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Narrativas digitais nas redes sociais

Enquanto seres humanos, produtores de linguagem, temos uma real necessidade de narrar nossos feitos e realizações, como uma forma de inserção social. (RICOEUR, 1994, p. 55). A narrativa é um dos nossos mecanismos cognitivos primários para a compreensão do mundo, bem como um dos modos fundamentais pelos quais construímos comunidades, desde a tribo agrupada em volta da fogueira até a comunidade global constituída por meio de aparelhos tecnológicos.

Ao narrar, contamos os fatos de um determinado tempo e espaço. Vinculadas às formas de narrar a vida, temos desde as grandes narrativas mundiais, que contam histórias de povos e nações, surgidas durante o século XVIII, na Europa, pela lógica iluminista, com a introdução e a defesa do uso da razão (luz) contra o antigo regime (trevas), em um movimento que promoveu mudanças políticas, econômicas e sociais, baseadas nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, até as novas descobertas e o avanço científico nos séculos XIX e XX, que colocaram à disposição do ser humano informações diferentes, como a descrição da órbita dos planetas e do relevo da Lua, a invenção da tecnologia, das máquinas e a Revolução Industrial, o desenvolvimento do comércio e a ascensão dos negócios próprios dos desbravadores da nova narrativa na era da luz.

Tendo isso em mente, é inegável que vivemos em um mundo pautado por uma infindável diversidade de narrativas, e na contemporaneidade, haja vista os espraiados processos de mediatização, elas são ainda mais potencializadas. Baseada na expansão da informação em rede pela internet, que permite a comunicação em escala global, em que a informação, digitalizada, pode se reproduzir, circular, se modificar e se atualizar em diferentes interfaces, marcada pela difusão rápida e contínua de mensagens mediáticas, a história se inscreve numa outra dinâmica de narrar a realidade do mundo. Os períodos evolucionários das tecnologias de cada época, com íntima relação com as narrativas da História – a Pré-história, a Antiguidade, a Idade Média, a Idade Moderna e a Idade Contemporânea –, possibilitaram as condições para o progresso tecnológico, dos meios analógicos para as mídias digitais, que adquiriram papel fundamental na evolução das formas de narrar.

Na modernidade, há uma nova organização social, influenciada pela industrialização, que conferiu valor ao desenvolvimento do sistema capitalista e seus conceitos próprios de tempo, dinheiro e lucro, elevando a tecnologia a um elemento de distinção social entre desenvolvimento e subdesenvolvimento, deixando de ser um componente ou fator somente de produção. A introdução e a difusão dos meios elétricos e eletrônicos, respectivamente na metade do século XIX e no século XX, representaram uma grande reconfiguração dos meios de comunicação na virada tecnológica da Revolução Industrial, criando novos meios – como o telégrafo, o telefone, o cinema, o fonógrafo, a fotografia, o rádio e a televisão –, que significaram um ciclo cultural de aceleração na transmissão e circulação das mensagens. Era o início da comunicação mediática, cujo desenvolvimento, ao longo do século XX, passou aos

media interativos, que possibilitaram o aperfeiçoamento da comunicação do homem e de sua

cultura como forma de expressão do ser em sociedade.

A relação dos seres humanos com o conhecimento do mundo ao seu redor se transforma completamente quando é intermediada pelas mídias digitais. As percepções, os relacionamentos e a própria atividade mental operam a partir de uma contínua intersecção com o digital. Por conta disso, nosso pensamento, assim como nosso relacionamento com a realidade e com outros seres humanos são, ao menos parcialmente, adaptados à lógica das mídias digitais. (MARTINO, 2014, p. 40).

