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Sustentabilidade: uma categoria – projeto

3 O PERCURSO

4.3 Sustentabilidade: uma categoria – projeto

Sustentabilidade é um termo cuja polissemia será evidenciada nos capítulos posteriores, entretanto é de ampla difusão nas sociedades

35 Ver discussão no ponto 4.1.1.2 deste capítulo.

36 Tenho usado a expressão comunidades utópicas somente no caso que os

complexas. A partir da minha experiência de campo tenho encontrado-o como um conceito utilizado em múltiplos projetos: institucionais, acadêmicos, pessoais, educacionais e/ou de mercado. Aparece tanto no âmbito das ecovilas como no acadêmico, empresarial e nas trajetórias de vida dos meus interlocutores, ou seja, apareceu como um ponto de convergência no qual diversos interesses encontraram-se: econômicos, espirituais, políticos, sociais e ambientais.

A literatura aponta diversas origens do termo. Na biologia, como a “capacidade de recuperação e reprodução dos ecossistemas em fase de

agressões antrópicas ou naturais; na economia como adjetivo do

desenvolvimento” (DO NASCIMENTO, 2012, p.1). Contudo seu uso geralmente refere à “sustentabilidade do desenvolvimento dentro da perspectiva capitalista” de formas que não negligenciem questões sociais e ecológicas.

A história mais difundida do termo remete à década de 60, ao círculo de discussão denominado Clube de Roma37. Em 1970 este clube encomenda38 a um grupo de cientistas do Instituto de Tecnologia de Masachusets (MIT), liderados por Donela Meadows, um relatório que permitisse fazer prognósticos sobre o futuro, o qual eventualmente resulta no relatório Limites do Crescimento39, de 1972. O relatório propunha a necessidade de parar imediatamente o “crescimento econômico e populacional”, motivo pelo qual foi considerado como uma postura catastrofista40.

37 Aurelio Peccei (1908-1984), em 1968, preocupado com o ritmo de

desenvolvimento socioeconômico e com a degradação ambiental, convida intelectuais de diferentes setores para discutir problemas globais (CLUB OF ROME, 2016). Ele foi um empreendedor italiano e padre socialista, e lutou na segunda guerra mundial por causas antifascistas, além de demonstrar grande preocupação pela “crise que o planeta vivia”. Disponível em: http://www.proceso.com.mx/126084/aurelio-peccei-del-club-de-roma-profeta- del-desastre. Acesso em 17-09-2016.

38 Apoiado pela fundação da Wolkswagen.

39 Traduzido em 30 idiomas e com mais de 16 milhões de exemplares

vendidos (CLUB OF ROME, 2016).

40 Donella Meadows, em entrevistas posteriores, manifesta ter acreditado que

isto era possível ao ver os estilos de vida alternativos que os jovens, seus alunos na época, estavam testando. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RrDPqJpXh78 .

Em 1972 também se realizou a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio-ambiente Humano, conhecida como a Conferência de Estocolmo e considerada a primeira iniciativa global que reuniu chefes de estado a respeito da preservação do meio-ambiente. Considera-se que esta tenha incorporado a dimensão ambiental na agenda política internacional. A divulgação da noção de sustentabilidade começa em 1987, ano no qual a Comissão Mundial sobre Meio-ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), criada pela ONU em 1983, publicou o documento “Nosso Futuro Comum”, elaborado pela primeira ministra da Noruega na época, Gro Harlem Bruntland. Neste documento aparece o termo desenvolvimento sustentável, definido como: “aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem as suas próprias necessidades41 (CNUMAD, 1991, p. 46)”. O relatório colocava uma grande preocupação pelos problemas ambientais e de desenvolvimento global, considerando que a pobreza é tanto causa como efeito dos problemas ambientais (CNUMAD, p. 5) para o que propunha algumas estratégias globais que deveriam ser adotadas globalmente.

No entanto, foi somente a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio-ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada em 1992, no Rio de Janeiro, que foram criados os fundamentos do desenvolvimento sustentável. Estes fundamentos focaram na agenda global para o desenvolvimento sustentável, aumentando a “consciência pública” sobre as “interconexões entre a dimensão ambiental, social, cultural e econômica do desenvolvimento”. A Agenda 21, um dos resultados da conferência conhecida como RIO 92, é um documento que ressalta a importância em todos os setores da sociedade de colaborarem com a solução dos problemas socioambientais. Cada país devia desenvolver sua agenda 21 definindo as ações prioritárias para alcançar esse objetivo. Esta medida promoveu o interesse global pela sustentabilidade. Desta maneira a noção de sustentabilidade, que apareceu num contexto político específico, orienta algumas ecovilas (principalmente as vinculadas com o GEN). Na rede há uma circulação através de cursos, palestras, ou visitas, que disseminam o conceito.

