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Noção de representação, tipos e sistemas de representação

Índice de tabelas

2.1. Noção de representação, tipos e sistemas de representação

Para compreender as representações matemáticas é importante perceber o que são, como se caracterizam, que tipos de representações existem e como se organizam em sistemas de representações.

Noção de representação. Os objetos matemáticos são abstrações que não existem

no mundo real e só podemos pensar neles através de representações. Vários investigadores discutem o que são representações e o que as caracteriza. Por exemplo, Goldin (2008) descreve uma representação como algo que representa alguma coisa, de determinada forma. Em particular, as representações matemáticas são caracteres, símbolos ou configurações que representam objetos matemáticos. Tripathi (2008) carateriza uma representação como uma construção mental ou física que descreve aspetos da estrutura de um conceito e as inter-relações entre o conceito e outros conceitos e refere que as representações permitem interpretar, comunicar e discutir as nossas ideias com os outros. Pelo seu lado, Stylianou (2011) diz que as representações podem ser encaradas como produtos e também como processos. Na sua perspetiva, “representar” constitui um importante mecanismo para a autocompreensão e também uma ferramenta para

10 comunicar o nosso raciocínio aos que nos rodeiam, evidenciando o percurso que seguimos na resolução de uma determinada questão matemática.

Goldin (2008) indica que a relação entre uma representação e o seu significado é muito complexa, pois uma representação pode representar vários objetos distintos e objetos diferentes podem ter uma mesma representação. Na prática, um determinado objeto matemático pode corresponder a várias representações – por exemplo, “5” (dígito), “V” (numeração romana), “cinco” (palavra da língua portuguesa), “|||||” são diferentes representações do número natural cinco – da mesma forma que uma destas representações pode corresponder a vários objetos, dependendo do contexto onde está inserida.

Sistemas de representação. Uma representação matemática não pode ser

interpretada isoladamente, só fazendo sentido no quadro de um determinado sistema de representação com regras, significados e normas globalmente aceites. É este enquadramento que torna possível a comunicação matemática, com a utilização universal de representações comummente aceites e generalizadas. Para Goldin (2008) todas as representações estão enquadradas em sistemas de representações mais amplos com uma estrutura interna própria. Ou seja, estes sistemas são compostos por elementos combinados entre si de diferentes formas, possuindo uma estrutura complexa e elaborada e, ao mesmo tempo, aberta e em constante mudança. Por sua vez, as regras e normas que definem cada sistema de representação permitem que através da “manipulação de símbolos, regras de álgebra ou cálculo já existentes nos seja possível obter novas fórmulas, ou transformar e resolver equações” (Goldin, 2008, p. 182). A compreensão da complexidade do sistema de representação matemático, torna-se progressivamente mais difícil, pois, com a mesma representação, poderemos referir-nos a diferentes informações. Goldin (2008) considera que estes sistemas de representação não surgem automaticamente nas mentes humanas, desenvolvendo-se progressivamente e sendo estruturados pela presença de sistemas anteriores. Na prática, o desenvolvimento do sistema de representação de cada pessoa é um processo moroso, em que é necessário comparar e estabelecer conexões entre uma nova representação e as representações que já conhecemos, com o intuito de compreender o seu significado e assim conseguir utilizá- la adequadamente em situações futuras. Nesse sentido, Goldin (2008) e Goldin e Shteingold (2001) referem que as características dos sistemas representacionais podem dificultar o processo de aprendizagem dos alunos e a sua compreensão das representações, pois, apesar de se conhecer uma determinada representação, num dado contexto, tem-se dificuldade em reconhecer o conceito que lhe está associado noutro contexto.

