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CAPÍTULO 4: ANÁLISE DE DADOS

4.3. Passo 3: Procedimentos e rumos diferentes

4.3.4 Geração dos pais

4.3.4.1. Narrativa de vida do pai, por roteiro de entrevista

O segmento, abaixo, se refere ao relacionamento familiar na época em que o pai, que nasceu no ano de 1949, era um jovem adolescente. A descrição retrata as cenas domésticas das famílias que migraram para o país.

O relacionamento familiar era muito diferente do de hoje. O meu avô era muito autoritário e, em casa, a minha avó e as irmãs mais velhas amenizavam a situação.

(Pâmela, 8ª. série) O comportamento autoritário do avô revela os traços da cultura japonesa. A figura masculina vista como superior conferia ao avô uma posição superior na hierarquia de poder. E ele não abria mão desse poder e agia com autoritarismo. A figura feminina era vista como inferior, determinando às mulheres uma posição de submissão. Desta forma, o comportamento da avó e das tias, que amenizavam a dureza do avô, descreve o perfil de muitas mulheres japonesas, que não costumavam enfrentar os homens nem confrontar

opiniões, mas agiam sabiamente, estabelecendo o equilíbrio do ambiente. As mulheres, após o casamento, assumem a responsabilidade de zelar pela vida do marido e dos filhos, adquirindo o poder de controlá-los.

É importante observar, também, que o filho (pai da aluna) não interferia na forma como o pai (avô da aluna) agia. Nos costumes das famílias japonesas, o pai é autoridade e confrontá-lo pode significar desrespeito e repercutir em desavenças.

Estabelecendo comparações entre o passado e o presente, o pai considerou importante que a filha percebesse, também que, atualmente, ele se relaciona com a mãe e com os filhos de forma diferente. O enunciado: A relação com a família era muito diferente da de hoje se refere às mudanças de relacionamento na família, entre pais e filhos. Esta mudou significativamente nos últimos anos, principalmente porque mudaram também as formas de relacionamento entre homens e mulheres. De acordo com Içami Tiba (1996), os adolescentes são os que mais acompanham essa evolução e por isso os educadores (pais e professores) precisam se atualizar. Para o autor o que servia para os pais quando eram adolescentes, hoje não serve para os filhos adolescentes.

Considerei importante o conteúdo do segmento:

Quando o meu pai era adolescente, ele assumiu muitas responsabilidades da família, pois seu pai não falava a língua portuguesa. Era o meu pai quem tinha que ir a bancos, cartórios e outros lugares públicos.

(Pâmela, 8ª. série) O pai, filho de imigrantes, que falava somente na língua japonesa até os sete anos de idade, sentiu a necessidade de aprender a língua portuguesa para poder se inserir em outros grupos. Sendo a língua, também, um instrumento de defesa, ele procurou aprendê-la para se defender na vida.

Os imigrantes e os filhos, ao interagirem com brasileiros, sofreram o preconceito, inclusive o lingüístico. Assim como esse pai, os descendentes aprenderam a língua portuguesa e, pouco a pouco, muitos deixaram de falar a língua de seus pais. Como conseqüência, atualmente, uma grande parcela de descendentes de japoneses não conhece a língua de seus avós.

Os segmentos, abaixo, se referem aos momentos de tristeza da história de vida do pai.: Com 18 anos, em 1967, meu pai deixou a família para estudar em uma escola agrícola, na cidade de Jabuticabal, em regime de internato. Meu pai disse: “Foi um período muito proveitoso da minha vida, onde aprendi e

ensinei muito, e graças a Deus, tudo de graça!. Mas esse período acabou de repente quando eu esperava pela minha formatura no colégio em

dezembro de 1969. Infelizmente, meu avô tinha falecido, dia 19/04/1969” -

contou ele emocionado!

A maior tristeza da sua vida foi o dia em que ele estava retornando para casa depois de uma longa viagem a trabalho, encontrar a casa cheia, porque sua mãe, a minha “obathan/’ estava morta.

Se ele pudesse recomeçar sua vida, faria tudo do mesmo jeito, do jeito muito difícil.

(Pâmela, 8ª. série)

Curioso notar que o processo de escrita das histórias de família proporcionou ao pai momentos de recordações das travessias que fez pela vida: a saída da casa paterna (1967), a trajetória de estudo em uma escola agrícola e as viagens por lugares distantes. Vale lembrar as palavras de Bosi (2004, p.114) “Mas entre as travessias forçadas e os percursos imprevistos existe a preciosa noção do caminho familiar, com marcos onde a significação da vida se concentra”. Por esta caminhada, o pai, em seu turno, lembrou das perdas dolorosas e significativas: o falecimento do avô (1969), na época em que estudava em outra cidade, o retorno de uma longa viagem a trabalho e a sua maior tristeza ao ver sua casa cheia de pessoas velando a sua mãe.

A aluna, por sua vez, participa de sua tristeza, dando ênfase ao modo como o pai lembrou essa experiência: contou ele emocionado!” Momentos de emoção foram revividos quando o pai conversava com a filha sobre as experiências. A escrita da aluna dá abertura para dizer que o processo de sua escrita permite conhecer, também, o pai que se emociona ao contar essas histórias. Muito além de contar as histórias, o processo é um compartilhamento de emoções que contribui para uma formação mais humana.

Em relação ao casamento, a aluna informa que

Meu pai conheceu a minha mãe por acaso. Casaram-se. O nascimento dos filhos foram as maiores alegrias dele, mas ele diz que os filhos, quando eram pequenos, deram muito trabalho e, hoje, continuamos dando muito trabalho.

(Pâmela, 8ª. série)

Os imigrantes japoneses procuraram manter as tradições do país e, uma das formas foi conduzindo os filhos a casarem-se com pessoas, também de origem japonesa. As famílias costumavam “arranjar os casamentos” para os seus filhos. Este processo é conhecido, na língua japonesa como “miai”. O pai de Pâmela, filho de imigrantes japoneses, que mantiveram a tradição a cultura na família, não manteve a tradição ao casar-se com uma pessoa não descendente de japoneses.

Essa experiência do pai exemplifica muitas histórias de vida de filhos (segunda geração) e netos (terceira geração) de imigrantes, conhecidos por “nisseis” (filhos de japoneses) e “sanseis” (netos de japoneses), aqui no Brasil.