA, 1939, p.103-104).

Nos seus livros, Valdemar determinou aspectos fenotípicos que permitiram "a reunião dos homens em raças" (OLIVEIRA, 1939, p. 104), estabelecendo índices (crânio, nariz e face) e outras características secundárias a partir da barba, olhos, testa, malares, lábios e estatura. A partir dos estudos desenvolvidos por Roquette- Pinto,261 apresentou a classificação étnica da população brasileira em: brancos, mulatos, caboclos, negros e índios.

Segundo Nascimento (2011), o estudo das raças humanas foi um tema ligado às questões eugênicas e recorrente em livros didáticos na década de 1930. Analisando o conteúdo sobre raças em livros didáticos de Ciências Naturais (1930-

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Edgar Roquette-Pinto (1884-1954) foi médico legista, professor e o primeiro antropólogo brasileiro a desenvolver pesquisas sobre as características morfológicas dos diferentes tipos raciais (SOUZA, 2008). Embora tenha o seu nome ligado aos movimentos eugênicos de forma negativa, o seu pensamento estava associado à melhoria das características hereditárias, de forma independente da raça, etnia ou aspecto social (ROCHA, 2014), negando a ideia de inferioridade ou superioridade dos diferentes grupos raciais a partir de atributos biológicos (SOUZA, 2012), distanciando-se de uma perspectiva eugênica mais radical.

1946), Nascimento (2011) observou que Valdemar de Oliveira trabalhou os conteúdos na perspectiva da miscigenação que se produziu a partir das raças fundamentais.

No início do século XX, a formação racial brasileira, a classificação antropológica e a eugenia262 foram temas discutidos de forma recorrente entre médicos e intelectuais, como Afrânio Peixoto e Antônio Carneiro Leão, por exemplo, que estavam unidos pelo desejo nacionalista de ver o Brasil se afastar da degeneração provocada pela mistura de raças e culturas (DÁVILLA, 2006).

E vemos a influência de pensamento eugênico entre os principais articuladores da reforma de ensino conhecida como a Escola Nova, como Fernando de Azevedo, Manoel Lourenço Filho e Anísio Teixeira. Essa difusão das concepções eugênicas era reflexo de sua época: a eugenia teve muita influência e prestígio nas ciências sociais no Brasil e no mundo durante as décadas de 1920 e 1930 (DÁVILLA; CARVALHO; CORREA, 2016, p. 231).

No Brasil, o movimento eugênico esteve mais associado às questões de Higiene (STEPAN, 2005; SOUZA, 2016) e Valdemar de Oliveira pode ser considerado um representante desse pensamento, não somente por suas ações ligadas ao saneamento nas políticas públicas instituídas por Amaury de Medeiros em Pernambuco (ver capítulo 3), mas também por suas relações profissionais263 e publicações defendendo e orientando as práticas antropométricas (OLIVEIRA, 1931), a educação física escolar (OLIVEIRA, 1933) e a educação sanitária nas escolas (OLIVEIRA, 1934). Na perspectiva disciplinar, os aspectos eugênicos e a abordagem sobre as raças humanas ficavam restritos à terceira série.

Mesmo com a Zoologia destacando as questões antropológicas, o autor demonstrou maior atenção aos temas da Botânica, apresentando conteúdos sobre os seus ramos e a classificação do Reino Vegetal (OLIVEIRA, 1940, p. 13-18). Não

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A eugenia foi criada pelo britânico Francis Galton em 1883 para definir uma ciência que visava o aprimoramento da espécie humana, amparando-se em discussões científicas como a evolução, seleção natural e social. A eugenia poderia se apresentar como: preventiva) ligadas à profilaxia, higiene e saneamento; positiva) ligada a educação física e sexual; e negativa) propunha um rigoroso controle sobre os meios de reprodução humana, proibindo matrimônio de indivíduos considerados inaptos ou anormais (SOUZA, 2019).

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Na década de 1930, Valdemar estabeleceu relações profissionais com intelectuais que tiveram os nomes associados aos movimentos eugênicos, como Antônio Carneiro Leão (DÁVILLA, 2006) e Aníbal Bruno (ARANTES, 2019).

fez algo semelhante para a Zoologia, realizando um discreto apagamento do programa (que também determinava uma introdução para essa parte do conhecimento), conforme observado em "História Natural: para a quarta série" (OLIVEIRA, 1940).

Outro aspecto que se destacou nos conteúdos da disciplina História Natural, no final da década de 1930 e início de 1940, foi a apresentação dos ramos Mineralogia e Geologia de forma muito distante do processo de interação entre a composição material e a estrutura dinâmica da Terra, com os conteúdos organizados de forma muito compartimentada, tratando, principalmente, da caracterização e classificação de minerais e rochas. Esse tipo de distanciamento, segundo Compiani (1990), pode comprometer a compreensão global dos processos que ocorreram na Terra. Na proposta estabelecida por Valdemar, havia uma tentativa de trabalhar o processo histórico geológico em um ramo específico denominado "História da Terra" (OLIVEIRA, 1941, p. 325), abordando temas como: "Origem da Terra", "Evolução dos seres vivos" e o "Estudo comparativo das células vegetais e animais" (conforme observado em "História Natural: para a quinta série"), mas sem uma abordagem que possibilitasse a unificação desses conhecimentos.