À medida que o tempo se acelera e as distâncias encurtam, passado e futuro se dissolvem, ocorrendo o surgimento do reinado do presente, próprio da era digital. Dessa passagem do tempo-matéria, da realidade geofísica, para o tempo-luz, nascem as narrativas digitais. Desenvolvidas em ferramentas computacionais e com possibilidades de publicação e circulação em ambientes virtuais, as narrativas apresentam-se de diversas formas digitais: como histórias, relatos, narrativas multimídias ou multimidiáticas; a pluralidade de meios de produção de narrativas digitais demonstram o caminho por onde têm passado a construção pessoal e social da humanidade e as novas maneiras de narrar os fatos pessoais e sociais. Martino propõe alguns conceitos-chaves sobre mídias digitais, como “barreira digital, ciberespaço, convergência, cultura participativa, inteligência coletiva, interatividade, interface, segurança e vigilância, ubiquidade, velocidade e virtualidade” (2014, p. 11-12). As narrativas digitais são essencialmente estabelecidas pelas mídias digitais, como dados, sons, imagens, letras ou qualquer outro elemento, sequências de números que permitem o compartilhamento, o armazenamento e a conversão de dados. Uma das características que

marca fortemente o contexto contemporâneo é a velocidade das transformações da vida social e das informações que são propagadas minuto a minuto pelos meios de comunicação.

A tecnologia digital surge na segunda metade da década de 1960, através de fusões referentes à informática e às telecomunicações. Segundo André Lemos (2002, p. 85), as mídias digitais atuam de duas maneiras: prolongando e multiplicando a capacidade das mídias tradicionais ou criando tecnologias, na maioria das vezes híbridas. “A tecnologia digital proporciona uma dupla ruptura: no modo de conceber a informação (produção por processos microeletrônicos) e no modo de difundir as informações (modelo todos-todos)”. O termo ‘novas tecnologias’ engloba diversos desenvolvimentos tecnológicos realizados nos últimos anos, tais como a ciência da computação, a microeletrônica, as telecomunicações, a engenharia de software e a análise de sistemas. As novas tecnologias aumentam a capacidade de registrar, armazenar, analisar e transmitir grandes volumes de informações complexas de maneira segura, flexível, confiável, imediata e com independência geográfica. A tecnologia da informação tem sido capaz de transformar e reestruturar operações que fazem uso de informações para realizar transações, acompanhar registros, desenvolver análises, controlar e comunicar. Desenvolvidas no ciberespaço, as narrativas digitais são marcadas pela difusão rápida e contínua de mensagens mediáticas com diversas moldagens, textos, imagens, sons, artes, vídeos. Martino (2014, p. 21) aponta que o conceito “ciber”, desde o advento da internet e das mídias digitais, é atrelado a ambientes e tecnologias. A palavra e sua definição aparecem pela primeira vez citadas pelo matemático radicado norte-americano Norbert Wiener, em seu livro Cybernetics, de 1984. A palavra “cibernética” vem do grego Kibernos, ‘controle’. A cibernética é a área do saber que se dedica a estudar as relações entre formação e controle em um sistema. Já o termo “ciberespaço” foi usado pela primeira vez no livro Neuromancer, de William Gibson, publicado em 1984. Referia-se a um espaço imaterial ao qual seres humanos eram conectados através de aparelhos eletrônicos.

O ciberespaço é a interconexão digital entre computadores ligados à rede. É um espaço que existe entre os computadores, quando há uma conexão entre eles que permite aos usuários trocarem dados. Cada pessoa com acesso à internet faz parte do ciberespaço quando troca informações, compartilha dados, publica alguma informação. (TRIVINHO, 2007, p. 29).

A cibercultura consolida-se a partir da segunda metade do século XX, irradiando-se para todos os segmentos da vida humana, à medida que todas as atividades do cotidiano estão atreladas à tecnologia informática (TRIVINHO, 2007). A cibercultura se origina no final dos anos 1960, nos Estados Unidos, com jovens (ibélicos) que construíram PCs para tirar o

monopólio dos grandes conglomerados das empresas de telecomunicações. Ela influenciou diretamente a concepção de comunicação tecnológica com o valor utópico articulador da sociedade pós-moderna. As principais características da cibercultura são a velocidade e a interatividade, bases do fenômeno glocal,3. A velocidade de transmissão de informações propiciada pelas novas tecnologias, notadamente a internet, tem alterado de maneira drástica nossa forma de perceber espaço e tempo, bem como de agenciar nossas práticas subjetivas, sobretudo do mundo religioso.

