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CAPÍTULO V: DIREITO DISTINTIVO

2. Constitucionalismo e excludência

2.1 Negação

Melhor explicando: nesse processo de estabelecimento da identidade constitucional, a negação (de um sujeito) tem uma missão multifacetada, intricada e complexa, na medida em que envolve, dentre outras coisas, “a rejeição, o repúdio, a exclusão e a renúncia. Essas funções podem se entrelaçar de vários modos e operar simultaneamente em diferentes níveis de realidade” (ROSENFELD, 2003, p. 51). Assim é que, com Hegel175, a identidade do sujeito constitucional será reconstruída. Trata-se, segundo Rosenfeld, de um processo realizado em três estágios. No primeiro estágio, haverá sua pura negação, porque o sujeito constitucional, mediante sua negação enquanto mero produto das identidades cultural, histórica, étnica ou religiosa vigentes176

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“Nos termos mais amplos da concepção de Hegel da dialética do sujeito, é a negação que fornece o vínculo fundamental entre o estágio inicial, no qual emerge o sujeito como uma mera carência, como uma ausência, um hiato e o estágio final no qual o sujeito se torna substância, ou, em outras palavras, no estágio em que o sujeito torna-se (sic) em si para si. Segundo a lógica dialética de Hegel, o sujeito primeiramente adquire a sua própria identidade mediante a negação dela não ser redutível aos objetos de seu desejo. Essa identidade inicial do sujeito, no entanto, é puramente negativa e oposicional na medida em que enfoca aquilo o que o sujeito não é, sem revelar o que ele é. Após haver emergido como pura negação, o sujeito hegeliano adentra o próximo estágio de sua evolução lógica em busca de uma identidade positiva. No curso desta busca, o sujeito nega que ele seja simplesmente a ausência que surgiu no primeiro estágio e busca uma identificação positiva na multifacetada diversidade de suas manifestações concretas. Mas, ao passo que o sujeito acolhe essas manifestações, ele perde de vista a sua unidade e, assim, torna-se incapaz de apreender a sua nascente identidade positiva como sua mesma. Mais ainda, em razão dessa incapacidade o sujeito aliena-se de si mesmo. No terceiro estágio, o sujeito hegeliano, mediante a negação da negação, finalmente assume como sua a própria identidade positiva, tornando assim para si o que ele é em si” (ROSENFELD, 2003, p. 52).

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“Em outros termos, o sujeito constitucional primeiramente entra em cena ao se diferenciar atravessando todos os sujeitos já constituídos encontráveis no quadro espaço temporal relevante. O sujeito

160 adquirirá uma identidade diferenciada, distinta. Enquanto pura negatividade, “o sujeito constitucional experiencia a si próprio como uma ausência, uma carência, um hiato, e consequentemente, aspira preencher esse vazio interno mediante o desenvolvimento de uma identidade positiva” (ROSENFELD, 2003, p. 53). A partir do Texto Constitucional. Assim se inicia o silogismo lógico-dedutivo, de cima para baixo, criticado por Arendt.

O segundo estágio do desenvolvimento lógico do sujeito constitucional será marcado pela busca por essa identidade positiva.177 Contudo, uma identidade assim só se tornará possível recorrendo-se às mesmas identidades descartadas no primeiro estágio, sobre um aparato institucional estabelecido assentado na história, em tradições e no patrimônio cultural da comunidade política em questão. A lógica sobre a qual se desenvolve o sujeito constitucional será então análoga àquela que se dedica à implantação do pluralismo. Nesse contexto, examinando esses dois momentos lógicos do pluralismo, será possível perceber a transição do sujeito constitucional do primeiro para o segundo estágio, em que o pluralismo promove a maior diversidade possível de concepções de bem a fim de maximizar autonomia e dignidade humanas. “Desse modo, o primeiro estágio do pluralismo deve ser um momento negativo, no qual ele nega exclusividade ou predomínio a todas as concepções concorrentes de bem (exceto, é claro, a do próprio pluralismo)” (Ibidem, p. 53).

Ao longo do segundo estágio, de forma análoga, as identidades pré- constitucionais são incorporadas ao sujeito constitucional, combinando-as de novas formas, fazendo-as passarem a ocupar posições diferentes daquelas que ocupavam em momento pré-constitucional. Esse processo de incorporação de identidades parciais permite ao sujeito constitucional projetar uma imagem positiva de si mesmo, alienando-

constitucional chega a essa identidade puramente negativa mediante o repúdio ao passado pré- revolucionário; por meio da rejeição das identidades tradicionais; da repressão à sua necessidade de acolher uma identidade positiva, forte, em detrimento da pluralidade de identidades não-constitucionais que requeriam ser protegidas pelo constitucionalismo; da exclusão de qualquer tendência agressivamente, militantemente, antipluralista que pudesse derrotar o constitucionalismo; e, por fim, mediante a renúncia aos sonhos de hegemonia daqueles em condição de moldar o destino do sujeito constitucional” (Ibidem).

177 “O recurso às identidades descartadas no primeiro estágio não significa, contudo, um retorno ao

terreno do pré-constitucional. Segundo a lógica hegeliana, a transição dialética de um estágio para o próximo envolve um processo de “Aufhebung” ou de subsunção (sublation), uma vez que tudo o que surge no primeiro estágio é, a um só tempo, preservado e superado na perspectiva do segundo. Aplicado ao sujeito constitucional, isso significa que o segundo estágio é marcado pela incorporação seletiva das identidades pré-constitucionais. Em outras palavras, as tradições incorporadas ao sujeito constitucional no segundo estágio o são em seu próprio benefício. Essas tradições só são invocadas à medida que sejam capazes de servir aos interesses do constitucionalismo” (ROSENFELD, 2003, p. 53).

161 o. Assim, por conta da carência inicial de uma identidade positiva, o sujeito constitucional se voltará para outras identidades. No entanto, na medida em que a incorporação dessas últimas se desenvolve, o sujeito constitucional ficará a mercê de influências externas que estarão fora de seu controle. Com isso, a necessidade da aquisição de uma identidade positiva levará o sujeito constitucional a confrontar-se com a sobrevivência e a perda da subjetividade. O sujeito constitucional, então, negará a sua subjetividade para manter uma identidade, por imposição da lógica dialética.

Essa dialética do sujeito constitucional culminará com a negação da negação, ou, em outras palavras, a negação da proposição da perda da subjetividade, fazendo com que o sujeito constitucional alcance a percepção de sua própria identidade positiva em desenvolvimento pretensamente conforme sua própria vontade e não por forças externas incontroláveis. Esse trabalho se exaurirá quando o sujeito constitucional compreender que, apesar de o material bruto que figura em sua identidade positiva se originar na exterioridade do mundo objetivo, “sua seleção, combinação, organização e emprego em um todo coerente é o produto de sua própria obra, o resultado de seu próprio trabalho, de seus próprios esforços na luta por uma identidade distinta” (ROSENFELD, 2003, p. 57).