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Thami Covatti Piaia Bárbara De Cezaro O que, de fato, estamos vendo acontecer no paroxismo moderno, já foi dito e redito muitas vezes. Através da descoberta de ontem da estrada de ferro, do automóvel e do aeroplano a influência física de cada homem, antigamente restringida a poucos quilômetros, estende-se agora a centenas de léguas ou mais. Melhor ainda: gra- ças ao prodigioso evento biológico representado pela descoberta das ondas eletromagnéticas, cada indivíduo encontra-se doravan- te (ativa e passivamente) simultaneamente presente, em terra e mar, em todo recanto da terra.1

Introdução

E

m uma sociedade contextualizada em ambientes cada

vez mais digitais, em que as relações humanas são em grande número on-line, o Brasil inovou, positivamen- te, com a aprovação da Lei Federal 12.965/14, o Marco Civil da Internet, chamado também, pelo Senado Federal brasilei- ro, de “Constituição da Rede”, trazendo a garantia da liber- dade de expressão, da privacidade, da neutralidade da rede e da proteção dos dados pessoais como princípios norteadores,

1 MCLUHAN, Marshall. A Galáxia de Gutemberg: a formação do homem tipográ-

fico. Tradução de Leônidas Gontijo de Carvalho e Anísio Teixeira. São Paulo: Editora da USP, 1972. p. 59.

assegurando assim, direitos, deveres e garantias aos cidadãos usuários de internet.

Utilizando o método de procedimento socioanalítico e a abordagem dedutiva, o estudo aqui desenvolvido objetiva analisar, em específico, a significação e a importância que o princípio da neutralidade da rede traz consigo, ao garantir o exercício da liberdade de escolha, da cidadania e do fortaleci- mento da democracia.

Para melhor compreensão do tema a ser desenvolvido no texto, já de início extraímos do artigo 9º da supramencionada lei o seguinte conceito: “O responsável pela transmissão, co- mutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonô- mica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo,

origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.”2

Tal orientação, seguida também pela Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013 da ANATEL, em seu art. 75, proclama, que as prestadoras de serviço de comunicação multimídia de- vem respeitar a neutralidade de rede, conforme regulamenta-

ção, nos termos da legislação.3

Nessas perspectivas, nenhum valor adicional poderá ser cobrado para que usuários, em exclusivo, tenham acesso a qualquer conteúdo, evitando que provedores tabelem valores para cada tipo de informação ou site a ser acessado. Redes sociais, YouTube, sites do Poder Judiciário (para quem tra- balha com processos eletrônicos), e-mails, filmes (Netflix) ou sites de jogos serão acessados por todos, independentemente

2 BRASIL. Lei 12.965/14. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_

ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 10 jul. 2016.

3 Brasil. Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013 da Anatel. Disponível em: http://

www.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2013/465-resolucao-614. Acesso em: 15 jul. 2016.

do valor pago por cada pacote, sem se discutir aqui velocida- de de navegação, pois qualquer que seja ela, todos os conteú- dos disponibilizados pela internet poderão ser acessados sem qualquer barreira ou diferenciação de valores econômicos en- tre usuários.

Desse modo, fica demonstrado que todos os pacotes de dados comercializados no Brasil deverão tratar seus usuários de forma a garantir a isonomia e, consequentemente, garan- tir que os ciberespaços sejam locais onde a ciberdemocracia esteja garantida aos cidadãos usuários de internet.

Como bem argumentam Tascón e Quintana:

A Internet, criada por um grupo de especialistas, denominados entre eles de hackers,4defensores dos valores da distribuição do

conhecimento científico - aberto, compartilhado, revisável e hie- rarquizado por meritocracia – e da contracultura, se funda sobre esses princípios. A rede foi criada para compartilhar, cooperar e criar conhecimento de maneira colaborativa a partir do livre aces- so à informação.5

Princípios como compartilhar, cooperar e criar conhe- cimento de maneira colaborativa a partir do livre acesso à informação, portanto, são valores que procedem do entorno universitário no qual se desenvolveram. Esse parentesco com o modelo acadêmico de investigação não é acidental: a trans-

4 En el centro de nuestra era tecnológica se hallan unas personas que se auto-

denominan hackers. Se definen a sí mismos como personas que se dedican a programar de manera apasionada y creen que es un deber para ellos compartir la información y elaborar software gratuito. No hay que confundirlos con los cra- ckers, los usuarios destructivos cuyo objetiuo es el de crear virus e introducirse en otros sistemas: un hacker es un experto o un entusiasta de cualquier tipo que puede dedicarse o no a la informática. HIMANEN, Pekka. La Ética del Hacker y el

Espíritu de la Era de la Información. Barcelona: Destino, 2002. p. 2.

5 TASCÓN, Mario; QUINTANA, Yolanda. Ciberativismo: las nuevas revoluciones de

parência pode ser considerada um legado que os hackers rece-

beram da universidade.6

Na compreensão de Himanen:

Tanto os pesquisadores como os hackers sabem por experiência que a ausência de estruturas rígidas é uma das razões pelas quais o seu modelo é tão poderoso. Os hackers e os pesquisadores começam se dedicando à sua paixão e, logo depois passam a trabalhar em rede com outras pessoas que compartilham do mesmo sentimento.7

Assim, a problemática analisada traz em seu arcabouço a possibilidade de se assegurar um tratamento isonômico e democrático sobre todos os conteúdos, por meio do princípio da neutralidade da rede, em pleno vigor desde 2014, garan- tindo aos usuários o livre acesso à cultura, à informação e ao lazer sem que se meça a importância dos integrantes dos ciberespaços pelo seu poder econômico, possibilitando que in- terações entre humanos e a tecnologia da internet produzam relações com reflexos em qualidade social nesta “polis digital” habitada pelos cidadãos usuários de internet.

Nessa perspectiva, muito bem se posiciona Cardon, ao dizer que:

Poucas vezes a concepção de uma tecnologia engajou tanto o cará- ter político quanto a da Internet. A coincidência não é fortuita. É em São Francisco que a juventude americana vive a efervescência do “Summer of Love”, em 1967, e que um ano mais tarde, Doug En- gelbart, diretor do Stanford Research Institute, realiza a “mãe de todas as demonstrações matemáticas” mostrando às pessoas como a comunicação entre dois computadores pode “aumentar a inteli- gência humana.” Certamente o público presente na demonstração não se assemelhava aos hippies daquela época. Apesar da diferen- ça, compartilhava a mesma aspiração de reconstruir a sociedade “por baixo” reforçando a autonomia dos indivíduos.8

6 HIMANEN, Pekka. La ética del hacker y el espíritu de la era de la Información. p. 126. 7 HIMANEN, Pekka. La ética del hacker y el espíritu de la Era de la Información. p. 58. 8 CARDON, Dominique. A democracia internet: promessas e limites. Tradução de

Para uma melhor compreensão e endereçamento do tema, neste artigo far-se-á primeiramente, uma breve análise da Lei Federal 12.965/14, o Marco Civil da Internet brasileira, para posteriormente se adentrar em um dos seus princípios norteadores, qual seja, o princípio da neutralidade da rede e suas especificidades, para então, analisarmos, se o princípio da neutralidade da rede pode fortalecer, efetivamente, a cida- dania em meios digitais.

Considerações acerca do marco civil