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consumerista

Paulo Roberto Ramos Alves

Introdução

O

risco é a representação do tempo na sociedade con-

temporânea.1 É uma forma evolutiva da comunicação

que possibilita a observação de um futuro que não pode ser observado. O risco, pois, é um paradoxo: é observável apenas porque caracteriza aquilo que não se pode observar; é delimitável juridicamente apenas porque o Direito não é ca- paz de construir critérios que dêem conta de toda a comple- xidade que representa. A percepção jurídica do risco tempo- raliza o direito, refuturalizando seu futuro presente a partir de decisões que colocam o risco como um descritor temporal desde a perspectiva do observador.

A sociedade é comunicação.2 Sendocomunicação, é deci-

são.3 Biotecnologia é decisão. Risco é decisão. A biotecnologia

1 DE GIORGI, Raffaele. Direito, tempo e memória. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

p. 232.

2 LUHMANN, Niklas. O conceito de sociedade. In: NEVES, Clarissa Eckert Baeta;

SAMIOS, Eva Machado Barbosa (Org.). Niklas Luhmann: a nova teoria dos siste- mas. Porto Alegre: Editora da Universidade/Goethe-Institut, 1997. p. 80.

3 Sobre tal aspecto Luhmann aponta a forma constituinte das organizações formais.

Para o autor, sistemas de organização são sistemas compostos por decisões, que vinculam decisões por intermédio de decisões passadas, o que vem ao encontro do próprio conceito de comunicação. Contudo, essa pequena observação ape- nas adianta brevemente o ponto específico que será trabalhado no item 2.2, re- lacionado à temática dos processos decisórios de organizações formais capazes de gerar/amplificar o risco biotecnológico. Sobre a temática, LUHMANN, Niklas.

Organización y decisión. autopoiesis, acción y entendimento comunicativo. Barce-

lona/México/Santiago de Chile: Anthropos Editorial/Universidad Iberoamericana/ Pontifícia Universidad Católica de Chile, 2005, em especial, o capítulo II.

apenas encontra suas possibilidades de desenvolvimento co- municativo frente a processos decisórios. Operações seletivas são, pois, condição para o desenvolvimento da comunicação biotecnológica. É justamente esse fato que deve ser levado em consideração em uma teoria que pretenda observar os riscos aos quais o sistema social é submetido frente a seus (auto) desenvolvimentos biotecnológicos.

Diante dessa perspectiva teórica pode-se perguntar: o que são riscos? Como são gerados? Porque a biotecnologia é uma atividade que comporta riscos? Quais são os riscos que podem ser observados pelas operações (decisões) biotecnológi- cas? Qual a relevância dessa análise para o Direito? Porque o sistema jurídico é aparentemente incapaz de racionalizar os problemas relacionados à comunicação biotecnológica? Pode o Direito criar condições de segurança frente a tais desenvolvi-

mentos?4 Ou, ainda, pode o direito observar um futuro que é

intrinsecamente inobservável?

Impossível esquivar-se de tais questionamentos. Essas inquietações assombram incessantemente a teoria jurídica tradicional. Todos os dias a sociedade defronta-se com pro- blemas dessa ordem quando se depara com as incertezas ca- racterísticas de situações cujos possíveis resultados não são passíveis de observação. Para situações extremamente com-

4 Algumas dessas inquietações são trazidas por FUKUYAMA, Francis. Nosso fu-

turo pós-humano: consequências da revolução da biotecnologia. Rio de Janeiro:

Rocco, 2003, quando realiza uma série de debates voltados ao futuro da socie- dade frente aos desenvolvimentos biotecnológicos. Tomando por base inovações relacionadas à neurofarmacologia e formas de engenharia genética direcionadas à regulação comportamental, Fukuyama realiza inúmeros debates sobre o con- trole político da biotecnologia, bem como procura delimitar os aspectos regulató- rios dessa forma de comunicação na sociedade contemporânea. Não obstante a temática ora trabalhada não seja relacionada com gestão política de riscos, o dis- curso de Fukuyama converge para algumas inquietações comuns, notadamente relacionadas aos questionamentos supramencionados.

plexas, o Direito continua respondendo mediante arranjos causais simplificados. Em um contexto no qual o risco é um evento altamente presente, ainda constroem-se pressupostos jurídicos extremamente arraigados à ideia de segurança.

É cristalino que os desenvolvimentos biotecnológicos trazem incríveis benefícios à sociedade, não se pode negar que muitos dos avanços biotecnológicos contribuíram imen- samente para o crescimento econômico, para o incremento de novos pressupostos científicos e, em muito, para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, notadamente em relação à viabilização de tratamentos médicos outrora inexistentes e de uma maior capacidade de produção agrícola. Contudo, essa mesma sociedade, a cada nova descoberta, amplifica os riscos aos quais será submetida, não sendo mais capaz de dis-

tinguir entre as vantagens e desvantagens dessas inovações.5

E, nesse mesmo contexto, Têmis fragiliza-se. Depõe sua espada e permanece em meio a uma batalha na qual conti- nua vendada, impossibilitada de observar os novos problemas que a sociedade produz. Identificado esse problema, deve-se identificar as características do risco, observando, na comu- nicação biotecnológica, alternativas para a construção do fu- turo jurídico e, consequentemente, critérios para a gestão dos riscos das biotécnicas. Tal pretensão é dependente do tempo. A gestão jurídica do risco biotecnológico passa a depender, as-

5 Nesse aspecto, refira-se que a sociedade contemporânea opera nitidamente sob

formas paradoxais. Apenas existem mais riscos porque há uma contínua busca pela segurança, apenas existe inclusão porque há exclusão, mais riqueza porque há mais pobreza, mais direito pressupõe menos direito, mais indeterminação por- que há a constante determinação das indeterminações. DE GIORGI, Raffaele.

Direito, democracia e risco: vínculos com o futuro. Porto Alegre: Sérgio Antônio

Fabris, 1998. p. 76; ROCHA, Leonel Severo. O direito na forma de sociedade globalizada. In: ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e democracia. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2003. p. 185.

sim, de que o futuro presente seja refuturalizado mediante estratégias de percepção de risco que o sistema jurídico cons- trói autopoieticamente.

Genealogia do risco: do eventual