• Nenhum resultado encontrado

Desde a Constituição Federal de 1988, não há mais divergência sobre a natureza tributária das contribuições previdenciárias, já que estão inseridas no art. 149 da CF, no

capítulo que trata do Sistema Tributário Nacional. Também consta no referido dispositivo, de forma expressa e literal, que se aplicam às contribuições os princípios constitucionais tributários - da legalidade e da irretroatividade – além de todas as normas gerais de Direito Tributário, previstos no art. 150 da Constituição Federal.

Conforme Luiz Fernando de Souza Neves:

A Lei maior corrige o amesquinhamento do conceito de tributo, implícito da Constituição e expresso no CTN, segundo o qual tributo é toda prestação pecuniária e compulsória que não decorra de sanção de ato ilícito, que deve ser instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, ou seja, os tributos nascem de pressupostos e descrevem sempre fatos lícitos e que não se confundem, que são independentes do consentimento do obrigado [...]. [...] Pelo aspecto topográfico, insere essas contribuições no art. 149, I, no capítulo que trata do Sistema Tributário Nacional, remetendo o intérprete ao art. 195, no título Ordem Social e de lá novamente ao capítulo do Sistema Tributário Nacional.34

Pelas razões acima é que os elementos que constituem as normas jurídicas tributárias serão abordados no presente estudo.

A norma jurídica tributária35 possibilita ao Estado exigir determinada conduta do sujeito, sob pena de coação, quando se concretiza, no plano material, a situação prevista na

34 NEVES, Luiz Fernando Souza. COFINS: Contribuição Social sobre o Faturamento. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 68.

35 Toda norma jurídica é composta de um antecedente e um conseqüente. Aquele descreve um fato de possível ocorrência; este prescreve um conduta intersubjetiva deonticamente modalizada.

hipótese de incidência tributária. A conduta exigida tem como objeto o pagamento de tributo36, que é toda prestação pecuniária compulsória que não constitua sanção de ato ilícito.

Para Geraldo Ataliba, “o conteúdo essencia l de qualquer norma jurídica é o seu mandamento principal. O conteúdo das normas tributárias, essencialmente, é uma ordem ou comando, para que se entregue ao Estado (ou pessoa por ele, em lei, designada) certa soma em dinheiro”37. O objeto da relação jurídica tributária é o comportamento consistente em levar dinheiro aos cofres públicos.

Em sentido estrito, norma jurídica tributária é aquela que estabelece um vínculo jurídico entre um antecedente, que descreve um fato de possível ocorrência (que não seja fato-conduta ilícito), e um conseqüente, que prescreve uma relação jurídico-formal, na qual impõe (obriga) a um sujeito de direito (sujeito passivo) a conduta de entregar certa quantia em dinheiro a outro sujeito de direito (sujeito ativo). É útil analisar a definição proposta e destacar seus elementos fundamentais:

a) antecedente

a.1 – descreve um fato de possível ocorrência = como todo e qualquer antecedente, o da norma jurídica tributária descreve um fato que tenha possibilidade de ocorrer no mundo fenomênico, no mundo real; é o que se denomina mundo ôntico da possibilidade;

a.2 – que não seja um fato conduta ilícito = a definição de tributo contida no enunciado do art. 3º do Código Tributário Nacional destaca que ele não tem o caráter de “sanção” ou punição. Com isso se conclui que a conduta prescrita pelo conseqüente da norma tributária não pode ter a natureza de uma pena pelo descumprimento de uma conduta prescrita por outra norma; em outros termos: a norma tributária não é uma norma primária punitiva acessória, mas uma norma primária principal.

b) conseqüente

b.1 – prescreve uma relação jurídico-formal = utiliza-se a expressão relação jurídico-formal para não confundir a expressão relação jurídica. Aquela é usada para designar a relação contida no conseqüente da norma jurídica geral; esta é usada para designar a relação individualizada decorrente de um fato jurídico concreto;

b.2 – impõe (obriga) a conduta de entregar = a conduta (prestação ou, no caso, tributo) imposta pela norma está representada pelo verbo entregar (p), encontrando-se afetada pelo modal deôntico obrigatório;

b.3 – certa quantia em dinheiro = é o objeto da prestação tributária ou objeto do tributo;

b.4 – um sujeito de direito = é o que tem a obrigação de entregar certa quantia em dinheiro, denominado sujeito passivo;

b.5 – a outro sujeito de direito = é aquele que tem o direito de exigir (permissão de obrigar) de outrem (sujeito passivo) que seja entregue certa quantia em dinheiro; é denominado sujeito ativo.