Compreendida como civilização mediática avançada (TRIVINHO, 2012, p. 36), essa época expressa o eixo articulatório na lógica da comunicação em tempo real como sendo o

modus operandi do capitalismo tardio. Pode-se dizer que esse feito do capital – o fenômeno

da comunicação em tempo real – remonta ao empreendimento iniciado na Revolução Industrial para alcance de níveis altos de produtividade da indústria, por meio de estratégias, instrumentos administrativos e ferramentais, além de procedimentos processuais, todos eles concebidos para extrair resultados ótimos da relação entre tempo e espaço, entendidos como tempo de produção e circulação de mercadorias, para sua transformação em dinheiro e presença de capital na maior extensão territorial possível.

Na civilização mediática atual, tomada aqui na pós-modernidade, o imaginário deixa de ser apenas um conjunto de imagens e torna-se uma trama concernente a valores e sensações partilhadas. O sucesso desse novo tempo dependeu de investimentos econômicos e intelectuais que promovessem a passagem do uso de instrumentos técnicos para os tecnológicos, de modo que estes, incluindo as telecomunicações, viabilizassem a superação da barreira representada pela conjunção espaço-tempo, necessária para o deslanchar do empreendimento capitalista (HARVEY, 2004). A comunicação em tempo real comparece, no processo histórico desse desenvolvimento, como ápice da invenção do próprio meio de sobrevivência do capital como modus operandi social, cultural e econômico, constituído na forma de rede de relações aceleradas entre sujeitos, instituições e corporações empresariais, entre elas os media.

Nesse espaço mediatizado marcado por velocidade e rapidez, os signos aparecem, desaparecem e se ressignificam na sociedade, combinados aos recursos tecnológicos, permitindo a vazão da interatividade e da criatividade às novas formas de produção de narrativas que aparecem. Essas narrativas são construídas com base nas práticas sociais e com

3 O fenômeno glocal e seu processo derivado, a glocalização, equivalem ao complexo modo de reprodução social-histórica – essencialmente descentrada, socialmente enredada e altamente acelerada – do existente sob o imperativo da espectralização audiovisual e informacional e de suas relações sociais”

o uso de múltiplas linguagens midiáticas, que propiciam a organização de experiências por meio de histórias que articulam os acontecimentos com os quais lidamos, representados pelos diversos meios de comunicação e pelas interfaces de entrada e saída de dados, informação e consumo. Forjada pela cultura de consumo, a sociedade moderna cria constantemente espaços, que tornam o consumo um sistema global que molda as relações dos indivíduos e determina os padrões de consumo também na religião. Este campo entre religião e consumo terá destaque no decorrer da análise acerca das narrativas dos personagens em estudo, a saber: o padre Marcelo Rossi, o cantor Thiago Brado e postagens do portal de notícias do Vaticano, o Vatican News, sobre o Sumo Pontífice, o Papa Francisco. Além disso, analisaremos o comportamento mediático do catolicismo nas redes sociais por ocasião de uma epidemia.

Com a narrativa do fenômeno pós-moderno, a comunicação passou a dominar os campos cultural, religioso, político e econômico ao tornar-se presente no reduto da vida privada e do lazer, consolidando os interesses das grandes corporações, que transformam a cultura em produto de consumo e perpetuam a lógica capitalista no cenário da sociedade. O capital supera suas dimensões econômica e política para fazer-se presente também na esfera simbólica. No ambiente virtual, as narrativas nos envolvem de outras formas, diferentes das do mundo real; nos jogos, por exemplo, não somente participamos das ações, como também as cometemos. Desse panorama fazem parte a produção e o consumo acelerados e ininterruptos de tecnologias da informação que levam os indivíduos a se apropriar dos produtos infotecnológicos com funções cada vez mais sofisticadas, tanto em recursos e aplicativos quanto em acessórios e design. Essa veloz atualização de bens materiais e imateriais informáticos garante a reprodução social e histórica da lógica cibercultural. Uma das características que marca fortemente o contexto contemporâneo é a velocidade das transformações da vida social e das informações que são propagadas minuto a minuto pelos meios de comunicação. “Somadas a comunicação tecnológica e a cultura pós-moderna, a velocidade resulta num dos principais vetores estruturais da cibercultura, promovendo dinamismo para a atual civilização mediática”, Trivinho (2007, p. 227). A partir de experiências espaço-tempo, constroem-se esquemas duradouros de percepção de pensamento e de ação. As categorias de tempo e espaço formam um modelo comum de percepção da realidade, permitindo a construção de um modo compartilhado, onde se desenvolvem as relações interpessoais, incluindo a linguagem, a comunicação e a ação conjunta.

