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3 O PERCURSO

5.3 Ecovila Colorida

5.3.2 No “Ritmo” da Colorida

No segundo período havia passado por uma reflexão que permitiu uma melhor compreensão e integração à Colorida. Pude reconhecer, tal

antes, para acompanhá-los à cidade no café da sua amiga, onde passamos um momento descontraído e agradável.

como Azul me disse, não havê-la compreendido. Em função das visitas a Los Portales e ao Projeto de Ecovila Vegetariana, minha disposição para realizar trabalhos físicos foi mais prazerosa, não me sentia mais como “mão de obra”.

Neste período houveram mais visitas que no anterior. Além de Laranja e Carmim, apareceram Castanho71 e sua companheira Esmeralda, um casal formado por um brasileiro de uns 40 anos, Verde, e uma Canadense de uns 36 anos, Violeta. Um viajante de vinte e quatro anos, o Magenta, uma ex freira de uns 34 anos, a Branca, e o gambá72, ao que denominarei Marrom.

Com as visitas o ambiente mudava, havia mais momentos para compartilhar e para conversar. Ouvir risadas e canções era mais frequente. Os almoços, nos quais ressaltava a inovação, o sabor e a cor nas comidas, em algumas ocasiões foram mais longos, e as “harmonizações”, antes de iniciar os trabalhos foram constantes. Contudo, a visita que chegava com a finalidade de recreação recebia um tratamento diferente da que chegava para as “práticas verdes”. Os primeiros tinham a liberdade de acordar em horários diferentes e de combinar com os moradores o que quisessem fazer.

O Verde e a Violeta, chegaram um dia após a minha chegada, depois da saída do Laranja e da Carmim, pela tarde. Aparentemente houve um mal-entendido nas conversações pela internet, já que Azul esperava- os para o dia seguinte e quando eles ligaram avisando que estavam perto do local, ela ficou surpreendida. O casal vinha de fazer um voluntariado numa ecovila no estado de Bahia, estavam procurando conhecer ecovilas, e nesse processo decidir qual seria o próximo passo nas suas vidas. Estavam com a “casa no carro”, pelo que em princípio “por enquanto” ficariam quinze dias na Colorida.

O casal vinha para realizar o programa de “práticas verdes”, mas havia negociado condições diferentes das minhas73. Eles trabalhavam

71 O engenheiro agrônomo anteriormente mencionado.

72 Numa das nossas conversas Rosa referiu-se ao gambá que apareceu numa

noite, como uma visita a mais que considerava alguém que devia ser “bem tratado”.

73 O valor combinado pelo casal por dia era de R$ 60, trabalhando 4 horas,

sete dias por semana, eles recebiam todas as refeições, e uma vivência lúdica de autoconhecimento. Posteriormente soube que inicialmente, via internet, o casal havia mostrado interesse em terrenos, razão pela que foram negociadas estas condições, no entanto, o casal mudou de ideia. No meu caso, neste período eu

com música, o que combinou com as preferências dos moradores da Colorida. Os primeiros dias parecia haver grande afinidade entre o casal, Azul e Rosa. Eles participaram da “vivência lúdica”, cantavam nas harmonizações antes das refeições, tinham conversações prolongadas. Jogamos em conjunto à noite antes de dormir, contudo, a partir do terceiro dia houve alguns comentários de Azul que geraram desconfortos para o casal, o que levou a uma discussão. Esta, em função de outros momentos permitiu-me refletir sobre os conflitos na ecovila.

O desconforto aconteceu a partir do controle que havia para a realização de algumas tarefas. Haviam “formas” de fazer tarefas que eram cobradas, contudo, não conseguíamos prevê-las. Quando Azul percebia, intervinha para nos dizer como devia ser feito. Um exemplo disto foi quando Azul pediu para colocarmos o detergente no prato e depois lavá- los juntos, porque não havia água nesse momento na pia da cozinha. Como estávamos à espera da liberação da pia, depois de colocar o detergente, Verde e eu fomos escovar os nossos dentes, enquanto Violeta fazia o sugerido no prato dela. Azul, ao perceber que não havíamos acabado, e como ela em outro momento havia pedido para “não sairmos antes de ter terminado as nossas tarefas”, interveio. Ante esta situação, iniciou-se a discussão. Verde parecia saturado e falou coisas com as quais não concordava. Destacou que ele considerava “não haver uma forma de adivinhar como as coisas deviam ser feitas”.