Assim, nesse momento, pode-se afirmar: norma jurídica tributária é aquela que prescreve que, se ocorrer determinado fato-conduta lícito, então alguém terá obrigação de entregar certa quantia de dinheiro ao Estado. (QUEIROZ, Luiz César Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 58).

36 O objeto do direito tributário é o estudo do direito tributário positivo ou objetivo. O instituto jurídico central desse estudo é o tributo.

Como conceito básico, definimos tributo, instituto nuclear do direito tributário (entendido como sub-ramo do direito administrativo), como obrigação (relação jurídica).

Juridicamente define-se tributo como obrigação jurídica pecuniária, ex lege, que se não constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é um pessoa pública (ou delegado por lei desta), e cujo sujeito passivo é alguém nesta situação posto pela vontade da lei, obedecidos os desígnios constitucionais. (ATALIBA, Geraldo.

Hipótese de incidência tributária. 5.e.d. São Paulo: Malheiros 1988, p. 32).

A norma jurídica prevê conseqüência para uma suposta situação (hipótese tributária). A relação jurídica tributária somente se concretiza se o caso fático corresponder à situação hipotética prevista na norma. Devem estar contidos na norma jurídica a hipótese de incidência (descritor) e a conseqüência pelo acontecimento de fato que se enquadra na hipótese prevista (prescritor).

Luiz Fernando de Souza Neves refere que “a norma jurídica tributária[...] [...] sempre descreverá um comportamento (p) e prescreverá uma conduta (q), estabelecendo uma sanção, caso a conduta prescrita seja desobedecida (-q»s)”38.

Com a alteração do art. 114 da Constituição Federal, a dúvida que pode ter surgido entre os operadores do direito é a seguinte: a previsão constitucional para que o Juiz do Trabalho execute ex officio as contribuições sociais decorrentes das sentenças que proferir altera a norma jurídica tributária que define a incidência desse tributo?

Paulo de Barros Carvalho39 separa em três classes as regras jurídicas tributárias:

a) normas que demarcam princípios, concebidos para dar os limites da virtualidade legislativa no campo tributário;

b) normas que definem a incidência do tributo, equivale a dizer, descrevem os fatos e estipulam os sujeitos da relação, como também os termos determinativos da dívida (norma-padrão de incidência ou regra-matriz de incidência tributária). Cabem nessa rubrica as normas que instituem isenções, bem como as regras sancionatórias;

38 NEVES, 1997, p. 91 Na obra acima citada, refere o autor: Por exemplo:

Norma primária: p»q (dado o fato de uma pessoa auferir rendimentos (p), então deve pagar imposto sobre a renda (q).

Norma secundária: -q»s )Caso essa pessoa não pague o imposto devido –q), então sofrerá as sanções que a lei estabelece (s))

Assim, ocorrido concretamente no mundo real o fato previsto abstratamente na hipótese ou descritor (p), instala-se na segunda variável (q), uma relação jurídica assimétrica entre o sujeito ativo e o sujeito passivo, em que o dever ser se modaliza, sendo o primeiro obrigado a cobrar e o segundo, o dever, a obrigação de pagar o tributo.

c) normas que fixam outras providências administrativas para a operatividade do tributo, tais como as de lançamento, recolhimento, configuração de deveres instrumentais e relativas à fiscalização.

Atualmente, há posições diversas sobre os limites da competência da Justiça do

Trabalho, tema que será analisado no item que segue. Todavia, os estudiosos do Direito do

Trabalho não relacionam essa questão com a norma jurídica tributária, o que parece ser o

cerne do problema.

Novamente, Paulo de Barros Carvalho40 ensina que: “são poucas, individualizadas e

especialíssimas as regras-matrizes de incidência dos tributos. Em princípio, há somente uma

para cada figura tributária, acompanhada por uma infinidade daquelas que poderíamos

nominar de operativas ou funcionais (lançamento, recolhimento, deveres instrumentais,

fiscalização, prazos etc.)”. A regra-matriz de incidência tributária prevê uma obrigação

tributária, ou seja, estabelece os critérios e os valores (pagamentos) que regem a relação entre

os sujeitos. A própria obrigação tributária está contida na regra-matriz de incidência tributária,

que estabelece o tributo a ser pago pelo sujeito passivo do vínculo.

Estando a obrigação tributária prevista na regra-matriz, logicamente o crédito

tributário também está previsto na regra-matriz de incidência, pois ambos integram o vínculo

obrigacional, diretamente relacionado.