Na medida em que o tempo se acelera e as distâncias encurtam, passado e futuro se dissolvem, ocorrendo o surgimento do reinado do presente, em que todo lugar está ao alcance de um instante. Harvey chama esse tempo de compressão espaçotemporal, indicando “com

essa expressão os processos que revolucionaram as qualidades objetivas do espaço e do tempo, a ponto de nos forçarem a alterar, às vezes radicalmente, o modo como representamos o mundo para nós mesmos” (2004, p. 219). A palavra compressão está relacionada à aceleração do ritmo da vida. O que temos visto nas últimas décadas é uma “intensa fase de compressão do tempo-espaço que tem tido um impacto desorientador e destrutivo sobre as práticas político-econômicas, sobre o equilíbrio do poder de classe, bem como sobre a vida” (HARVEY, 2004, p. 19).

As tecnologias contribuem para a construção do espaço das redes multimidiáticas, o que implica uma nova ótica, a ótica global, que possibilita o aparecimento da visão panóptica, necessária para o estabelecimento do mercado visível. Esse mercado visível, mundial e único, “exige a superexposição de toda a atividade, a concorrência simultânea das empresas nas sociedades, mas também dos consumidores e, portanto, dos próprios indivíduos, e não mais unicamente de determinadas categorias da população-alvo” (VIRILO, 1996, p. 62).

Essa configuração de superexposição generalizada é uma evidência das muitas transformações pelas quais vem passando a modernidade na contemporaneidade. Da mesma forma que o controle, o capital também se torna extraterritorial, leve e capaz de se mover com rapidez quase instantânea por toda a rede social. Trivinho amplia e aprofunda a análise do impacto da dromocracia na sociedade atual ao enfatizar que, embora a velocidade estivesse presente ao longo da história, pautando a existência humana, no contexto atual, ela constitui um regime totalitário e invisível a partir do advento da sociedade, marcada por instrumentos infotecnológicos amplamente saturados pelo uso cotidiano. Segundo o autor, “Existem conexões íntimas entre a velocidade tecnológica como princípio de estruturação e modulação da vida social” (TRIVINHO, 2007, p. 64).

O universo digital incorpora, o tempo todo, mais recursos de representação, à medida que os estudiosos objetivam construir dentro dele uma realidade virtual tão consistente e abundante quanto a própria realidade. “A imagem digital, graças à sua natureza simbólica (no sentido matemático do termo), torna possível todos os tipos de mediação entre linguagens formais e representações sensíveis” (QUÉAU, 2011, p. 91). O desenvolvimento técnico e financeiro desse meio de comunicação concebeu diferentes entretenimentos narrativos, que se diversificam desde os videogames até os hipertextos literários pós-modernos, como blogs, WhatsApp, Facebook, entre outras redes sociais.

A disseminação dos recursos tecnológicos e o fato de as tecnologias digitais de informação e comunicação se concentrarem em um único dispositivo, como a câmara fotográfica, a câmara de vídeo, o gravador de som etc., como já acontece com os tablets, os

celulares e os laptops, têm possibilitado essas formas inovadoras de produção de narrativas em todas as esferas da sociedade.