A situação desencadeou um desentendimento com ataques mútuos, ante o que Rosa pediu para sentarmos e conversar, cada um no seu tempo, segurando um objeto que representaria o momento da palavra, com a finalidade de ouvir todos os posicionamentos, respeitando as falas e resolver o conflito. Esta dinâmica, segundo mencionaram, era uma forma de “resolver problemas em comunidade”, muito valorizado pelos moradores, que objetivava chegar a um acordo, a ser respeitado por todos os participantes. Foi uma conversação longa. Durante mais de duas horas, onde falaram-se desde os maus entendidos via email entre eles, os trabalhos “mais pesados” que os moradores esperavam que Verde fizesse, mas, por problemas de coluna ele pediu para trocar, até chegarem no ponto, do casal dizer preferir ir embora, pois queriam “evitar passar por isso”, além de acharem “não serem convenientes74” para a ecovila. Entre

paguei R$45 por dia com uma refeição inclusa, trabalhando 4 horas, sete dias da semana, sem “dia de lazer”.

74 Em função dos trabalhos que haveria que fazer, Verde já havia ficado

outras coisas, Azul mencionou expectativas em geral que não eram cumpridas, destacando num momento seus anos de experiência de comunitária pelo que esperava também “ser cuidado”.

Finalmente, cansados, pois o assunto parecia se estender longamente, concordamos em terminar nossa conversação. Rosa fechou a roda fazendo um resumo, enfatizando alguns assuntos “esclarecidos75”, mencionando que ela “ficaria contente se isto lhes ajudasse a encontrar o caminho, pois este era o propósito”. Posteriormente tudo pareceu voltar ao usual, fizemos o almoço em conjunto, almoçamos, pela tarde os três envernizamos móveis e pintamos paredes. À noite jantamos todos juntos e conversamos sobre diversos assuntos, enfocando nas corporações transnacionais e seus interesses econômicos, que não permitiam a “cura de doenças como o câncer”, e “perseguição” sofrida pelos cientistas que desenvolviam tratamentos com resultados efetivos de cura. No dia seguinte o casal lhes apresentaria uma proposta de como fazer com o dinheiro que já havia sido pago em função dos quinze dias nas “práticas verdes”.

O casal apresentou uma proposta que incluía devolução do dinheiro. Em contrapartida, Azul explicou detalhes da determinação do preço oferecido nas “práticas verdes”, estabelecidos em função de “trabalhos adequados” que seriam feitos durante o período combinado. Além de destacar ter outorgado um grande desconto ao considerar que “estavam sem casa”. No caso, foram expondo gradualmente as circunstâncias, o casal havia trabalhado durante quatro dias. Calculando o custo da alimentação entre R$40.00 e R$70.00 por pessoa e o valor da hospedagem R$96.00 diária. Além disto, deveriam considerar o fato deles terem reservado com um mês de antecedência, desta maneira retiveram vagas não oferecidas para outros possíveis visitantes, pelo que a ecovila “perdia”, nesse sentido seriam descontados R$100. A vivência lúdica tinha um preço não cobrado, esta foi oferecida para eles sem custo. Ou seja, como Rosa complementou, os valores mudariam e seria cobrado “tudo o que inicialmente não havia sido cobrado”.

dele, nem da companheira que estava dolorida pela falta de costume de fazer trabalhos na terra.

75 Na minha conversa posterior com o casal, manifestaram aceitar o fim da

dinâmica pois não viam que fosse possível a resolução, sentiam segundo mencionaram, que enquanto eles aceitavam algumas acusações e se dispunham a lidar de outra forma com o assunto, não havia uma resposta similar do outro lado.

Esta conversação aconteceu com múltiplas interrupções, pois Verde ia ficando irritado conforme ia compreendendo que ele estaria “devendo dinheiro” em vez de receber dinheiro de volta, pago antecipadamente. Tal como entendi, nesse momento, o objetivo dos moradores era explicar como haviam sido calculados os custos para finalizar com uma contraproposta, “conveniente para todos”, contudo, não foi possível chegar até esse ponto. A tentativa finalizou numa rixa acalorada, com o casal indo embora no ato, mesmo ante a insistência dos moradores de resolvê-la, acusando-os de “fugir” e não terem respeitado os acordos de boa convivência na dinâmica de resolução de conflitos acordados previamente.

