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3 O PERCURSO

4.2 Ecovilas: categoria – movimento

4.2.1 Noções Contemporâneas

Para designar as ecovilas, encontramos uma diversidade de termos32. Irei me referir a algumas categorias utilizadas mais

31 Disponível em:

https://sustainabledevelopment.un.org/partnership/?p=11943 Acesso em: 28-01- 2017.

32 Segundo Caravita (2012), ao se referir ao movimento de comunidades

alternativas no Brasil, alguns termos aparecem com mais peso em algumas épocas. Até hoje, no entanto, eles aparecem misturados. O autor cita como os de uso mais frequente no próprio movimento os termos: comunidades alternativas, comunidades ecológicas, comunidades espirituais, comunidades aquarianas, ecovilas e comunidades intencionais.

frequentemente na literatura, tal como: comunidades utópicas, comunidades intencionais e comunidades alternativas.

A categoria “comunidade utópica” ou “experimento utópico” continua em uso ainda hoje. Não existe consenso acadêmico sobre o uso do termo “utopia”. Como assinalado anteriormente, a utopia nasce em termos literários e mantem essa interpretação no uso comum, relacionando-se com o “não lugar”, “o sonho inalcançável”. Em contra- partida, outros autores, como Ricoeur (1986), Mannheim (1986), Sargent (2006), reconsideram-na pelo seu poder desafiador, com potencial emancipatório e transformador. Autores como Cojocaru (2012) e Sargisson (2007) utilizam-na no sentido de “o bom lugar”, a “boa vida”.

Nessa perspectiva, para Sargisson (2007), que pesquisou um universo de cinquenta comunidades na Inglaterra e Nova Zelândia, estas podem não ser totalmente eutopias33 realizadas, e são, de muitas maneiras, diferentes das utopias literárias. Para a autora, elas são utópicas na intenção e representam utopias em processo: espaços em que a boa vida é explorada e prosseguida.

Por outro lado, no livro Apoyo mutuo y cooperación en las comunidades utópicas, León (2012) faz uma etnografia da sua passagem por algumas comunidades do mundo, focando nas experiências da comunidade de Findhorn, na Escócia, Comunidades de Wendland, na Alemanha, e Mount Abu, na India, às quais chama de “neocomunidades”. O autor identifica nestas comunidades a “intenção utópica” como característica fundamental, argumentando que estas estão longe do conceito tradicional de comunidade tal como analisado por Tönnies 34. Para León (2012), a identidade reafirma um fenômeno social diferente, identificado especialmente pelos seus valores, crenças e forma de organização, que atendem às novas tecnologias e redes que se criam a partir do ideal utópico e da filosofia do apoio mútuo. Ele enfatiza que a

33 Lugares ideais, de bem-estar, como aspirações práticas. É oposto à utopia,

que representa o impossível.

34 Ferdinand Tönnies propôs dois tipos de organização social: a comunidade

(Gemeinschaft) e a sociedade (Gessellschaft). Para ele, a primeira estaria vinculada por laços de amizade, convicções comuns, sentimentos partilhados e laços de parentesco, enquanto a segunda seria a “construção artificial de um agregado de seres humanos, [enquanto] na Gemeinschaft eles [os indivíduos] permanecem essencialmente unidos a despeito de todos os fatores que os separam [na] Gessellschaft é cada um por si e estão todos isolados, e há uma condição de tensão contra todos os outros” (SCHMITZ, 1995 apud TONNIES, P. 64,1963).

matiz “utópica” tem a ver com a comunidade estigmatizada, afastada da norma, caracterizada em alguns momentos da história por haver abraçado ideais contrassenso, ou afastados do padrão da época. Estas novas comunidades teriam qualidades e identidades que criam uma utopia possível: a de materializar uma filosofia de vida que durante muito tempo pareceu inatingível. Para o autor, as comunidades utópicas centram o olhar na realidade contemporânea e na sua transformação radical, a partir de uma profunda metamorfose das bases do mesmo sistema estabelecido.

