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2.4 LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA SÚMULA VINCULANTE

2.5.2 Procedimento e consequências da reclamação

Diante dos delineamentos acima tratados, verifica-se que a reclamação pode ser proveniente de duas esferas: primeiro, na hipótese de ocorrência de decisão judicial conflitante com súmula vinculante, segundo, o descumprimento da súmula vinculante pelas autoridades administrativas.

A reclamação pode ser proposta por qualquer interessado prejudicado concretamente por uma decisão judicial ou administrativa (no caso de

descumprimento) que viole entendimento vinculante do Supremo.186

Nesse caso, observa-se que, não faria sentido se houvesse a limitação de ingresso da reclamação apenas para os legitimados para a ação direta ou ação declaratória, posto que o efeito vinculante da súmula atinge todos os órgãos jurisdicionais, afetando, por via de consequência, uma infinidade de pessoas juridicamente interessadas.187

Além dos interessados diretamente prejudicados, destaque-se a legitimidade do Procurador-Geral da República, sendo que nas duas hipóteses, a reclamação deverá ser previamente instruída com prova documental, endereçada ao Presidente do STF. Observa-se que o procedimento é tipicamente documental, porquanto é necessário haver prova pré-constituída para que a referida ação seja aceita.

A partir daí, o Ministro Relator, após requisitar informações à autoridade cujo ato fora impugnado, poderá determinar a suspensão do curso do processo ou, ainda, solicitar a sua remessa ao Supremo.188

Julgado procedente a reclamação, o Supremo procederá à cassação da decisão judicial ou anulará o ato administrativo. No primeiro caso, determinará, ainda, que outra decisão seja proferida, com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso concreto. O STF não pode julgar a respectiva causa da reclamação, mas tão somente analisar a violação à súmula vinculante praticada pela decisão conflitante, determinando a sua anulação pelo mesmo juízo alvo da ação constitucional.

Em caso de anulação do ato administrativo, fica a critério da Administração Pública praticar outro ato, submetido à súmula vinculante ou optar por critério diverso, da sua escolha, como deixar de praticar o referido ato.189

186

TAVARES, André Ramos. Op.Cit., p. 78. 187

SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Op.cit., p.176. 188

SCHÄFER, Gilberto. Op. Cit., p. 147. 189

Segundo o entendimento de Sérgio Bermudes, “ O provimento da reclamação interposta contra ato administrativo contrário à súmula vinculante limitar-se-á, conforme o parágrafo, à anulação. Apagado o ato, fica a critério da Administração praticar outro, obediente da súmula, ou optar por critério diferente, da escolha dela, como, v. g.,pura e simplesmente deixar de praticar qualquer ato. Provendo, no entanto, a reclamação contra ato jurisdicional, o Supremo Tribunal cassará o ato, como diz o § 3º, usando verbo em sentido precário, em todo caso significativo de anular. Mas o Supremo Tribunal Federal não profere outro ato. Num juízo de reenvio, determina que outra decisão (o pronome outra, no feminino, refere-se a decisão judicial) seja proferida “com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso”. Casos pode haver em que a cassação do ato seja suficiente para assegurar a efetividade da súmula, como quando a anulação do ato contrário à súmula fizer com que

Ressalte-se que, julgando procedente ou improcedente a reclamação, é cabível mais um artifício judicial, qual seja, o manejo de embargos de declaratórios ou o agravo regimental, o que demonstra nitidamente grande risco do processo de engessamento da Corte constitucional brasileira.190

Em caso de descumprimento da aplicação da súmula vinculante, nem a Emenda Constitucional nº 45/2004 e nem a Lei nº 11.417/2006 disciplinaram acerca das sanções direcionadas aos demais membros do Judiciário no que tange ao descumprimento de súmula vinculante. Contudo, não há restrições quanto à construção jurisprudencial para a aplicabilidade de sanções, principalmente de cunho indenizatório, quando da atuação do magistrado estiver pautada em dolo ou culpa, resultando em grave prejuízo a parte que foi prejudicada pela insistência do mesmo em contrariar determinada súmula vinculante.

Além disso, nota-se a possibilidade da aplicação de sanções previstas na LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional, em casos de violação do dever funcional, mediante ingresso do interessado prejudicado com representação junto ao CNJ- Conselho Nacional de Justiça

Noutra senda, com referência às penalidades previstas no âmbito da Administração Pública, tem-se a introdução dos arts. 64-A e 64-B na Lei nº 9.784/99, de maneira que caso a autoridade administrativa não cumpra a decisão proferida em sede de reclamação, tal autoridade passa a ser ameaçada de sofrer sanções de natureza pessoal, civil e penal, é dizer, o agente administrativo que porventura descumpriu o enunciado de súmula vinculante comete grave violação de dever funcional.191

Tenta-se resguardar, com essa medida, a autoridade da súmula vinculante, que fora confrontada, bem como a decisão da reclamação, traduzindo-se pela resposta final da Corte no que tange à interpretação do dispositivo constante no enunciado sumular.

Há quem defenda a responsabilidade pessoal dos agentes supracitados, como Leonardo L. Morato, ao afirmar que:

prevaleça outro, proferido de acordo com ela (imagine-se a hipótese de provimento de recurso intempestivo para reformar a decisão dada segundo a súmula, e substituí-la por outra, contrária ao enunciado”. BERMUDES, Sérgio. A reforma do Judiciário pela Emenda Constitucional n. 45. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 125.