A dinâmica proposta na Colorida para a resolução de conflitos, remete à ritualização do conflito e algumas técnicas usadas na mediação no Juizado, tal como relata Rangel (2013) na etnografia sobre sua experiência como conciliador e mediador, que apontava a conflitos religiosos em processo no Judiciário, na cidade de São Gonçalo no Rio de Janeiro. Através da mediação de conflitos, o autor deveria facilitar o diálogo entre as partes no intuito de pacificar e preservar as relações sociais. Nesse sentido na dinâmica da Colorida, cada um teria um tempo para se manifestar, com a finalidade de chegar num acordo no fim, este seria sintetizado por um dos participantes, nesse caso foi Rosa. Cabe destacar a principal diferença entre estes métodos seria não ter um sujeito responsável como facilitador ou mediador. Contudo pretendo destacar as estratégias utilizadas para a resolução. Na Colorida era nossa responsabilidade individual tentar resolver o conflito, como algo tácito dadas as circunstâncias, numa ecovila com intencionalidade espiritual. Ou seja, esta responsabilidade concernia à “comunidade”.

Rangel (2013) no seu relato sobre mediações aponta como parte da técnica, ouvir aos envolvidos, a partir da exposição dos argumentos e sentimentos, considerando as lembranças do passado, o mediador deveria tomar em conta a probabilidade da não resolução do conflito. Uma vez chegado num ponto de esclarecimento dos fatos, os mediadores pediam para que as partes esquecessem o ocorrido e pensarem “o daqui para frente”, inclusive houve casos nos que os mediadores pediram para exercer o “perdão”. Nesse sentido, Rangel (2013) aponta que nesses casos, para a resolução do conflito recorria-se aos valores cristãos; “perdão” era entendido no sentido do “arrependimento e o esquecimento completo da ofensa” (p. 112) pelo suposto agressor. Este fazia sentido pois os casos de mediação, segundo o autor, costumavam envolver conflitos familiares, ou de moradia, ou seja, sujeitos com relacionamentos

bastante próximos. Assim, fazendo uma analogia com a Colorida; a figura

do “perdão” como meio da resolução dos conflitos comunitários, era algo inerente à dinâmica de resolução de conflitos para os moradores, e não para os visitantes, no meu caso, só após das reações geradas nos moradores por este conflito, pude percebê-lo com maior clareza. De fato, a não resolução do primeiro conflito na perspectiva do casal, o que deduzi pelos comentários posteriores, foi o detonante do tom e a dimensão da sua reação no dia seguinte, estes alimentados em todo momento pelas constantes réplicas dos moradores da Colorida.

Portanto, o conflito presenciado coloca em evidência a associação deste, na sociedade ocidental, à mágoa, tal como aconteceu comigo num primeiro momento, e com o Verde e a Violeta posteriormente. Nela o ressentimento geralmente costuma ser resolvido através da figura cristã do perdão. Ou seja, sem a mágoa, o perdão não existiria, pois este não seria necessário. O perdão aparece como uma figura para manter “em harmonia” as relações sociais e afetivas no tempo, exigindo um exercício de potencial esquecimento ou revisão da situação originária como assegurador do resultado. Pois uma contínua evocação do evento, seja de maneira verbal, na relação com o outro, ou na relação consigo mesmo, não permitiria a reconciliação. Na Colorida a expressão dos desconfortos, das mágoas e sentimentos em geral, aparecia como um processo de revelação de si, corrente, cujo resultado evocava o resultado da figura do perdão, um esquecimento da dificuldade e continuação das relações das formas habituais. Situação estranhada por visitantes como Verde e Violeta.

Após este evento, que eu ouvia sentada na minha cama, a relação com os moradores tornou-se mais próxima. Ter acompanhando a situação num momento bastante emotivo pareceu diminuir a distância. De fato, eles ficaram abalados e aparentemente ofendidos, nesse dia e no dia seguinte sentiu-se uma “tristeza” no local. Para os moradores, o casal não compreendeu como “tentaram ajudá-los”, não valorizou a vivência lúdica oferecida na qualidade de “presente”, além de não ter levado a sério a dinâmica proposta para resolver as discrepâncias, pois não enfrentaram o conflito e foram embora, sendo que eles iriam apresentar uma “contraproposta”. Azul comentou inclusive “não saber como fazer”. As pessoas aparentemente não liam as informações do site nem das redes sociais e não informavam sobre as capacidades físicas reais desta maneira “ficava difícil se planejar”.

