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3. A POSSIBILIDADE DE REABERTURA DAS INVESTIGAÇÕES E OS EFEITOS

3.2 Decisão de arquivamento

3.2.1 Natureza jurídica e irrecorribilidade

Diante das características apresentadas relativamente ao procedimento de arquivamento do inquérito policial, bem como sobre a possibilidade de reabertura das investigações, é de se questionar acerca da natureza jurídica do ato do juiz que determina o arquivamento das peças de informação.

De acordo com Rocha, assim como a generalidade dos atos processuais, aqueles emanados pelo órgão jurisdicional configuram manifestações de vontade, que se verificam nas formas de decisões e de despachos. Estes consistem em atos por meio dos quais o juiz promove o andamento do processo. As decisões, por sua vez, referem-se às deliberações do magistrado acerca do mérito da demanda ou de matéria meramente processual, podendo ser interlocutórias ou finais.162

Especificamente no âmbito processual penal, os atos processuais do magistrado dividem-se em: a) decisões definitivas, que são de mérito e põem fim a uma fase do processo (terminativas); b) decisões com força de definitivas (ou interlocutórias mistas), que não apreciam o mérito, mas são terminativas; c) decisões interlocutórias, que resolvem questões incidentais e não põem fim a nenhuma fase do processo (não terminativas); d) despachos, sem

caráter decisório, servindo de mero impulso processual.163164

As decisões definitivas, por sua vez, são subdivididas em sentenças e decisões definitivas em sentido estrito. Enquanto estas apreciam questões de mérito lato sensu, aquelas tratam do mérito stricto sensu, isto é, da análise da pretensão punitiva estatal, no sentido de

condenar ou absolver o acusado.165166

O Código de Processo Penal refere-se ao ato de arquivamento como um

despacho.167 Este, de acordo com a doutrina processualista, é definido como o ato do órgão

162 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 229.

163 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018. “Art. 800. Os juízes singulares darão seus despachos e decisões dentro dos prazos seguintes, quando outros não estiverem estabelecidos: I - de dez dias, se a decisão for definitiva, ou interlocutória mista; II - de cinco dias, se for interlocutória simples; III - de um dia, se se tratar de despacho de expediente”

164 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do processo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 327.

165 Nesse aspecto, o Código de Processo Penal trata da sentença absolutória no art. 386 e da condenatória no art.

387, bem como da absolutória sumária no art. 397.

166 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015,

p. 1700-1701.

167 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018. “Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação; [...]”.

jurisdicional despido de caráter decisório, visto que não resolve questões de mérito, nem incidentais, e não põe fim a nenhuma fase do processo. Os despachos são, portanto, os demais provimentos do órgão jurisdicional, que servem de impulso processual, revelando o cunho residual desse ato.168

Nesse sentido, parte da doutrina, na qual se incluem, entre outros, Mirabete,

Tourinho Filho, Polastri e Espínola Filho, trata como despacho o ato de arquivamento.169 Nesse

aspecto, Espínola Filho atribui ao arquivamento a natureza jurídica de despacho, considerando a ausência de juízo decisório por parte do órgão jurisdicional.

Em crítica à intervenção do Poder Judiciário, o referido autor discorre:

fora, de fato, reservar ao juiz uma função meramente mecânica, quando lhe é submetido a deferimento o pedido de arquivamento formulado pelo Ministério Público. Passaria o despacho a representar formalidade inútil, constituindo um contrassenso e uma aberração de todos os princípios e de toda a técnica do direito judiciário figurar decisão, em que nada decide, devendo confirmar-se, sistemática e incondicionalmente, com o que é requerido. Assim, em vez de pronunciar-se sobre o arquivamento, o juiz teria, na verdade, o seu papel reduzido a tomar conhecimento de que a promotoria deliberará arquivar o processo.170

Em contraposição, existem doutrinadores que reconhecem ao arquivamento a natureza jurídica de decisão judicial. Sob essa perspectiva, Jardim sustenta que:

o arquivamento, no primeiro grau de jurisdição, é uma decisão judicial que, acolhendo as razões do Ministério Público, encerra as investigações do fato delituoso. Dissemos decisão judicial, no sentido próprio da expressão. Vale dizer, não é um mero despacho como pode fazer crer uma leitura apressada do código.171

