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2.2 SÚMULA VINCULANTE

2.2.2 Natureza Jurídica

A análise da natureza jurídica da súmula vinculante passa pelo reconhecimento da mesma enquanto norma. Isso porque, considerando a súmula vinculante como norma, pode-se chegar aos questionamentos quanto à usurpação da competência legislativa, realizada pelo Poder Judiciário ao emiti-las.

De fato, os defensores da corrente que situam a súmula vinculante como uma mera atividade jurisdicional, concluem que a mesma não manifesta uma norma geral, posto que é fruto da atividade interpretativa do Supremo, a partir de casos concretos.140

Nessa corrente, defende Osmar Mendes Paixão Côrtes que:

Tenham as súmulas efeito vinculante ou não, o certo é que elas não brotam do nada e de nenhuma atividade criadora do Tribunal, em exercício de atividade legislativa em sentido estrito ou criadora de normas, como preceitos gerais destinados a regular as condutas sociais. Depois de reiteradas decisões em um mesmo sentido, todas fruto do julgamento de casos concretos a partir da aplicação de

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CADORE, Márcia Regina Lusa. Op. Cit., p. 139. 140

normas existentes, o Tribunal consolida o entendimento em um enunciado de forma sucinta e objetiva.

Noutra senda, verifica-se que em razão da súmula vinculante se dirigir para o futuro, possuindo caráter obrigatório, consequentemente, a mesma possui natureza normativa, equivalente a uma lei, posto que manifesta generalidade e abstração. Trata-se de uma generalização que decorre de uma norma de decisão, expressando um texto, com a pretensão de eliminar possíveis dúvidas quanto à adoção de condutas. Desta forma, visualiza-se com clarividência a sua aproximação da competência legislativa.141

A súmula vinculante é considerada abstrata, pois regula as situações de modo geral e hipotético, eliminando os fatos concretos que caracterizam as decisões precedentes utilizadas como base para sua aprovação.142

Para José de Albuquerque Rocha, “a súmula vinculante é uma metanorma em relação às normas legislativas porque dita o sentido em que as últimas devem ser entendidas”. 143 Essa circunstância dá ao sujeito normativo que emite a súmula vinculante, no caso, o Supremo Tribunal Federal, uma posição de superioridade hierárquica em relação ao legislador democrático, verdadeiro possuidor do poder absoluto de atribuir sentido aos textos.

Logo, em uma sessão de um determinado tribunal, ao se analisar, por exemplo, um recurso que trata de matéria já debatida e pacificada, a mera alusão à existência de uma súmula, anteriormente emitida, dispensa a referência de outros julgados, da própria corte ou de corte diversa.

O efeito vinculante pode ser analisado como uma via oposta à independência judicial, elemento de extrema importância em um Estado de Direito. Nesse contexto, o magistrado dependeria somente da lei ou da Constituição, para a formação do seu convencimento.

Pois bem. A expressão utilizada pelo artigo 103-A da Constituição designa ato do Supremo Tribunal Federal, é dizer, sua manifestação de vontade ou tomada de posição sobre controvérsia a respeito de validade, interpretação e

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SCHÄFER, Gilberto. Op. Cit., p.31. 142

TEIXEIRA, Oldemir Bilhalva. Op. Cit., p. 125. 143

eficácia de normas determinadas144. Esses seriam os requisitos formadores do objeto da súmula vinculante.

Impende ressaltar que uma norma é considerada como norma válida a partir do momento em que é produzida em consonância com os requisitos depositados na norma superior, havendo compatibilização do seu conteúdo com a Constituição.

Esse, talvez, seria o grande mérito da discussão existente na doutrina acerca do enquadramento da norma emendada no corpo constitucional. Isso porque, o poder de editar enunciados de súmula de caráter prescritivo, direciona a outro atributo existente no presente instituto, qual seja, a obrigatoriedade.

A Súmula Vinculante caracteriza-se como a possibilidade de construção de enunciados por parte da Corte que sintetizam o entendimento já por demais debatido em sede constitucional iluminando operações judiciais a posteriori. Seria a concretização do Poder Judiciário, por meio de suas decisões, do ideal das partes de ter reconhecido ou não direito, em igualdade de condições, o que valoriza e respeita o princípio da igualdade, bem como a duração razoável do processo145.

Um dos problemas da sua incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro diz respeito à essência deste, que, oriundo do sistema romano-germânico, não tem nos precedentes judiciais a fonte precípua do direito, mas a lei. Desta forma, a emissão de enunciados de súmula com efeito vinculante camufla o desequilíbrio na teoria da separação dos três poderes, por não mostrar nitidamente a atividade legiferante do Poder Judiciário, que deve se restringir materialmente, não emissão dos seus regimentos internos.

Ademais, não há como deixar de reconhecer que a possibilidade de emissão dos presentes enunciados está totalmente distante da prática de uma função atípica do Poder Judiciário, no quesito legislar, haja vista que a súmula vinculante padroniza os julgados, vinculando os magistrados dos demais tribunais e os magistrados de piso, com caráter, como antes analisado, de obrigatoriedade. O que seria isso a não ser uma “lei” dentro da própria realidade judiciária?

144

Ibidem, p. 11. 145

Contudo, de acordo com o enunciado do novo art. 103-A da Constituição Federal, essa vinculação atravessa o âmbito do Poder Judiciário, quando emite a vinculação também para a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Desta forma, críticas não cessam ao afirmar que a concretização destas súmulas perpassa pelo âmbito de atuação do Poder Judiciário e ao invés de qualificar e majorar a atribuição do Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição Federal denota o abuso no que diz respeito à invasão na atividade legislativa, a saber, por emitir enunciado de caráter prescritivo e obrigatório.

Segundo Eneida Gonçalves de Macedo Haddad146, “o argumento que prevalece entre aqueles que discordam da imposição da súmula vinculante é que o Direito se esclerosará, ficando estancado nas determinações da cúpula do Judiciário”. A função jurisdicional de primeira instância apenas se restringirá à leitura e à transcrição da decisão emitida pelo Supremo, sobre matéria constitucional, sem possibilidade de modificá-la.

Nesse caso, a súmula vinculante pode ser considerada uma norma geral e abstrata, extraindo-se a essência do art. 103-A da Constituição Federal, de modo que torna obrigatório o efeito vinculante das decisões do STF para todos os demais órgãos do Poder Judiciário, Administração Pública, e também, para os sujeitos privados.147

Nesse diapasão, acerca da natureza da súmula vinculante, verifica-se que se trata de norma derivada de uma atividade estatal, especificamente, jurisdicional, obrigando de maneira geral, dotado de valor normativo para todos os juízes, tendo em vista a sua natureza geral e abstrata, na condição equiparada à lei, sendo que a sua força normativa submete todos os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública.

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HADDAD, Eneida Gonçalves de Macedo. A Súmula vinculante sob a ótica de juízes de 1ª instância: um estudo exploratório. In: Súmula Vinculante e Segurança Jurídica. PESSÔA, Leonel Cesarino (Org.). São Paulo: LTr, 2007, p.99.

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