Outros autores, como Plath (2009), consideram os “grupos utópicos” como outros movimentos de revitalização que buscam trabalhar para criar um novo “estado final cultural”. Segundo ele, os “utópicos” se esforçam para seguir alguma "lei maior" e têm uma visão de uma melhor maneira de viver, a mesma que pretendem instituir. Nas “comunidades utópicas” os membros pretenderiam “aproveitar a utopia”, ao mesmo tempo em que eles a estariam construindo.

Nesse sentido, Lockyer (2007) reconhece que, a partir da história das comunidades e sua permanência no tempo, estas têm sido rejeitadas como “fracassos utópicos”. No entanto, em vista dos desafios colocados pelas preocupações com a sustentabilidade ecológica e a equidade social, propõe uma reconsideração, pois as comunidades intencionais - projetos sociais, muitas vezes definidos por seus objetivos de criação de modelos culturais alternativos, elas aparecem preparadas para contribuir com os esforços para atingir o desafio da sustentabilidade.

Uma segunda categoria frequentemente utilizada é a de comunidade intencional (DOS SANTOS, 2006 e BROWN, 2002). Definida por Brown (2002) como aquelas comunidades fundadas cientemente, com um propósito específico. Brown reconhece que as comunidades intencionais têm sido chamadas de utópicas tanto no passado quanto na atualidade, devido aos sujeitos geralmente procurarem realizar os próprios ideais através destas comunidades. No entanto, a autora,afirma que a partir da pesquisa pode-se concluir inequivocamente que elas não são “ideais”.

Lockyer (2007) aponta para a sustentabilidade nestas comunidades, sugerindo que as comunidades intencionais orientadas para a sustentabilidade são lugares onde a tensão fundamental entre o real e o ideal são explicitamente enfrentados, enquanto os agentes humanos procuram abordar o desafio da sustentabilidade. Para o autor as comunidades intencionais representam, contudo, críticas culturais poderosas e efetivas que comprometem, tanto a teoria como a prática, na construção de alternativas possíveis às ideologias e instituições

predominantes. Estas últimas costumam conduzir a resultados injustos e insustentáveis. Na literatura brasileira encontramos a categoria “comunidade alternativa” (TAVARES, 2000, NOGUEIRA, 2001, CARAVITA, 2012 e AMARAL, 2000) como a de uso mais frequente35. Assim, a partir destas categorias, não pretendo me referir às ecovilas como comunidades utópicas36, em função da multiplicidade de interpretações do termo utópico, além de não ter encontrado algum indício de “utopia” na sua acepção de uso comum, nas intenções das comunidades visitadas. De fato, há nos meus interlocutores uma consciência das possibilidades e das contribuições possíveis, sem que isto implique uma mudança imediata. Nas ecovilas o pragmatismo torna-se uma característica comum. Nelas existe um foco na experiência do “aqui e agora”, e inclusive um reconhecimento de que muitos sujeitos os procuram a partir de uma “imagem idealizada”. Nesse sentido, como mencionado linhas acima, penso as ecovilas como revoluções moleculares. Aponto para a subjetividade nos termos de Guattari e Rolnik (1996), como um insumo que aparece como indispensável para o desenvolvimento das forças produtivas, entendimento que a afasta de algum caráter utópico. Considero, inclusive, que ao utilizar uma perspectiva historiográfica que mostra o uso do termo no tempo, denominar utópicas às comunidades, tal como Karl Marx e Friedrich Engels fizeram com as teorias de Fourier, Owen e outros, seria assumir uma posição análoga à de estes autores que as desqualificavam como iniciativas consequentes de transformação da sociedade.

De fato, as ecovilas visitadas foram criadas com “uma intenção”, pela qual o qualificativo de comunidades intencionais poderia ser usado tanto quanto o de comunidades alternativas. Pretendo me referir a elas assim, como comunidades alternativas, em função do estilo de vida “alternativo” que se procura nestes lugares a partir da sua conotação histórica no Brasil, como uma das muitas manifestações do alternativo. A seguir abordarei um dos assuntos que apareceu recorrentemente no meu percurso no campo, a sustentabilidade.