Posteriormente explicaram-me que a proposta econômica era feita em função do trabalho possível a ser realizado, eles “entendiam que a

produtividade do hóspede não era igual à de um profissional”, e era somente para a “manutenção” do lugar. No entanto, este trabalho não era quantificado em reais e estava pensado para cobrir o não cobrado: o tempo deles, a Colorida com seus salões, natureza, atenção personalizada, entre outras coisas. Também consideravam os preços dos Bed & Breakfast76 como referência, “sempre cobrando menos que uma pousada”. Soube também sobre sua visão sobre os visitantes. Não os enxergavam como consumidores, mas como “pessoa igual” a eles. Neste sentido, a frase “o consumidor tem a razão”, não cabia. Ao serem iguais, “ninguém serve ninguém”. Nessa continuidade, Azul fez um comentário no meu último dia, ao se questionar: “Não sei, ainda não conseguimos chegar num equilíbrio. Ainda trabalhamos mais do que os hóspedes”.

Desta maneira, minha lógica de cálculo de custos, e a do cliente que compra bens ou serviços, a lógica convencional, dificultou a compreensão das expectativas em relação aos visitantes da Colorida num primeiro momento. Os critérios para a definição dos preços eram o tempo de estadia, a expectativa do trabalho do praticante, o interesse do hóspede77, o tempo que os moradores iriam se dedicar a eles78, contemplando também as circunstâncias específicas do momento para os moradores. Considerando no caso de sair antes do tempo combinado, existir uma penalidade.

Houve outro visitante, o Magenta, um jovem viajante, quem ficou na ecovila “somente” por cinco dias trabalhando seis horas em trabalhos “mais pesados79”, com todas as refeições inclusas, pagando R$ 10.00 a diária. No caso dele foi mais valorizado o trabalho a realizar, por causa disto trabalharia seis horas e não quatro como eu. Contava também o fato

76 Alojamentos onde os hospedes recebem café da manhã além do quarto, tudo

incluso no preço.

77 Dependia da pessoa, nesse sentido isto funcionava de maneira “orgânica”.

No período que eu estive na ecovila os interesses dos praticantes foram: possíveis moradores, um “viajante jovem com poucos recursos, mas, com ânimo e trabalhador” e uma pesquisadora com um “motivo maior” no meu caso.

78 Compreendi que em função disto foram calculados meus custos, já que era

uma pesquisadora que demanda tempo com perguntas e entrevistas. Além disto, segundo eles pediram, leriam meu trabalho num futuro pelo que demandaria mais tempo.

79 O Magenta roçou alguns espaços da ecovila, um trabalho considerado

de ser um jovem viajante80, e uma estadia curta. Ele tinha vinte quatro anos no momento, largou o emprego motivado por um filme que assistiu na internet, pelo que se definiu como o título do filme um: “Maluco de Estrada”. Decidiu viajar pelo Brasil e ficar em “alguns lugares” em troca de trabalho, pois se encontrava “desiludido com o sistema”.

Críticas contra o “sistema” foram um assunto que apareceu constantemente. Contudo, os moradores reconheciam que não estavam fora dele, contudo “usavam-no de uma melhor maneira”. “Uma revolução silenciosa estava acontecendo”. “Haviam muitas iniciativas sendo feitas, mas, ainda faltava”. Com essa finalidade preferiam comprar os alimentos orgânicos do Castanho, com quem “compartilhavam os mesmos valores”, ou de um morador do bairro, dessa maneira “os empoderavam”, fortalecendo a “economia local”.

Nesse sentido mencionaram estar vinculados a várias redes, em algumas delas haviam deixado de participar e outras estavam mais ativas. Mencionaram algumas redes: “Ecovida de produtores orgânicos”, Economia Solidária, Plantas Medicinais, Oração Planetária, Danças Circulares, Ecovilas, entre outras.

