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Capítulo I – Introdução Geral

I.3. Nanopartículas inorgânicas

As partículas inorgânicas constituem uma vasta classe de materiais, incluindo os biominerais, derivados de carbonato de cálcio, metais, e semicondutores, como os óxidos e calcogenetos de metais de transição, entre outros. As primeiras pesquisas relacionadas às nanopartículas de semicondutores inorgânicos datam do início na década de 1980. Já nesse período, o conceito de quantização relacionado ao tamanho das partículas foi desenvolvido67,68, embora tenha sido aprimorado somente alguns anos mais tarde 69 . O termo

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ainda eram denominadas “partículas coloidais” ou “cluster molecular”70. Com o tempo, esses materiais passaram a ser chamados de “quantum dots”, sendo esse termo bem aceito hoje em dia.

Embora tenham sido investigadas mais intensamente nas últimas décadas, as nanopartículas já faziam parte do cotidiano do homem há muito tempo. Talvez o exemplo mais famoso seja a Taça de Lycurgus. Essa peça de vidro foi produzida pelos Romanos, no século IV A.C. e apresenta um fenômeno único: a cor da taça depende da forma como a luz incide, podendo parecer verde ou vermelha. Análises dessa peça de vidro revelaram que em sua composição existe uma pequena quantidade de cristais de prata e ouro, com tamanho de partícula de ~70 nm, na proporção molar 14:1, e que é a presença desses nanocristais que confere a sua cor especial. A Taça de Lycurgus está atualmente no Museu Britânico em Londres71.

Parece ser bem aceito que o termo “nanopartículas” pode ser atribuído a estruturas que possuem pelo menos uma dimensão com tamanho variando entre 1 e 100 nm, muito embora para semicondutores inorgânicos alguns autores atribuam esses termos somente para partículas com até 30 nm72. Essas nanopartículas apresentam-se em um estado intermediário, onde as propriedades são diferentes daquelas observadas para os sólidos compactos (bulk) e na escala molecular, levando ao surgimento de propriedades dependentes do tamanho.

A possibilidade de desenhar a estrutura eletrônica dentro de cada nanopartícula torna esses materiais incrivelmente atraentes. Conforme o tamanho da partícula é reduzido, a energia do gap aumenta, e o espectro de absorção é deslocado para menores comprimentos de onda. Quando o tamanho da partícula é suficientemente reduzido, a densidade de estados dos elétrons de condução passa a ocupar níveis discretos de energia, conforme ilustrado na Figura I.1172. Esse fenômeno é chamado “efeito quântico de tamanho” e representa uma transição do espectro dos elétrons de condução de um nível contínuo de energia para níveis com energias discretas 73. Como resultado, as nanopartículas apresentam propriedades ópticas e eletrônicas diferentes daquelas observadas

átomos que compõem cada nanopartícula, a concentração de átomos e defeitos na superfície se torna extremamente significativa. Assim, um ponto crítico consiste no domínio da síntese desses materiais, principalmente no controle do crescimento.

Figura I.11. Mudanças nos níveis energéticos para o átomo, cluster e nanopartículas

(aumento gradual do diâmetro) e sólido compacto (bulk) de silício72.

Existe uma enorme variedade de propriedades que podem ser moduladas simplesmente reduzindo o tamanho de compostos para a escala nanométrica. Em geral, as propriedades dependentes do tamanho e forma em nanopartículas inorgânicas são as seguintes: excitação e emissão, afinidade eletrônica, condutividade, temperaturas de transição de fase, pressão de transição de fase, propriedades mecânicas, catalíticas e magnéticas. Por exemplo, o ouro na forma bulk apresenta a conhecida cor amarelada, mas filmes finos de nanopartículas de ouro parecem azuis sob a luz transmitida. Essa cor azul pode ainda mudar para laranja, violeta e vermelho, conforme o tamanho de partículas esféricas é reduzido até ~3 nm. A Figura I.1274 apresenta o espectro de absorção de soluções coloidais de nanopartículas de ouro e/ou prata com geometria e tamanhos variados, ilustrando a dependência das propriedades ópticas com a forma e tamanho das nanopartículas.