11 Desta forma, Goldin (2008) identifica dois tipos de sistemas de representação: os

sistemas de representações externas, também referidas como semióticas, que existem no

mundo físico, e que conhecemos como elementos e materiais estruturados (numeração algébrica, equações, funções, derivadas, linguagem Logo, retas numéricas, gráficos cartesianos, diagramas, fractais e outros); e os sistemas de representações internas que, na sua perspetiva, são o espelho das representações externas com que cada um se depara. Indica também que as representações internas de um indivíduo incluem a sua língua materna, as suas conceções, imagens visuais e espaciais, heurísticas da resolução de problemas, afetos e outros. Apesar das representações externas serem facilmente observáveis, o mesmo não se passa com as representações internas. Assim, Goldin (2008) refere a dificuldade em analisar o processo de criação de representações internas ou em perceber como se caracteriza, pois em circunstâncias normais, não é possível observar diretamente as representações internas de alguém, mesmo que se tente descrever introspetivamente as próprias representações. No entanto, é possível fazer inferências, ao procurar compreender as representações externas dos alunos.

Por seu lado, para Whitacre, Hohensee e Nemirovsky (2009) as representações internas e externas mesclam-se de forma complexa, comparando este processo ao que acontece com as tintas que um pintor usa ao pintar um quadro. Consideram que as representações não respeitam limites bem definidos e que a relação entre significante e significado pode ser fluída e invertida em relação ao que se poderia esperar. Os autores equiparam as alunas que participaram numa experiência de ensino a duas artistas na realização de uma tarefa e estabelecem um paralelo entre o seu desempenho (que inclui a sua expressão corporal) e a arte visual. Usando a metáfora de alunas-artistas, consideram que estas comunicam as suas representações através de expressões e gestos, criando um “quadro com várias camadas”, onde se fundem representações bastante distintas.

Goldin (2008) refere a importância do contexto na criação de sistemas de representações internas. Segundo o autor, os contextos familiares são codificados internamente por representações na forma de palavras, imagens, notações, estratégias, operações e afetos. Estas estruturas internas servem como modelos (templates) para a construção de representações matemáticas, facilitando a sua compreensão. Assim, em alunos mais novos, o recurso a materiais concretos pode servir como representação externa, de forma a estabelecer conexões com conceitos matemáticos mais abstratos. Por outro lado, esta contextualização pode tornar-se um obstáculo cognitivo, dificultando o processo de abstração e generalização. Este padrão, onde as representações

12 contextualizadas primeiro auxiliam e em seguida restringem o desenvolvimento cognitivo, é bastante comum em matemática. Assim, o autor considera que esta contextualização da Matemática é romantizada, na medida em que quando se procura contextualizar todos os conceitos matemáticos com o intuito de facilitar a compreensão e aprendizagem dos alunos, corre-se o risco de desvalorizar a abstração. Paralelamente, Goldin (2008) indica que a descontextualização total que se verifica no ensino tradicional resulta na construção de um sistema interno formal sem quaisquer ligações semânticas. Na prática, esta descontextualização promove a repetição de procedimentos dissociados da compreensão. Para o autor, a Matemática em contexto não deve ser perspetivada como sendo o oposto da Matemática formal abstrata. Pelo contrário, a abstração e a contextualização devem ser vistas como complementares no processo de criação de representações e de compreensão em Matemática.

Tipos de representação. Cada sistema de representação engloba vários tipos de

representações. Alguns autores têm contribuído para a categorização e organização dos diferentes tipos de representações, analisando o que os caracteriza e qual o seu papel. Bruner (1999) distingue entre representações ativas, icónicas e simbólicas:

O que queremos dizer com representação? O que significa traduzir a experiência num modelo do mundo? A minha sugestão é que os seres humanos têm provavelmente três maneiras diferentes de realizarem esta proeza. A primeira é através da ação. Conhecemos muitas coisas para as quais não há imagética nem palavras e é muito difícil ensiná-la através de palavras, diagramas ou imagens (…) Há um segundo sistema de representação que depende da organização visual ou outra organização sensória e do recurso a imagens de resumo (…) A primeira forma de representação veio a ser designada como ativa e a segunda como icónica (…). Por fim, há a representação por palavras ou linguagem. O seu traço distintivo é ser simbólica por natureza (…) (pp. 27-29)

