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Capítulo IV: Resultados

Capítulo 5: Análise

5.2 Narrativa 1 – Professora Cida

A Cida é uma jovem professora de Matemática da Educação Básica, que se preocupa com sua formação. Por isso, desde que iniciou sua carreira no magistério, há nove anos, está sempre participando das ações de formação continuada, oferecidas pela SEE/SP. Ela possui licenciatura plena em Matemática e especialização em estatística. No momento da entrevista, a Prof. Cida estava aguardando o resultado do processo seletivo para o mestrado ProfMat9.

A Prof. Cida trabalha em uma pequena escola, da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo, localizada em um bairro distante do centro da cidade, que apesar de possuir poucas salas de aula, atende alunos do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental e alunos do Ensino Médio. A equipe gestora da escola é composta por Diretor, vice-diretor e um único Professor Coordenador – PC, para atender os três níveis de ensino.

A Prof. Cida tem um carinho muito especial pela escola onde trabalha. Isto se percebe, na forma como fala da escola. Há três anos, que está nessa escola e diz que não pretende sair de lá, demonstrando que possui uma identificação com esse espaço escolar, que se sente parte desse espaço e do grupo de professores, gestores e alunos.

Assim, ao afirmar “ficarei aqui enquanto puder”, a professora Cida mostra que construiu uma rede de relações sociais com essa escola, na qual reconhece e é reconhecida no e pelo grupo que ali está. Essa rede de relações sociais constitui o que Bourdieu (2011) denomina de capital social. Essa relação fica clara

9 ProfMat

– Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional, curso semipresencial, realizado no contexto da Universidade Aberta do Brasil e coordenado pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM).

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na fala da Prof. Cida quando se refere à escola: “é uma escola onde você tem um bom convívio com todos e isso é importante, você estar no ambiente que você se sinta bem, que você goste, que te dê prazer e tal é primordial”. Essa sensação de pertencimento favorece o trabalho da Prof. Cida, pois “eles têm um contato assim aberto, onde, mesmo que você converse com professores de outra área, eles te ouvem, te dão ideias e os alunos são participativos”.

Para a Prof. Cida a austeridade é considerada uma qualidade positiva do professor, “eu sempre gostei dos professores que eram rígidos, que eram bravos, que pegavam no pé”. Quando recorda sua trajetória escolar, ela fala com carinho de dois professores da graduação e um professor do ensino médio que eram muito rígidos, pois via nesses professores “que eles queriam era que a gente aprendesse”. Essa “rigidez” é amenizada no fato de não ser unilateral, que se refletia em cobrança e ao mesmo tempo em entrega, “eles eram muito rígidos, exigentes, mas ensinavam muito bem, tinham cuidado, tinha atenção, se você tivesse dúvida eles te atendiam, explicavam novamente”.

Essa forma de relacionamento, com os seus professores, foi incorporada pela Prof. Cida em sua prática e se traduz no modo como ela se preocupa com seus alunos, “eu pego muito no pé deles, sabe, eu fico muito brava, quero que eles prestem atenção, quero que eles aprendam então eu acho que eu peguei isso deles”.

O comportamento relatado mostra o capital cultural incorporado (BOURDIEU, 2011) pela Prof. Cida, a partir das atitudes de seus professores. Capital esse que se constituiu no habitus desta professora e se reflete na forma, como ela se relaciona com a aprendizagem de seus alunos.

A escolha profissional, não foi uma tarefa simples para professora Cida. “Primeiro queria ser dentista”, depois “queria ser jornalista”, depois ficou na dúvida entre Matemática e Pedagogia e acabou optando por Matemática “porque, tinha aqui por perto,... e era a disciplina que eu mais me identificava na escola”.

A Cida gosta de ser professora “porque existe uma troca, um carinho, então compensa bastante o seu esforço, é gratificante”. Para ela, o professor de

Matemática precisa ouvir os alunos, para saber o que pensam, “não só eles ouvirem a gente sabe, a gente tem que parar para ouvi-los”.