Figura I.12. Microscopia eletrônica de transmissão de (a) esferas de ouro, (b) nanorods

de ouro, (c) prismas de prata; e dispersões coloidais de (d) misturas de ouro e prata com o aumento da concentração de ouro, (e) nanorods de ouro com diferentes tamanhos, (f)

prismas de prata com diferentes tamanhos74.

As propriedades dos éxcitons formados em sistemas nanométricos não dependem mais apenas da interação coulômbica elétron-buraco, mas sim das dimensões físicas do material e da forma como estão arranjados/ordenados seus componentes (íons, moléculas, átomos, etc)75.

Quando um par elétron-buraco (éxciton) é formado em uma partícula semicondutora esférica que possui diâmetro igual ou menor que o raio de separação do éxciton do mesmo material na forma bulk (raio de Bohr do éxciton), então esse par elétron-buraco fica aprisionado dentro da partícula. Essa partícula é então denominada “quantum dot” e é considerada uma estrutura do tipo “0D” porque o número de graus de liberdade do éxciton nesse caso é zero, ou seja, o éxciton não apresenta mobilidade75.Mas se um éxciton é formado no interior de uma partícula que apresenta forma alongada em uma direção (no eixo z, por exemplo), então possui liberdade de movimento nessa direção e essa partícula corresponde a uma estrutura do tipo “1D”. Exemplos de estruturas assim são os cilindros (rods), fios (wires) e fibras. Em estruturas na forma de disco, o éxciton possui liberdade de movimento em 2 direções, e essas estruturas são denominadas “2D”, ou “quantum well”76. Existe também estruturas “3D”, com formas geométricas mais complexas e ramificadas, como tetrapods, trees, arrows e pencils. A Figura I.1377 mostra exemplos de estruturas do tipo 0D, 1D, 2D e 3D.

Figura I.13. Exemplos de formas geométricas possíveis para nanoestruturas do tipo 0D,

1D, 2D e 3D77.

Nanopartículas esféricas com diferentes diâmetros apresentam diferentes propriedades ópticas, que podem ser ajustadas de acordo com a aplicação de interesse74. Já os nanorods podem se comportar como fios, sendo eficientes no transporte vetorial de elétrons até o eletrodo78. No caso de tetrapods, o interesse pode estar no fato de que essas estruturas podem induzir a um empacotamento organizado durante a deposição de filmes, além de apresentarem a possibilidade de crescimento controlado, isto é, os “braços” do tetrapod podem ser cuidadosamente manipulados para apresentarem o comprimento e a composição química desejada79.

Essas nanopartículas inorgânicas podem ser sintetizadas física ou quimicamente. No primeiro caso são necessárias técnicas especiais, como processos litográficos e crescimentos epitaxiais por feixe molecular (molecular beam epitaxy) 80. Estes métodos permitem a obtenção de nanoestruturas altamente organizadas, porém são técnicas sofisticadas e de elevado custo. A síntese por métodos químicos geralmente consiste em procedimentos simples e menos dispendiosos, como as rotas solvatotérmica81 e coloidal82, ou pela decomposição de compostos organometálicos83. As nanopartículas inorgânicas assim preparadas são geralmente instáveis e, por isso, ao serem sintetizadas são envolvidas/encapsuladas por uma camada de um material orgânico, originando as chamadas partículas “core-shell”.

As nanopartículas de semicondutores inorgânicos apresentam algumas características especialmente interessantes para aplicação em células solares: (i) energia de gap facilmente manipulável, (ii) momento de dipolo intrínseco elevado, o qual favorece a rápida separação de cargas, (iii) elevado coeficiente de

absorção e (iv) um único fóton absorvido pode levar à formação de múltiplos éxcitons84.

Por outro lado, algumas dificuldades ainda são associadas ao uso desses materiais em células solares: podem apresentar baixo desempenho e instabilidade, devido à presença de armadilhas em sua superfície, que podem aprisionar os buracos e/ou elétrons fotogerados, reduzindo o transporte de cargas e, ao mesmo tempo, acelerando a auto-degradação desses quantum dots.

De modo geral, nanopartículas de CdS, CdSe e CdTe têm sido empregadas em diferentes tipos de células solares, com diferentes propósitos85. Por exemplo, esses materiais são utilizados como corantes nas chamadas células de Grätzel, ou como transportadores de elétrons em células orgânicas.

Os diferentes tipos de tecnologia de células solares serão descritos nas próximas seções.

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