Na mesma direção, Pitombo defende que, ao arquivar o inquérito, o Poder Judiciário profere um juízo de suficiência sobre a questão penal. Para o jurista, ao determinar o arquivamento, o juiz decide sobre as provas contidas no inquérito e de acordo com o pedido do Ministério Público. Mediante a análise dos autos, o órgão jurisdicional declara ou que os meios de provas são inconclusivos quanto ao fato delituoso e/ou sua autoria, não ensejando a denúncia, ou que as provas demonstraram que o fato é inexistente, atípico ou alcançado por alguma causa excludente de ilicitude ou extintiva de punibilidade, impedindo a propositura da ação penal. Segundo o autor, o magistrado “encerra um juízo de convencimento, relativo à natureza do fato,

168CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do processo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 327.

169 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 83-84;

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 327; LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 139.

170 ESPINOLA FILHO, Eduardo; SILVA, José Geraldo da.; LAVORENTI, Wilson. Código de processo penal brasileiro anotado. Campinas: Bookseller, 2000, p. 409-410.

sua extensão e respectiva autoria, alicerçado em preliminar formação da culpa” (grifo do autor).172

Para Coutinho, trata-se a decisão de arquivamento de uma decisão jurisdicional, visto que o Ministério Público, ao requerer o arquivamento do inquérito, leva ao juiz uma

questão jurídica a ser decidida.173

De acordo com o autor, se a decisão de arquivamento tivesse de fato caráter de mera decisão administrativa, não haveria por que o legislador estabelecer condições para o desarquivamento do inquérito policial, como o fez, mediante a exigência de novas provas, contida no art. 18 do Código de Processo Penal, que acabou por repercutir no enunciado da

Súmula nº 524 do Supremo Tribunal Federal.174

Defendendo a natureza jurídica de decisão judicial, Pacelli explica que:

o arquivamento do inquérito gera direito subjetivo ao investigado, em face da Administração Pública, na medida em que a reabertura das investigações está condicionada ou subordinada à existência de determinado fato e/ou situação concreta. E, se assim é, referido ato do Judiciário não deixa de ser uma decisão, com efeitos jurídicos sobremaneira relevantes. E mais: caracteriza-se também como decisão, dado que, ao juiz, em tese, caberia providencia diversa, ou seja, discordar do requerimento de arquivamento (art. 28, CPP) e submeter a questão ao exame da chefia da instituição do Ministério Público. Não se trata, pois, de mero despacho de impulso ou de movimentação.175 (grifo do autor)

O referido escritor destaca a semelhança entre o ato que determina o arquivamento do inquérito e aquele que impronuncia o réu nos procedimentos do Tribunal do Júri. Isso

porque, tanto para a reabertura das investigações – no caso do arquivamento, quanto para a

apresentação de nova denúncia ou queixa – no caso da impronúncia, o Código de Processo

Penal prevê como condição a presença de novas provas.176177

Apesar disso, o Código de Processo Penal refere-se ao ato judicial de arquivamento

como despacho, em seu art. 67, inciso I178, e ao ato de impronúncia como decisão judicial, visto

172 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Arquivamento do inquérito policial: sua força e efeito. Revista do Advogado, São Paulo, n. 11, out. 1982. Disponível em: < http://www.sergio.pitombo.nom.br/artigos.php>.

Acesso em 10 abril 2018.

173 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A natureza cautelar da decisão de arquivamento do inquérito

policial. Revista de Processo, São Paulo, v. 70, p.49-58, 1993, p. 53.

174 Ibidem, p. 53.

175 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 13. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2010, p. 69.

176 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018. “Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova”.