190

SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Op. Cit., p. 177. 191

A possibilidade de responsabilização pessoal da autoridade administrativa atribui ainda mais força para o STF, para que esta Corte possa garantir a sua autoridade e fazer valer uma súmula vinculante por quem ela tenha sido editada, e torna a reclamação um instrumento bastante eficaz.

Em que pese os argumentos de defesa para o instituto da súmula vinculante e da reclamação como instrumento que procedimentaliza a garantia da sua aplicabilidade, tem-se que o legislador não foi feliz ao disciplinar o referido instrumento enquanto medida autônoma para a cassação de decisões judiciais e de atos administrativos.

Isso porque, tal medida é contrária ao principal fundamento que sustentou o ingresso da súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, a celeridade processual advinda da redução de processos no âmbito do STF, posto que ao se criar um via de ação originária, observa-se, por via de consequência, a possibilidade de multiplicação de processos, analisando-se a própria legitimidade da reclamação.

Considerando que, qualquer legitimado prejudicado pode ingressar com a reclamação, diretamente no Supremo Tribunal Federal, como já foi mencionado no ponto 2.5.1 deste trabalho, o ingresso de mais uma ação autônoma tem o condão de majorar ainda mais o acervo processual da Corte constitucional, que defendeu a disciplina da súmula vinculante como meio de se efetivar o desafogamento do referido Tribunal.

Esse é o entendimento de parte da doutrina, a exemplo de Antônio de Souza Prudente, a saber:

Considerando a postura histórica da Administração Pública no Brasil, no sentido de resistir ao cumprimento de decisões judiciais, buscando, sempre, as formas mais variadas e abusivas de protelações processuais, não será difícil visualizar as consequências trágicas do dispositivo constitucional em referência, no que tange ao acúmulo de reclamações perante o Tribunal Excelso, como resultante do reiterado descumprimento ou da indevida aplicação da súmula vinculante pelo agente da Administração Pública, culturalmente apegado a práticas burocráticas negativas e a exagerados formalismos procedimentais, que se tornarão mais graves na medida do despreparo instrutório do administrador, ao instrumentalizar, sem os cuidados necessários, seus variados pleitos administrativos, nem sempre enquadráveis nas comportas

jurisprudenciais da súmula vinculante. Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal poderá estrangular-se como uma inusitada instância ordinária das inúmeras reclamações, que, certamente, lhe aportarão, visando anular o ato administrativo abusivo ou cassar a decisão judicial reclamada, para que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula vinculante, conforme o caso. De todo modo, nessa árdua tarefa da apreciação reclamatória, a Suprema Corte não poderá esquivar-se do enfrentamento da matéria fática que serve de suporte à lide excepcional das reclamações, ante a possível resistência à pretensão do administrado perante a postura inflexível do agente administrativo, em frontal descumprimento do enunciado da súmula vinculante.192

E, na realidade, os números não são divergentes à conceituação supra, sendo que no ano de 2006, ano em que a LSV foi promulgada, forma distribuídas no Supremo Tribunal Federal cerca de 830 (oitocentos e trinta) reclamações, passando para 1886 (mil oitocentos e oitenta e seis) no ano de 2012. Em 2013, nos dois primeiros meses já se tem o montante de 253 (duzentos e cinquenta e três) reclamações distribuídas, no universo de 67.741 (sessenta e sete mil, setecentos e quarenta e um) feitos que estão submetidos à apreciação da máxima Corte brasileira.193

Destarte, era integralmente previsível o aumento considerável do acervo processual do Supremo, posto que o número de Ministros continuou o mesmo, mas com uma carga processual ainda maior, haja vista que a decisão que julga a reclamação, ainda pode ser apreciada em sede de embargos declaratórios ou agravo regimental.194

192

PRUDENTE, Antonio de Souza. A súmula vinculante e a tutela do controle difuso de constitucionalidade. Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal - CEJ, Brasília, v.9, n. 31, p. 53-60, dez. 2005.

193

BRASIL, Judiciário (STF - 2013). Estatística. Acervo processual do Supremo Tribunal Federal. Disponível: <http://www.stf.jus.br/ portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=acervoinicio>. Acesso em: 05 de mar. 2013.

194

Exemplificando, tem-se o Agravo Regimental na Rcl. 8714 SP: EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO -ALEGADA OFENSA À SÚMULA VINCULANTE Nº 4 -TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO -NÃO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO -SÚMULA Nº 734/STF.7341. A reclamação é meio hábil para conservar a autoridade do Supremo Tribunal Federal, a eficácia de suas decisões e a correta aplicação de súmula vinculante, não podendo ser usada como sucedâneo recursal.2. O ato reclamado transitou em julgado antes da interposição desta Reclamação. Aplicação da Súmula nº 734/STF.3. Agravo regimental não provido.(8714 SP , Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 06/10/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-214 DIVULG 09-11-2011 PUBLIC 10-11-2011 EMENT VOL-02623-01 PP-00040). BRASIL, Judiciário (STF - 2011). Jurisprudência. Disponívelem:<http://www.stf.jus.br/portal/acordaodecisaoRelevante/listarMinistroAcordaoDecisao.as p>. Acesso em: 18 jan. 2013.

Trata-se, pois, de um contrassenso no ordenamento jurídico brasileiro pós Reforma do Judiciário, proporcionada pela Emenda Constitucional nº 45/2004. De fato, o objetivo central da súmula vinculante passou a ser alijado em razão dos riscos trazidos pela possibilidade de majoração sem controle da ação excepcional aqui analisada.

3 SÚMULA VINCULANTE: ANÁLISE CRÍTICA DA SUA IMPLEMENTAÇÃO