Desta maneira a Ecovila Colorida aparece como uma iniciativa de transformação que oferece uma proposta focada no trabalho como uma troca, impulsora do crescimento pessoal e com um valor não contabilizado em termos monetários. Os custos são contabilizados num sistema próprio da ecovila, este combina os valores de mercado com os valores da Colorida. A partir dele foi possível observar reações de alguns sujeitos que com a lógica “vendedor/cliente” não conseguiram aceitar as lógicas propostas pela Colorida.

Este mostrou também o conflito na Colorida como parte do cotidiano, naturalizado ao ponto de não ferir os afetos posteriormente, se for resolvido de maneira aberta em função da comunicação. Como era esperado que acontecesse no evento com o casal e como aconteceu comigo, contudo o casal ficou afetado ao ponto de decidir ir embora, pois a conversa grupal, para eles não havia resolvido o assunto, agravado

80 Situação com a qual Azul identificava-se por experiências da sua juventude.

O dia anterior a sua partida coincidiu com uma reunião programada com anterioridade, na qual cozinhamos pizza. Os hóspedes e uns amigos da ecovila foram convidados. Nessa oportunidade Azul pediu para todos dirigirmos umas palavras e manifestar nossos desejos para “o jovem viajante” que iniciava o percurso na Colorida.

posteriormente na compreensão de uma “cobrança adicional” pela qual deveriam dinheiro em vez de recebê-lo, como era a expectativa. No meu caso, na convivência, percebi-me interpretando algumas situações em “tom de briga”, contudo, o comportamento posterior de Azul, revelava a ausência dos sintomas do conflito. Nesse sentido tal como apontado por eles em mais de uma oportunidade, morar em comunidade exigia o esforço de conversas sobre os conflitos muito frequentemente, desta maneira para eles estes não tinham alguma conotação negativa. Pelo contrário eram assuntos a serem “trabalhados”.

Para os moradores a experiência anterior e a atual de morar em comunidade, havia tornado as regras como uma necessidade para a convivência. Estas estavam interiorizadas ao ponto de não as explicitar em alguns casos, o que tornou mais difícil a compreensão delas para alguns visitantes. De fato, coexistiam regras reforçadas ocasionalmente81 em paralelo a outras não ditas e aparentemente tácitas. Nesse sentido refletia-se, para algumas situações, um auto-estranhamento, pois havia uma ênfase em dar a conhecer as formas de funcionamento de alguns assuntos no local. Por outro lado, parecia haver uma expectativa quanto aos visitantes que se incorporassem à “comunidade” com o conhecimento prévio de alguns hábitos do seu funcionamento, como por exemplo, o diálogo constante e aberto em termos de discrepâncias. Ou seja, a visão dos moradores da ecovila sobre os visitantes não como clientes, se não como “sujeitos iguais”, não contemplava o processo de adaptação gradual destes em questão de alguns modos da ecovila. De fato, o “processo terapêutico” oferecido pela Colorida considerava a disciplina e o estabelecimento de normas como diretrizes deste.

Finalizando este capítulo vou me referir a uma visão comum de natureza demonstrada até aqui, nas ecovilas, esta é apontada como idealizada e romântica por alguns autores. Nesse sentido, Milton (2002) assinala a existência de um mito baseado na imagem das comunidades não industriais que vivem de formas harmoniosas com o meio ambiente. Este, segundo o autor, seria parte importante do pensamento ambientalista, amplamente aceito no discurso ambiental global, inclusive pelos próprios “povos não industriais”. Milton (2002) considera esta noção como fundamental para a crítica ambientalista “radical industrial”, pois sem a suposição de que as sociedades não industriais vivem de forma sustentável nos seus ambientes, não haveria argumentos para sugerir o

industrialismo como a causa da destruição. Contudo, o autor aponta nessa perspectiva, algumas sociedades pré-industrias consideradas como modelos de “estilo de vida benigno” para o ambiente mais do que outras, um exemplo delas poderiam ser as comunidades indígenas. Nessa continuidade, embora a noção de “zeladores” abordada tanto por Foladori e Taks (2004) e Milton (2002) seja uma noção defendida pelos meus interlocutores, devo reconhecer que as compreensões sobre o assunto ambiental não são homogêneas entre eles. Houve interlocutores