40

Segundo Paulo de Barros Carvalho, “a verdade é que não se pode cogitar de obrigação sem crédito ou de crédito sem obrigação. O direito de crédito é a outra maneira de nos

referirmos ao direito subjetivo que o sujeito ativo tem para exigir a prestação”.41

A obrigação e o crédito tributários somente surgirão com a ocorrência do fato previsto

na hipótese, ou seja, somente nascem quando o fato concreto, localizado no tempo e no

espaço, se realiza. Geraldo Ataliba42 denomina de fato imponível aquele que efetivamente

ocorre, num determinado tempo e lugar, capaz de configurar a hipótese de incidência

tributária prevista na norma.

O fato gerador do tributo se constitui na ocorrência, no mundo físico, daquela situação

hipoteticamente descrita na hipótese ou prescritor da norma tributária. Corresponde o fato

jurídico ao acontecimento perceptível pelos sentidos humanos, que se realiza no tempo e no

espaço e cujo conceito corresponde ao antecedente da norma jurídica. Será fato jurídico

tributário quando corresponde ao antecedente da norma tributária. O fato jurídico tributário

surge com o fenômeno da incidência43.

41

CARVALHO, 1998, p. 209 42

Há, portanto, dois momentos lógicos (e cronológicos), primeiramente, a lei descreve um fato e di-lo capaz (potencialmente) de gerar (dar nascimento a) uma obrigação. Depois ocorre o fato; vale dizer: acontece, realiza-se.

Se ele revestir as características antes hipoteticamente descritas (previstas) na lei, então determina o nascimento de uma obrigação tributária, colocando a pessoa (que a lei indicou) como sujeito passivo, ligado ao estado até obter a sua liberação, pela prestação do objeto da obrigação (tendo o comportamento de levar aos cofres públicos a quantia de dinheiro fixada pela lei).

Preferimos designar o fato gerador in abstracto por hipótese de incidência e in concretu por fato imponível. (ATALIBA, 1988, p. 51.)

43

A regra matriz de incidência tributária das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, da CF, antes da EC 20/98, era a seguinte:

____

 ____    

  1. critério material: pagar ou creditar salários e   rendimentos do trabalho à pessoa   física que presta serviços,

  com ou sem vínculo de emprego  HIPÓTESE ---- 

 (descritor)       

  2. critério espacial: território nacional  

 

  3. critério temporal: data do pagamento

  do salários ou do rendimento    ____  NJT ---  _____ (Norma   ____ Jurídica   

Tributária)    a) sujeito ativo: INSS   

     1. critério pessoal ---- 

   b) sujeito passivo:

   o empregador, a empresa ou  CONSE-   a entidade a ela equiparada  QÜÊNCIA ----  ____

 (prescritor)  ____      

   a) base de cálculo:

   parcelas que integram o salário    de contribuição, nos termos do   2. critério ----  art. 28 da Lei 8212/91

  quantitativo 

   b) alíquota: 20% (art. 22, I e III    da Lei 8212/91)    (empregados, avulsos e    contribuintes individuais)     ____ |____ ____

A regra matriz de incidência tributária das contribuições sociais previstas no art. 195, II, da CF, antes EC 20/98, era a seguinte:

____

 ____    

  1. critério material: receber salários e rendimentos   pelos serviços prestados,   com ou sem vínculo de emprego    HIPÓTESE ----   (descritor)       

  2. critério espacial: território nacional  

 

  3. critério temporal: data do recebimento   do salário ou do rendimento    ____  NJT ---  _____ (Norma   ____ Jurídica   

Tributária)    a) sujeito ativo: INSS         1. critério pessoal ----     b) sujeito passivo:    o trabalhador e os demais  CONSE-   segurados  QÜÊNCIA ----  ____  (prescritor)  ____          a) base de cálculo:

   parcelas que integram o salário    de contribuição, nos termos do   2. critério ----  art. 28 da Lei 8212/91

  quantitativo     b) alíquota: 7,65%, 8,65%, 9%    ou 11%, conforme tabela    da Lei 8212/91   ____  ____ ____

Diante das as regras matrizes de incidência tributária das contribuições sociais acima identificadas, dois pontos básicos devem ser analisados:

a) se a norma inserida pela EC 20/98, que foi mantida pela EC 45/04, atribuindo à Justiça do Trabalho a competência para executar, de ofício, as contribuições sociais previstas nos art. 195, I, a e II, da CF, decorrentes das sentenças que proferir, altera as regras matrizes de incidência tributária de que tratamos;

b) se a disposição da redação atual da Constituição se constitui em um elemento das normas que definem o tributo ou apenas fixa um regramento para sua operatividade.