177 OLIVEIRA, op. cit., p. 68-69.

178 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,

que se trata de ato impugnável por apelação, na forma do art. 416 do CPP, com redação dada

pela 11.689/2008.179 Para o autor, isso reflete a impropriedade emprego do termo despacho,

tratando-se verdadeiramente de decisão judicial.180

A despeito da natureza decisória do ato que determina o arquivamento, é ajustado o entendimento de se tratar de decisão irrecorrível. Nesse aspecto, a jurisprudência é pacifica em não reconhecer o cabimento de qualquer recurso judicial contra o arquivamento do inquérito policial, visto que sua interposição tenderia indevidamente a forçar o início da ação penal, que

é de atribuição constitucional exclusiva do Ministério Público.181

Na doutrina, Pacelli sustenta que o arquivamento é irrecorrível judicialmente, visto que o ato de arquivamento reflete uma decisão do Ministério Público, que somente poderia ser confrontada por um juízo proveniente de um órgão legalmente com atribuição revisional, como o Procurador-Geral de Justiça, no âmbito estadual, e as Câmaras de Coordenação e Revisão do

Ministério Público Federal, no âmbito federal.182

Mais precisamente, Rebouças traça algumas considerações necessárias à compreensão da questão. Primeiramente, deve-se conceber a decisão de arquivamento como uma decisão definitiva ou com força de definitiva, a depender da apreciação ou não do mérito.

Por conseguinte, não constando no rol taxativo do art. 581 do Código de Processo Penal,183 não

seria impugnável por recurso em sentido estrito, mas sim por apelação, na forma do art. art.

593, caput, II, do mesmo diploma normativo processual.184185

Contudo, a interposição do recurso não é possível, haja vista a ausência de interesse recursal pelo Ministério Público, já que fora o próprio Parquet quem requereu o arquivamento

ao órgão judicial.186

2018. “Art. Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação; [...]”.

179 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018. “Art. 416. Contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá apelação.”.

180 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 13. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2010, p. 68-69.

181 Nesse sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 15.169.

Relator: Ministro Nefi Cordeiro. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 18 dez. 2014. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=rms+15169&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10 &i=4>. Acesso em: 19 maio 2018.

182 OLIVEIRA, op. cit., p. 73.

183 O artigo trata das hipóteses de cabimento do Recurso em sentido estrito

184 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018. “Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: [...] II - das decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior; [...]”.

185 REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 207. 186 Ibidem, p. 207.

Para além disso, poder-se-ia considerar a possibilidade da interposição do recurso pelo ofendido. Ocorre que, na ação penal de iniciativa pública o ofendido não é parte processual, não possuindo legitimidade para recorrer. Nesse contexto, não pode apresentar recurso como

assistente da acusação, na forma do art. 598187, visto que tal figura processual só é admitida a

partir do recebimento da denúncia.188189

Ainda quanto à atuação do ofendido, é sedimentado o entendimento no sentido de que não lhe caberá a propositura de ação penal privada subsidiária da pública, prevista no art.

29 do Código de Processo Penal.190 Isso porque, esse tipo de ação somente é admitida na

hipótese de inércia do Parquet, o que não se verifica quando do arquivamento do inquérito

policial, pois Ministério Público está atuando de acordo com suas atribuições legais.191

Nesse aspecto, Tourinho Filho explica que o ofendido não pode desconsiderar a opinião do Ministério Público, titular da ação penal de iniciativa pública, que fora inclusive confirmada através do controle judicial, e, a despeito disso, apresentar a queixa subsidiária. Destarte, o autor comenta que:

nem se poderia conceber que, tendo o Juiz deferido o pedido do órgão estatal da acusação, no sentido de serem arquivados determinados autos de inquérito, pudesse o ofendido sobrepor-se à vontade do Estado, exteriorizada na palavra o seu representante, que é o Ministério Público, e também à decisão do Órgão Jurisdicional. O art. 29 não tem, evidentemente, aquela extensão que se lhe quer emprestar.192

Dessa forma, determinado o arquivamento pela autoridade judicial, não resta a nenhuma das partes a possibilidade de recorrer da decisão, nem ao ofendido de promover a ação

187 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018. “Art. 598. Nos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou do juiz singular, se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal, o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art. 31, ainda que não se tenha habilitado como assistente, poderá interpor apelação, que não terá, porém, efeito suspensivo”.

188 Ibidem. Acesso em: 18 mai. 2018. “Art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como

assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31”.

189 REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 207.

190 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018. “Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal”.

191 LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p .144. 192 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 405 apud LIMA,

subsidiariamente. Não obstante, será sempre possível a impetração dos remédios

constitucionais para impugnar a decisão, desde que obedecidos seus requisitos legais.193