41 Considerava dois conceitos chave: o de necessidades, que enfocava as

necessidades essenciais dos pobres do mundo, que deveriam ter a prioridade, e a noção das limitações impostas pelo estado da tecnologia e da organização social impostas ao meio-ambiente, o que o impediria de atender as necessidades presentes e futuras.

Este conceito tem múltiplos simpatizantes e também detratores, e tem sido discutido por muitos autores, como Escobar (2000), que critica o discurso do desenvolvimento sustentável, considerando que este reinventaria a “natureza” como “meio-ambiente”, de modo que o capital, e não a natureza e a cultura, possa ser sustentado. O autor questiona as manipulações que poderiam ser inventadas para tirar a máxima vantagem da natureza e os recursos, de fato alguns consideram-no uma “maquiagem verde” (FABRI, 2015). Outros autores apontam para a ausência no conceito da dimensão do poder, por não considerar que as mudanças passam por instâncias econômicas e políticas, além de também não considerar a noção de cultura (DO NASCIMENTO, 2012). Já autores como De Melo (2006) apontam à “impossibilidade de alcançar a sustentabilidade ecológica, social e cultural na dinâmica de produção e reprodução capitalista” devido a que a insustentabilidade seria “intrínseca ao próprio processo de reprodução do sistema” (p.16), pelo qual o desenvolvimento, segundo o autor, deveria ser visto desde uma perspectiva que envolva aspectos éticos, através de uma pedagogia que almeje uma “nova construção de mundo” (p. 21). Assim, entre outras coisas, seria necessário estabelecer outras relações com a natureza.

A natureza não pode ser considerada como algo externo, a que a sociedade humana se adapta, mas sim em um entorno de coevolução, no qual cada atividade humana implica a emergência de dinâmicas próprias e independentes na natureza externa, ao mesmo tempo que, em um efeito bumerangue, produz impactos na natureza social e na biologia das populações humanas. (FOLADORI, TAKS, 2004, p. 326)

De fato, a partir da minha experiência profissional vinculada a sistemas de gestão ambiental nas empresas, pude observar diversas práticas que originavam impactos ambientais negativos para o “meio- ambiente”. Ouvi relatos de trabalhadores que observaram ladeiras férteis se transformarem com o tempo em áridos terrenos, por causa do depósito de rejeitos químicos provenientes das operações, ou de operários de manutenção de equipes de ar condicionado, deixando escapar os

clorofluorcarbonos42. Assim, os relatos poderiam ser múltiplos, contudo, em função das “ferramentas ambientais” disseminadas a partir da difusão do conceito de sustentabilidade e das restrições impostas pelas normativas ambientais às quais as empresas deveriam se sujeitar, estes impactos começaram a ser controlados, apontando a minimizá-los. Os mecanismos de controle inclusive compeliram as empresas a fornecer equipamentos de segurança aos trabalhadores que realizavam trabalhos de risco para a vida ou a saúde, como pude observar quando trabalhava com auditorias de qualidade. No entanto, o uso de “ferramentas ambientais” e o cumprimento da legislação não é feito de maneira estrita e massificada.

Desta maneira, embora haja críticas ao conceito, em função da minha experiência profissional reconheço o “efeito atenuante” do conceito de sustentabilidade, tanto como necessário para desacelerar a crise ambiental atual. Considero que sem estes mecanismos de controle a degradação seria mais drástica43. A sustentabilidade aparece, portanto, como um conceito amplo que pode apontar para transformações no sistema capitalista com orientações progressistas que considerem a proteção do meio-ambiente sem deixar de lado as questões sociais. Sua implementação em grande escala depende de múltiplos interesses que nem sempre chegarão a um consenso dos critérios do que seja considerado como “sustentável”, ante o que alguns coletivos e sujeitos apontam a agir de maneira local, a partir de ações individuais particulares em função dos próprios princípios, até mobilizações coletivas orientadas à mudança de paradigmas na sociedade.

A seguir abordarei outro dos assuntos que apareceu

recorrentemente no meu percurso no campo, a noção de

transformação.