Por sua vez, Goldin (2008) estabelece uma ligação entre as representações internas e as externas, que divide em cinco subsistemas (verbal, sensorial, registo formal, cognitivo e afetivo) e a produção de configurações externas (ver Tabela 1). Da mesma forma, Bishop e Goffree (1986) optam por categorizar os vários tipos de representações externas em quatro grupos principais – símbolos matemáticos, linguagem, figuras e objetos – e indicam que “cada um destes tipos tem o seu próprio vocabulário ou código que precisa ser apreendido de forma a compreender as ideias matemáticas expressas” (p. 34). Para além dos tipos de representações acima referidos (simbólicas, icónicas e ativas) Ponte e Serrazina (2000) referem-se também à linguagem oral e escrita. Thomas,

13 Mulligan e Goldin (2002) focam-se igualmente nas representações externas das crianças e têm em conta três dimensões: (i) tipos de sinais utilizados na representação produzida (pictóricos, icónicos ou notacionais); (ii) nível de estruturação numérica evidenciado na representação; e (iii) provas de natureza estática ou dinâmica da imagem representada. Assim, distinguem três tipos de representações externas: pictóricas (imagens de objetos e respetivas descrições orais), icónicas (tracinhos, quadrados, círculos ou pontos), e notacionais (numerais em retas numéricas, setas, colunas verticais e réguas de 100 cm).

Tabela 1 – Relação entre representação interna e configuração externa (adaptado de Goldin, 2008)

Sistema de representação interno Configuração externa

Verbal/sintático – corresponde à utilização da

linguagem e ao significado das palavras, incluindo as componentes gramaticais e sintáticas.

Linguagem falada e escrita.

Sensorial – diz respeito à perceção visual, táctil

e auditiva do que nos rodeia.

Gesto icónico (iconic gesture), desenho, representação pictórica, produções musicais e rítmicas.

Registos formais – corresponde às

representações internas de símbolos e notações matemáticas que aprendemos anteriormente.

Fórmulas e equações matemáticas.

Planeamento e execução cognitivo – inclui o

raciocínio matemático e estratégico na resolução de problemas, bem como a capacidade de consciencializar, analisar e avaliar o próprio pensamento.

Estabelecimento de metas,

intenções, planeamento, estruturas de decisão.

Afetivo/emocional (crenças e atitudes,

sentimentos).

Contato visual, expressões faciais, linguagem corporal, contato físico, lágrimas e risos, e exclamações que transmitem emoções.

As representações apresentam-se assim como um importante objeto de estudo na medida em que permitem interpretar o raciocínio matemático dos alunos durante a realização de tarefas. As representações externas englobam as representações pictóricas, icónicas e notacionais e as representações internas incluem as representações verbais/sintáticas, sensoriais, registos formais, planeamento e execução cognitivo e as afetivas. A análise das relações entre representações externas e internas deve ser feita de

14 forma cuidadosa, tendo em conta que a relação entre elas é complexa, não existindo uma correspondência unívoca entre ambas.

Perante a variedade de representações existentes, Duval (2006) assinala que estas podem ser transformadas através de tratamentos ou de conversões. Define tratamentos como modificações que ocorrem dentro do mesmo tipo de representação (escrita, figuras, gráficos, diagramas ou outra) e conversões como transformações de um tipo de representação para outra representação de tipo diferente.

A partir dos autores supracitados, elaborei um quadro em que categorizo as representações dos alunos, organizando-as consoante o seu grau de formalidade (das menos formais para as mais formais – Tabela 2):

Tabela 2 – Diferentes tipos de representações

Ativas Recurso a objetos concretos e a movimentos Pictóricas Desenhos detalhados e muito próximos da realidade

Icónicas Símbolos não matemáticos e esquemas

Simbólicas verbais Linguagem verbal

Simbólicas matemáticas Linguagem matemática

Desta forma, na minha investigação considero cinco tipos diferentes de representações: (i) ativas (que implicam manipulação de objetos, gestos ou movimentos); (ii) pictóricas (desenhos pormenorizados muito próximos da realidade); (iii) icónicas (símbolos não matemáticos e esquemas que implicam alguma abstração); (iv) simbólicas verbais (palavras na forma verbal e escrita) e ; (v) simbólicas matemáticas (notação matemática).