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3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.2 Aspectos legais da cobrança pelo uso da água no Brasil

3.2.4 Natureza, definição e objetivos da cobrança

No que se refere à natureza da cobrança pelo uso da água, cabe refletir se essa é considerada como taxa ou como tarifa. De acordo com Pereira (2002), essa mesma indefinição faz com que a redevance do Sistema Francês, com mais de 30 anos de existência, no que se tange à legalidade, permaneça sob suspeita. A Lei no

9.433/97, ao utilizar o termo genérico “cobrança pelo uso dos recursos hídricos”, deixou em aberto essa questão.

Segundo Pompeu (1997), a cobrança prevista na Lei no 9.433/97, ou

contraprestação pela utilização das águas públicas, se define da seguinte forma: a) não configura imposto (já que esse, conforme o Art. 16, da Lei Federal no 5.172/66, “destina-se a cobrir despesas feitas no interesse comum, sem ter em conta as vantagens particulares obtidas pelos contribuintes”);

b) não é taxa (já que, conforme o Art. 77, da Lei Federal no 5.172/66, “não se está diante do exercício de poder de polícia – taxa de polícia – ou da utilização efetiva ou potencial de serviço público – taxa de serviço”);

c) não é contribuição de melhoria (já que, conforme o Art. 81, da Lei Federal no 5.172/66, “inexiste obra pública cujo custo deva ser atribuído à valorização de imóveis beneficiados”).

Desse modo, para Pompeu (1997) se está diante de um “preço público”, que são parte das Receitas Originárias, denominadas assim porque sua fonte é a exploração do patrimônio público ou a prestação de serviço público. Por esse motivo são também chamadas Receitas Industriais ou Patrimoniais, pois são provenientes da exploração de serviços, bens, empresas ou indústria do próprio Estado.

Cánepa et al. (1999) concordam com a idéia de Pompeu, ou seja, para eles o mecanismo de cobrança não visa atuar como um imposto. Para os autores, o princípio que rege a cobrança é que se trata de um preço público, o pagamento pela utilização de um bem público para uso particular e, imposto é entendido com um tributo exigido ao contribuinte pelo governo, independentemente da prestação de serviços específicos ou posse de um bem.

O reconhecimento da água como bem econômico só se materializa através da implementação do instrumento da cobrança pelo uso da água. Segundo Damásio et al. (2003), a cobrança é justificada sempre que o balanço hídrico de uma bacia

hidrográfica se torne crítico, bem como nos casos onde a poluição da água possa comprometer a sua qualidade, exigindo, assim, recursos para financiar ações, projetos e obras hidráulicas.

Conforme Carrera-Fernandez e Garrido (2002), a cobrança pelo uso da água é um dos instrumentos de gestão mais apropriados e eficazes para induzir o uso racional dos recursos hídricos e combater o uso perdulário da água, pois na medida em que o desperdício que se praticava antes da sua implementação passa a ser contabilizado pelo usuário como prejuízo. Além disso, a cobrança pelo uso da água se justifica como mecanismo de financiamento dos investimentos e custos de operação e manutenção do sistema de gestão.

Para Carrera-Fernandez e Garrido (2002), a cobrança é, também, justificada como forma de corrigir as externalidades negativas que os usuários impõem aos demais usuários do sistema, ao utilizarem a água no consumo, como produto final ou produção de bens ou como diluente de poluentes. Assim, a cobrança tem como objetivo ser um mecanismo de correção das distorções entre o custo social e o custo privado, atuando como instrumento para internalização dos efeitos externos que cada usuário de um sistema hídrico impõe aos demais na sua decisão particular de utilizar água.

Ainda, conforme Carrera-Fernandez e Pereira (2002), a cobrança pelo uso dos recursos hídricos atua como um elemento indutor da gestão participativa, descentralizada e integrada de todos os interessados. Isto ocorre uma vez que os integrantes do comitê, entre outras coisas, deverão discutir os níveis de preços, a maneira de se implementar esse instrumento, e as necessárias alterações de rumo, quando o instrumento da cobrança estiver sendo aplicado. Também, de acordo com os autores, as principais decisões sobre a cobrança serão tomadas no âmbito da própria bacia, com o apoio técnico dos órgãos que compõem o sistema integrado de gerenciamento dos recursos hídricos, razão porque o exercício da cobrança é considerado como atividade descentralizada por excelência.

De acordo com o disposto na Lei no 9.433/97, a cobrança pelo uso da água deve atender tanto ao objetivo econômico como o financeiro. O artigo 19 informa que a cobrança visa reconhecer a água como bem econômico e incentivar a racionalização de seu uso. O inciso I desse artigo dispõe, inclusive, que deve ser dado ao usuário uma indicação do real valor da água. De acordo com Pereira

(2002), isso pode ser interpretado como a cobrança de um valor que seja indicativo dos custos externos que o uso da água esteja provocando.

O objetivo financeiro está presente no artigo 22, da mesma Lei, que define que os valores cobrados deverão financiar não apenas os estudos, programas, projetos e obras dos Planos de Recursos Hídricos, mas, também a implantação e custeio administrativo do Sistema Nacional de Gerenciamento. A resolução no 48 do CNRH, que estabeleceu os critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, reforça o atendimento aos objetivos econômicos e financeiros. O Quadro 3 apresenta os objetivos da cobrança pelo uso da água na legislação brasileira de recursos hídricos.

QUADRO 3. Objetivos da cobrança pelo uso da água na legislação brasileira. I Reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação do seu real

valor;

II Incentivar a racionalização do uso da água;

III Obter recursos financeiros para financiamento dos programas e intervenções dos planos de recursos hídricos.

Lei no 9.433/97

I Reconhecer a água como bem público limitado, dotado de valor econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor;

II Incentivar a racionalização do uso da água e a sua conservação, recuperação e manejo sustentável;

III Obter recursos financeiros para o financiamento de estudos, projetos, programas, obras e intervenções, contemplados nos Planos de Recursos Hídricos, promovendo

benefícios diretos e indiretos à sociedade;

IV Estimular o investimento em despoluição, reuso, proteção e conservação, bem como a utilização de tecnologias limpas e poupadoras dos recursos hídricos, de acordo com o

enquadramento dos corpos de águas em classes de usos preponderantes; V Induzir e estimular a conservação, o manejo integrado, a proteção e a recuperação dos

recursos hídricos, com ênfase para as áreas inundáveis e de recarga dos aqüíferos, mananciais e matas ciliares, por meio de compensações e incentivos aos usuários.

Resolução no 48 CNRH-CTCOB