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CAPÍTULO 4: ANÁLISE DE DADOS

4.3. Passo 3: Procedimentos e rumos diferentes

4.3.3 Geração dos avós

4.3.3.1 Narrativa de vida do avô materno (relato oral)

Inicio a análise da narrativa de vida, cujo procedimento de escrita foi a autobiografia. Neste caso, o avô do aluno participante Arley optou pelo relato oral.

Interessante notar que o avô reconstrói a sua história a partir das ações do menino que foi. Essas ações, que resultavam em preocupações e advertências familiares eram: roubava frutas da casa do vizinho, caçava passarinhos com estilingue, nadava em rios, por exemplo.

[...] Na adolescência, eu era muito arteiro, eu pulava o muro e ia na casa do vizinho roubar frutas, caçava passarinhos com um estilingue, armava arapucas, jogava futebol enfim, fazia tudo o que gostava. Eu era muito teimoso com os meus pais e um dia fui empinar pipa num local aberto, perto de minha casa, o tempo estava nublado, já estava trovejando e eu empinando pipa e de repente caiu um raio do meu lado e eu saí correndo feito louco com medo daquilo.

[...] Tive uma infância sadia, e a minha infância foi caçar passarinho, andar a cavalo, nadar, pescar, jogar futebol. Eu tomava banho em rio quando morava na zona rural.

[...] E hoje tem a desgraça do século que é a cocaína, é preciso ter muito cuidado com a meninada. Na minha época não tinha essa preocupação, a não ser com cigarro, agora é o tóxico. E as crianças só brincam em computador.

(Anardino, avô de Arley)

Embora essas ações sugiram transgressões, pelo sentido do verbo “roubar”, a violência do estilingue, e também pelos perigos de uma criança nadando em um rio, o avô elegeu essas experiências para fazer a descrição do menino que foi. Ele atribui um significado de prazer a essas ações e de alegrias vivenciadas em coisas simples e na natureza, portanto sem conseqüências danosas à formação da criança. Como avô de adolescentes, produziu o relato como uma forma de aconselhamento. Mencionou o modo de muitos jovens viverem essa fase, com o envolvimento com drogas. Chamando-as de desgraça do século, como também fez um julgamento à forma de a maioria dos adolescentes e jovens se divertirem com os jogos de computadores.

Após relatar as experiências de menino “arteiro”, o avô prosseguiu narrando a fase da adolescência. Mencionou os nomes de duas casas comerciais em que trabalhou e, em seguida, descreve a cidade, conforme é possível observar nos segmentos abaixo.

(1) Com 13 anos eu comecei a trabalhar em uma sapataria no centro de Pompéia e o nome era Sapataria Central e numa loja de móveis e eletrodomésticos que o nome era Nosso Lar Pompéia.

(2) A maior parte da cidade era terra, não tinha esgoto nem água encanada. Sou um grande conhecedor da cidade de Pompéia, as ruas não era asfalto como hoje, era calçamento de pedra paralelepípedo. Só o centro que era calçado e energia elétrica também. Eram algumas casas que tinha, os abastados. Os abastados eram as famílias do Sr. Nishimura, a família Pereira Alves e o Santiago Martins. E tinhas outras famílias como Zamariolli, a família Maranho. Aqui não tinha ainda industria e um dos pioneiros era a família Uemura que era quatro irmãos e depois entrou os filhos e deu problema. [...]

(3)Trabalhei na Prefeitura quase vinte e cinco anos. Vi muitas mudanças na cidade de Pompéia, Pompéia de hoje com o passado que vivi, principalmente na parte social, hoje temos acesso a médicos. Melhorou tudo mas deveria estar melhor, porque o Brasil é um país muito rico, isso aqui na mãos de japonês ou de israelense era o paraíso.aqui começou melhorar no tempo do prefeito Milton Pereira e de lá pra cá, cada prefeito faz uma parte. O pai do prefeito Milton Pereira foi um dos desbravador de Pompéia. E aqui também tinha muitos japoneses, todos os sítios de cinco e dez alqueires, eles viviam ali, eu conheci famílias japonesas que formou os filhos até o

final do exército e aí aconteceu que os filhos precisam estudar e não tinha acesso. Precisou vender o sítio e ir para a cidade grande.

(Anardino, avô de Arley)

O modo como o avô de Arley desenvolveu a narrativa de sua vida é curioso. Como se a cidade fosse alguém de sua família (uma irmã, quem sabe..), ao contar a história de sua vida, contou também a história de sua cidade. Da época de sua infância, narrou as experiências de um menino arteiro; da cidade descreveu as ruas dos bairros sem asfalto, sem energia elétrica e sem água encanada. De sua adolescência, falou da necessidade de ajudar a família e seu primeiro trabalho, aos 13 anos de idade, nas casas do comércio; da cidade, descreveu as transformações, lembrando o investimento em indústrias. Lembrou as ruas de paralelepípedo do centro da cidade, os nomes das famílias desbravadoras e os lugares onde esses pioneiros moraram. Da fase de sua vida adulta, contou as experiências de seu trabalho nas indústrias e também como funcionário da prefeitura, durante vinte e cinco anos; da vida da cidade, fez referências à melhoria da vida das pessoas: Pompéia de hoje com o passado que vivi, principalmente na parte social, hoje temos acesso a médicos. Sobre este aspecto, Bosi (2004, p.73) lembra: “Nas histórias de vida podemos acompanhar as transformações do espaço urbano; a relva que cresce livre, a ponte lançada sobre o córrego, (...)”. Pareceu-me que o avô sentiu-se orgulhoso e valorizado em contribuir com informações, na medida em que ele se viu como uma fonte privilegiada de informações, pois não são muitos que as têm. Foi uma oportunidade de compartilhar com alguém seu conhecimento, em situação de formalidade. O avô transmitiu um sentimento de pertencimento à cidade.

Quanto à sua família, o avô mencionou os nomes:

Eu tive 12 irmão: Maria Lopes de Paula e hoje ela tem 84 anos, Pedro de Paula e hoje ele tem 82 anos, Luis de Paula, Josino de Paula, Jorge de Paula, Jovino de Paula, João de Paula e o caçula Miguel de Paula e hoje tem 59 anos. Falecidos: José de Paula, Benedito de Paula, Antonio de Paula e Teresinha de Paula.

O problema de família é o seguinte, quando o pai e a mãe morrem, os irmãos se separam e cada um vai ter os seus problemas. Hoje, o pai tem que investir nos filhos, porque herança nunca deu camisa para ninguém, o estudo é diferente só termina com a pessoa. A melhor herança é a educação, o conhecimento.

(Anardino, avô de Arley)

Nomeando os doze irmãos, o avô informou que veio de uma família numerosa, no entanto, suas crenças sobre a família me lembraram algumas pessoas que moram em cidades grandes. Embora cercadas por muita gente, vivem cada um por si. Assim pareceu-me o avô, um homem que se sente isolado de seus irmãos. Deste modo, como um conselho aos pais, ele

defende a idéia de que os filhos devem ser encaminhados na vida para se tornarem independentes da família. Para isso, o investimento na educação é uma forma de cada um se garantir por si só.

Sobre a narrativa de vida do avô, após a leitura e discussão acerca de suas experiências e a forma como as relatou, pedi ao aluno a produção do texto reflexivo.