Ao nosso entender, a disposição contida no inciso VIII do art. 114 da CF não afeta a

hipótese (ou descritor) nem a conseqüência (ou prescritor) da norma de incidência tributária,

como se passa a demonstrar.

O critério material permanece o mesmo, pois o tributo não passa a ser devido pelo fato

de o Juiz proferir a sentença, mas sim pelo fato de a parte reclamada efetuar o pagamento ou o

crédito de parcelas integrantes do salário de contribuição ao reclamante. “O critério material é

que informa o núcleo da conduta descrita no antecedente das normas tributárias,

representando em termos morfológicos por um verbo pessoal e um complemento”.44 O

aspecto material do antecedente da norma deve descrever a conduta de um sujeito de direito

(de pessoa física ou jurídica). Se a reclamada não efetua o pagamento ou o crédito, não há

cobrança de contribuição social a ser executada, nem mesmo de ofício, pois inexiste fato

determine o pagamento de tributo pela simples prolação de uma sentença trabalhista condenatória ou declaratória.

Da mesma forma, os critérios espacial e temporal não foram alterados pelo texto

inserido na Constituição Federal pela EC 20/98 e mantido pela EC 45/04. O antecedente das normas tributárias, ao descrever uma determinada situação de fato, necessita exibir os critérios temporal e espacial, para que se possa identificar, respectivamente, o momento da ocorrência do fato e o local da sua realização. Sem esses critérios seria impossível

compreender a mensagem prescritiva (norma jurídica), pois não se teria como verificar quando (critério temporal) e onde (critério espacial) o fato descrito pelo antecedente normativo iria se realizar.45

Assim como os anteriores, o critério quantitativo não muda em razão da nova

competência da Justiça do Trabalho, sendo que informa o quanto, em dinheiro, deve ser

entregue pelo sujeito passivo ou dele retirado. O critério quantitativo traz dois elementos: a base de cálculo e a alíquota.

Base de cálculo é a grandeza instituída no conseqüente, que dimensiona quantitativamente a situação de fato (conduta) descrita no critério material do antecedente; pode aparecer: como um valor monetário; como uma certa medida. Alíquota é o que se aplica sobre a base de cálculo com o propósito de apurar a quantia líquida; pode aparecer: como um valor monetário fixo ou variável em função de escalas de base de cálculo; ou como uma fração, percentual ou não.46

Já no critério pessoal, os sujeitos ativo e passivo mantêm-se os mesmos. “Sujeito passivo da relação jurídico-tributária é a pessoa física ou jurídica, privada ou pública, de 44 QUEIROZ, Luiz César Souza de. Regra matriz de incidência tributária. In: DE SANTI, Eurico Marcos Diniz

Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho.

Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 245. 45 QUEIROZ, 2005, p. 248.

quem se exige o cumprimento da prestação: pecuniária, nos nexos obrigacionais; e insuscetível de avaliação patrimonial, nas relações que veiculam meros deveres instrumentais

ou formais”47. Sujeito ativo, por sua vez, é o titular do direito subjetivo de exigir a prestação

pecuniária, ou, como refere Luís César Souza de Queiroz48: “é aquele que tem a permissão de

exigir de outrem a entrega de certa importância em dinheiro ou a permissão de retirar de

outrem certa importância em dinheiro”. Conclusão: não se pode cogitar que o Judiciário Trabalhista, simplesmente por ter o dever de executar de ofício contribuições sociais, passe

nesses casos à condição de sujeito ativo. O Poder Judiciário Trabalhista apenas obriga o

sujeito passivo a transferir seu patrimônio ao sujeito ativo, em razão da obrigação contida na

regra-matriz de incidência tributária.

Diante na análise acima, pode-se constatar que as normas tributárias em sentido

estrito49 não se alteraram com a nova redação do art. 114 da CF. Apenas houve a transferência

da competência que era da Justiça Federal para a Justiça do Trabalho, no que se refere às

contribuições sociais devidas em razão de pagamentos decorrentes das sentenças trabalhistas.

Verifica-se que o inciso VIII do art. 114 da CF simplesmente institui uma norma para a

operatividade do tributo. 46 Ibidem, p. 253. 47 CARVALHO, 1998, p. 214. 48

QUEIROZ, op. cit., p. 250. 49

Segundo CARVALHO, 1998, p. 67: A norma tributária em sentido estrito, reiteramos, é a que define a incidência fiscal. Sua construção é obra do cientista do Direito e se apresenta, de final, com a compostura própria dos juízos hipotético-condicionais. Haverá uma hipótese, suposto ou antecedente, a que se conjuga um mandamento, uma conseqüência ou estatuição.