Em relação à atuação do professor de Matemática, a Prof. Cida considera que não basta saber Matemática, para ela é preciso que o professor saiba como ensinar, por isso, valoriza as ações formativas que possibilitam ampliar seu conhecimento didático e que valorizam a troca de experiências. Tanto, que ao se referir as ações de formação continuada a Prof. Cida relata que:

[...] esse ano eu acho que eu cresci um pouco mais em relação aos anos anteriores, eu acabei mudando meu método de trabalhar, eu achei que funcionou e tudo isso veio justamente por conta de orientações, capacitações, formações que foram feitas. Pelas trocas de experiências com os colegas de trabalho que eu acho importantíssimo. Lá [...] tem eu e a [...], mas ela não faz ATPC10 lá, então eu acabo ficando sozinha digamos assim. Da minha área de Matemática só tem eu, então pra trocar ideia com professor da minha área não tem. Então onde acontece essa troca, seria nos encontros que tem de formação. O que eu acho muito legal, pois um professor diz o que fez de legal e aí você faz adequações de acordo com a sua turma (Prof. Cida, entrevista, 2012).

A troca de experiências é um aspecto que aparece, em vários momentos, na fala da Prof. Cida ao se referir às ações formativas das quais participou.

Referindo-se, especificamente, ao curso Currículo e Prática Docente, a Prof. Cida pontua que a troca de experiência com outros professores de Matemática do Estado possibilitou conhecer “como que ele atua, o que ele faz, que critérios ele usa, [...] então você leva uma estratégia, tem um debate, troca ideias”.

A respeito das contribuições das ações formativas para sua ação docente, a professora citou uma orientação sobre avaliação, que a fez repensar sua prática. Para ela, essa orientação foi importante em relação “a forma de analisar as avaliações que são aplicadas, que digamos, até a um tempo, eu acho que eu aplicava o mesmo método dos professores que deram aula pra mim, simplesmente corrige, acertou tanto e pronto”.

10 ATPC: Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo, em substituição à HTPC: Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo.

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A partir da orientação sobre avaliação a Prof. Cida, diz ter compreendido que:

não é só corrigir por corrigir, ver quantos ele acertou e por um número ali pra ele “tirou x”, não, eu vou corrigir essa avaliação pra ver o que ele já sabe, até onde ele sabe, onde eu vou continuar com esse aluno, o que eu tenho que fazer agora, o que ele está precisando pra eu poder ensiná-lo, então, essa formação que foi feita em relação à avaliação pra mim foi assim meio que um divisor (Prof. Cida, entrevista, 2012).

Essa nova compreensão de avaliação, se constituiu em um novo habitus para essa professora. A experiência relatada a seguir mostra essa mudança.

Eu dei uma avaliação para um segundo ano e aí eu devolvi pra eles essa avaliação, corrigida, já com a nota e normalmente eu faço o que, vou pra lousa, faço a devolutiva junto com eles e pronto. Agora fiz diferente, eu entreguei pra eles e pedi pra eles refazerem olhando no caderno pra ver as questões que erraram. Podem buscar no caderno, ou no livro, ou no material de apoio que vocês tem para vocês acharem o que é melhor pra vocês, pra ver o que tá errado e aonde tem que corrigir e como, precisando pode me chamar eu vou até a carteira. Então assim, eles foram procurar ver onde eles erraram. E aí em outro momento eu vou fazer com eles junto, então foi legal que a maioria veio pra mim e falou: “professora, eu errei aqui, mas não to conseguindo entender por que e tal” porque se eu for direto pra lousa, o que acontece, um ou outro me ajuda e aquele que de repente precisa ele fica quietinho, pode ser que ele preste atenção ou pode ser que ele simplesmente olhou pra lousa e ficou por isso mesmo.

Apesar de sentir necessidade de mais orientações e considerar que tanto as orientações, quanto os cursos são importantes para sua formação, contribuindo para a mudança da sua prática, construção de novos habitus, a professora Cida, aponta que faltou a essas ações abordar formas de “como atender a necessidade daquele aluno que está com dificuldade”. Para ela, as ações formativas não focaram o trabalho de intervenção com os alunos que apresentam defasagem de aprendizagem. Como gerenciar a aprendizagem desses alunos sem comprometer a aprendizagem dos demais que também querem e precisam aprender, “como trabalhar dentro de uma sala com 3 ou 4 alunos que não vão pra frente?”.