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Capítulo IV: Resultados

Capítulo 5: Análise

5.3 Narrativa 2 – Professor Juca

O Juca é licenciado em Matemática e especialista em Educação. Tem quinze anos de magistério e há treze anos atua como professor efetivo de Matemática, na Rede Pública do Estado de São Paulo. O Prof. Juca leciona na escola, onde está hoje, desde que se efetivou.

A escola em que o Prof. Juca trabalha está localizada em um bairro central da cidade e atende alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e da 1ª a 3ª série do Ensino Médio, em dois períodos de aula, manhã e tarde. A equipe gestora da escola é composta por um diretor substituto; dois vice-diretores e dois professores coordenadores, ambos efetivos na escola.

Os alunos são oriundos de bairros próximos à escola e da zona rural. A escola conta com sala ambiente de informática; sala de leitura; sala de vídeo e duas quadras poliesportivas, sendo uma coberta.

Boa parte dos professores é efetiva na escola, cinco desses professores estão afastados para exercer função de direção ou coordenação. Apesar disso, conta com um corpo docente aparentemente estável, uma vez que os professores afastados são substituídos por professores Ocupantes de Função Atividade – OFA, com sede de exercício na escola.

O Juca apresenta-se como um professor preocupado com as questões sociais, os rumos da educação e o ensino de Matemática. Para ele a Matemática é muito solitária e, a não ser o Prof. de Matemática, “ninguém quer saber de Matemática”. Ele considera que “existe um problema de credibilidade em relação à Matemática, o mundo acha que não precisa dela”.

O Prof. Juca possui boas recordações da escola e dos seus professores. Ele lembra com carinho de uma professora da Educação Básica que lhe emprestou um livro e quando foi devolver ela disse: “não estou pedindo de volta, leva e fica quieto”. Segundo ele, nessa época “era diferente, a história era outra”.

A escola proporcionou ao Juca uma formação humana, em que a relação entre professor e aluno era construída alicerçada na confiança e na aproximação.

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Para ele, isto se perdeu e faz falta à escola hoje, “você gostava do professor, você tinha uma confiança muito grande nele e isso não tem mais”.

O capital cultural incorporado (BOURDIEU, 2011) pelo Prof. Juca no espaço social da escola foi estabelecido na base da proximidade; da responsabilidade com a sua formação, de sua parte e por parte de seus professores; na forma como seus professores “acreditaram” nele; no modo como o chamavam para a responsabilidade com os estudos, “ao mesmo tempo em que cobrava, confiava muito, via em você coisas pela frente, que você podia crescer”, “a cobrança era muito grande, mas a entrega também era muito grande”.

Para o professor Juca, esta relação de confiança faz falta à escola, “mas está muito difícil hoje conseguir isso”. Segundo ele, essa dificuldade é consequência da família, ou da ausência dela na formação escolar dos seus filhos, “não adianta a família jogar toda a responsabilidade para a escola, isso na minha opinião não vai resolver, eu não sou o pai do aluno, não adianta não ter a presença do pai ou da mãe e você fazer esse papel”. Esse desabafo do Prof. Juca pode estar relacionado ao que Bourdieu (2011, p.73) denomina por “transmissão doméstica do capital cultural”, uma vez que, o “rendimento escolar da ação escolar depende do capital cultural previamente investido pela família” (BOURDIEU, 2011, p. 74).

Considerando sua origem social “era um cara de família humilde, sofrendo pra caramba naquela vida danada”, o Juca viu na graduação uma possibilidade de ruptura com o seu capital social por meio da aquisição de capital cultural institucionalizado (BOURDIEU, 2011).

A opção pela Matemática, como relata o Prof. Juca, aconteceu como que em uma brincadeira, entre ele e um colega de escola, foi como um jogo de exclusão, em que eles pensavam: “Fazer História? Fazer História é ficar lendo livrinho. Fazer o quê? Geografia? Fazer mapinha? Português? Análise sintática e ler demais, não adianta, vou ter que escrever? Vou fazer Matemática! É, Matemática tem que escrever pouco”. E foi assim, “quase uma brincadeira”, mas Matemática, “era um curso que tinha à noite. Dentre os cursos que tinham à noite na Universidade, esse foi o que gente optou”.

Sobre as necessidades do professor de Matemática, o Prof. Juca considera necessário ser mais “aberto”, “ficar mais legal” para “conquistar o aluno”. Isto porque, segundo ele falta “credibilidade à Matemática”, no sentido de as pessoas acharem que não precisam da Matemática. Para o Juca, muitos pais não cobram dos filhos a responsabilidade em estudar Matemática, pais que “não se vêem no direito de cobrar do filho”, algo que eles mesmos não valorizam. Novamente, aparece a questão da “transmissão doméstica do capital cultural” (BOURDIEU, 2011, p. 73).

A visão do Prof. Juca a respeito da sua profissão é que esta “é o tipo de profissão que te corrompe dentro de você, que te obriga a mudar o que você é para continuar trabalhando”, “em muitos casos é a sua personalidade, e você precisa mudar”. Segundo ele, diferentemente de quando era aluno, hoje há a necessidade de “agradar” para “dar aula de Matemática”. Em sua opinião, “estão transformando tudo em uma empresa”, e se as coisas não acontecem “é porque você não está vendendo bem o seu produto”.

Assim, para exercer sua função hoje, o Prof. Juca considera necessário, que logo na graduação, sejam discutidas as questões relativas à realidade das salas de aula. Para que o futuro professor possa saber, antes de ingressar no magistério, qual realidade o espera.