Presente no ciberespaço, essa condição mediada pelas redes amplia as alternativas de comunicação e altera o papel de receptor/emissor, que, em sua maioria, tinha uma ação passiva para a possibilidade de interação diversificada, seja pela produção de conteúdo ou de retorno advindo de participação instantânea dos indivíduos nas redes. “Redes móveis, redes sociais e dispositivos sensoriais estão reconstruindo o mundo através de uma rede em tempo real, conectada” (RECUERO, 2015, p. 14). Cada meio de expressão tem seu próprio padrão de desejos, sua própria maneira de entreter, de criar beleza, de aprender o que sentimos ser verdadeiro a respeito da vida, de sua própria estética. Uma das funções dos artefatos iniciais das redes sociais é despertar para esses novos desejos, criar a demanda por intensificação dos prazeres específicos que o meio digital tem a oferecer. A vida social moderna ganha capacidade de conectar o local e o global de formas impensáveis em sociedades tradicionais, modificando as narrativas da vida de milhões de pessoas ao mesmo tempo. Desse modo, diante das inovações tecnológicas, o ato de narrar também se altera, demandando maior interatividade, troca de conhecimentos, autoria e ludicidade. Ressaltamos que fomos buscar em Murray (2003), Paul Ricoeur (1994), Nora Paul (2010) e Recuero (2015) os subsídios para o cenário de narrativa ao qual nossa discussão se dirige – o espaço digital, a fim de entender as especificidades dos modos de narrar em rede. Segundo Murray (2003), as mais variadas formas narrativas sempre possibilitaram certa interação do indivíduo através da imaginação, gerando uma gama diversificada de interpretações a respeito de determinada história. Janet Murray prevê ainda que, quanto mais a narrativa amadurece, a vastidão de realizações vai ganhando maior coerência; os espectadores participantes de jogos eletrônicos, por exemplo, assumem papéis mais claros, orientando-se nos complexos labirintos e enxergando modelos interpretativos em universos simulados. Isto mostra que, nesta civilização, uma nova arte narrativa vai emergindo e alcançando sua própria forma de expressão.

Nesse novo tempo, com as novas tecnologias, ampliaram-se as possibilidades narrativas, que incluem recursos de som, imagem e técnicas variadas e são caracterizadas como narrativa digital, digital storytelling ou relatos digitais. Segundo Jenkins (2009), essa é a melhor forma de transmitir informações, porque o conteúdo é mais facilmente lembrado se for entregue em um contexto narrativo. O autor defende não ser possível apenas narrar os fatos; é preciso colocá-los em um contexto sequenciado de início, meio e fim e considerar a tensão de como o enredo do jogo digital vai se resolver. Essas novas formas de representação da narrativa, assim como as tradicionais, guardam as mesmas caraterísticas, pois se

constituem a partir de um ponto de vista particular do indivíduo ou se relacionam à apresentação de um tema específico.

Uma narrativa excitante, em qualquer meio, pode ser experimentada como uma realidade virtual porque nossos cérebros estão programados para sintonizar nas histórias com uma intensidade que pode obliterar o mundo à nossa volta. Essa força de “canto das sereias” que a narrativa possui fez Platão suspeitar dos poetas como uma ameaça à República. Fez também contemporâneos de Cervantes temerem a nova coqueluche da leitura silenciosa. E fez o advento do cinema e o da televisão tão assustadores para os escritores distópicos do século XX. O mesmo encantamento que levou Dom Quixote a desafiar moinhos de vento recentemente levou uma mulher de Arkansas a comparecer para atuar como jurada no caso Whitewater vestindo um uniforme de Jornada nas Estrelas. (MURRAY, 2003, p. 123).

A narrativa digital facilita a construção de sentido e o compartilhamento de experiências com as linguagens das tecnologias digitais de informação e comunicação. O ato de narrar acompanha todas as nossas ações e relações sociais; ele nos ajuda a dar sentido aos acontecimentos, uma vez que, ao narrarmos uma experiência, somos remetidos ao registro da memória sobre o cotidiano da vida social, ao específico do sujeito, ao coletivo de um grupo, aos significados que os sujeitos atribuem aos grupos. A narrativa está relacionada à produção de sentido e à compreensão de como a realidade é construída, considerando a subjetividade, o ambiente cultural e seus instrumentos para o discurso comunicativo. Enquanto seres humanos, produtores de linguagem, temos uma real necessidade de narrar nossos feitos e realizações, como uma forma de inserção e de reconhecimento social. Ao mesmo tempo, é necessário adaptar-se e transformar-se de forma constante para atender a uma percepção social do agir, depreendida da própria narrativização da vida. Isso porque as narrativas de vida integram uma rede comunicacional extremamente imprescindível às representações e identidades sociais. Assim, encontramos estratégias de comunicação que se utilizam das narrativas digitais como forma de engajar e moldar o sujeito ao contexto em que se insere.

Christian Salmon fala na “entrada em uma nova era, a era ‘narrativa’”, tamanhos a aceitação e o interesse que o storytelling tem conquistado a partir da década de 1990. Nos Estados Unidos, principalmente até esse período, o storytelling era entendido como “[...] uma forma de comunicação reservada às crianças, cuja prática se limitava às horas de ócio e às

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