Em relação à formação continuada, o Prof. Juca parece preocupado com os processos de mudanças. Para ele, o fato de o “professor ser um formador”, implica compreender que se faz necessário “ser um formador em transformação e mudança”, o que “é uma coisa que choca muito”, pois considera que é “mais difícil você mudar isso, do que mudar conceitos, o jeito de dar aula”.

Podemos inferir que essa transformação, apontada pelo Prof. Juca, se relaciona com a necessidade de ruptura com um determinado habitus e a construção de um habitus novo, “pelo fato de condições diferentes de existência produzirem habitus diferentes” (BOURDIEU, 2008, p. 164). Talvez seja por isto que o Prof. Juca considera que essa transformação é mais fácil para quem está começando. Para ele, “quem está chegando vai se abrir mais para as mudanças”.

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Em 2010 o Prof. Juca, com a intenção de assumir um segundo cargo, prestou o concurso para provimento de cargo da SEE/SP e em 2011 participou do curso para professores ingressantes. Devido à distância entre escolas não foi possível assumir o segundo cargo. Contudo, a participação em todo o processo possibilitou ao Prof. Juca Capital Cultural Institucionalizado (2011, p. 79).

Na opinião do Prof. Juca, esse curso foi “um divisor de águas”. Isto porque, ao prestar um concurso público, normalmente “você investe em uma carreira que você não sabe como funciona, você não sabe quais os seus direitos, suas obrigações”. Deste modo, para o Prof. Juca, como o professor não conhece o funcionamento da Rede, “ele vai aprendendo com os erros, levando tropeções”.

Nesse sentido, ele considera que o curso para professores ingressantes foi um divisor de águas na medida em que abordou questões relacionadas ao funcionamento e estrutura da SEE/SP e questões relacionadas à formação do professor “enquanto pessoa, enquanto mediador de conflitos”. Para o Prof. Juca, “isso serve de alerta para o professor sobre as situações que vai ter que enfrentar, que não é só entrar e dar aula”.

Em 2010 e 2011, o Juca participou também do curso de Implementação do Currículo de Matemática, realizado na Diretoria de Ensino de Assis. Neste curso foram estudados, o Currículo de Matemática e os Cadernos do Professor e do Aluno disponibilizados aos professores da Rede pela SEE/SP.

Segundo ele, essa ação deveria ter sido realizada “antes do material ter entrado em circulação”, uma vez que seu uso sem orientação provocou desconforto e insegurança, fazendo com que o docente não trabalhasse de forma adequada. Isto ocorreu, de acordo com o Prof. Juca, devido à visão parcial e a falta de esclarecimento do professor de como o Currículo foi proposto.

Apesar de o curso ter sido realizado dois anos depois que os materiais já estavam sendo utilizados, o Prof. Juca considera que ele foi importante, pois trouxe tranquilidade para trabalhar com o atual Currículo de Matemática. Além disso, possibilitou que esse professor fosse multiplicador dessa ação na escola, orientando e discutindo com os colegas de Matemática de sua escola sobre como

trabalhar o novo Currículo de Matemática e com os Cadernos disponibilizados pela SEE/SP.

O Prof. Juca conta que, no primeiro ano em que trabalhou com o Caderno do Professor, ele achou interessante a abordagem dada pelos autores para o ensino de proporcionalidade, uma abordagem que segundo ele, não aparece normalmente nos livros didáticos. Contudo, ele ficou se perguntando: “é só isso? Vou ficar nisso?”. Observa-se na fala do Prof. um estranhamento entre o proposto e o que estava acostumado a trabalhar. Assim, ele sente “necessidade de aprofundar o assunto, pois tinha a visão que tinha que dar o conteúdo todo de uma vez”. Essa postura provocou no Prof. Juca, “uma angústia de que não terminou, a cobrança de que não conclui”.

Aponta ainda que a participação no curso de Implementação do Currículo trouxe tranqüilidade em relação ao seu trabalho. Para ele o curso possibilitou compreender que um “assunto trabalhado num ano, não se esgota naquele ano”, pois, “num ano trabalha aqui, ao chegar no ano que vem, aqui”.

Além desses cursos, o professor Juca também tem participado de Orientações que são realizadas por convocação. Sobre essas ações, ele considera importante que aconteçam, pois, “as pessoas precisam se encontrar na área delas para debater, pensar temas relacionados às pesquisas na área e que são importantes para sua atuação”. Para ele “esse contato, essa troca de informação, de saber como tá lá, esse momento, isso precisa, senão eu fico só aqui no meu ambiente e não sei o que está acontecendo no mundo lá fora, na outra sala do fulano, na escola”. Essa necessidade de estar com os pares, de vínculo com o grupo de professores de Matemática da Diretoria e do Estado que permite a cada um dos participantes se identificarem como membro desse grupo, constitui o Bourdieu denominou de capital social.

Neste sentido, podemos dizer que as ações formativas se configuram como espaços sociais que estabelecem um princípio de “sociação” e a constituição de um “habitus social”, conforme pontuado por Wacquant (2007, p. 8). Além disso, o

depoimento do Prof. Juca nos leva a considerar que os cursos e orientações possibilitam aos professores de Matemática incorporação de capital cultural que, de certa forma, contribui, se não para a ruptura, ao menos para repensar suas

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práticas em relação ao uso dos materiais disponibilizados pela SEE/SP e a forma de relacionamento com os alunos.