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2 Sistema literário, normas de tradução e ambivalência: a posição da literatura infantil

2.4 Normas e fluxo internacional de literatura

Conforme vimos até aqui, temos lidado com transferências literárias no mínimo duplas: em primeiro lugar, entre línguas e culturas; em segundo lugar, entre o sistema adulto e o infantil. Some-se o lapso temporal entre a primeira publicação dos poemas de Victor Hugo e Goethe nos sistemas de origem e suas edições ilustradas, que compõem o nosso corpus, o que acrescenta ainda os aspectos relativos à evolução da língua. Tal combinação complexifica os condicionantes sociais envolvidos na tradução, sobre os quais nos debruçamos neste item.

46 “This example shows how conduct regarded as unacceptable in a source text may be modified in translation,

and how after a lapse of time, during which the norms have shifted, it can be brought back closer to the original text. General changes in notions of acceptability on the level of the story within ‘foreign but culturally close’ children’s literatures are responsible for this return to the original, but so is the fact that within the realm of children’s classics, to which Pippi Långstrump now undoubtedly belongs, translation practice has partially changed, with what has previously been a norm of translation in canonized adult literature only— respect for the integrity of the original—now being adopted in ‘literary’ translations of children’s classics.”

Gisèle Sapiro (2008) propõe um exame das normas de tradução sob uma perspectiva sociológica, desenvolvendo, a partir dos trabalhos de Gideon Toury (1995), estudos acerca dos condicionantes sociais que determinam as práticas de tradução literária. Sapiro articula a análise das normas de tradução, conforme quadro teórico dos polissistemas (EVEN-ZOHAR, 1990), com a sociologia da produção e da circulação de bens simbólicos, estabelecida a partir dos estudos de Pierre Bourdieu47.

Sapiro destaca que o conceito de norma traz uma dimensão social e coletiva, uma vez que é por meio de condicionantes externos, que habitualmente envolvem sanções, que as normas se impõem ao tradutor e são por ele interiorizadas. As normas de tradução se manifestam não apenas nas escolhas linguísticas, mas também na seleção dos textos a serem traduzidos, na decisão sobre sua tradução integral ou em fragmentos, nos paratextos. A sociologia se interessa pela variabilidade dessas normas segundo as posições sociais do texto e do importador (importateur) (SAPIRO, 2008, p. 200).

Os condicionantes que atuam sobre a produção e a circulação de bens simbólicos (e, portanto, sobre as transferências culturais) são, conforme Sapiro, de ordem política, econômica ou cultural. Cada condicionante atua em interação com os demais, porém um deles tende a prevalecer sobre os outros. Esses três condicionantes caracterizam também a dominação de uma cultura pela outra, relações que definem o caráter desigual das trocas culturais (ressaltado por O’Sullivan (2005) na literatura infantil).

Se o condicionante político, por exemplo, predomina em regimes autoritários, a lógica do mercado parece ser o grande maestro dos intercâmbios culturais no mercado mundial liberal. Bens culturais considerados mercadorias são regidos pelo princípio de um alto lucro a um baixo custo. De acordo com Bourdieu (1977), esses bens fariam parte de um circuito de grande produção, em oposição a circuito de produção restrita. A esse respeito, Sapiro apresenta a hipótese de que

[...] cada tipo de restrição implica normas de tradução particulares do ponto de vista da seleção, do recorte e das modalidades de tradução dos textos.

Assim, as normas de respeito ao texto original em sua integralidade, de fidelidade ao conteúdo e à forma (sequências, estilo, etc.), bem como a ideia da superioridade das traduções diretas sobre as traduções indiretas, que são frequentemente pressupostos nos estudos sobre a tradução, são apenas um caso particular das práticas.48

(SAPIRO, 2008, p. 202. Grifos nossos).

47 BOURDIEU, Pierre. « La production de la croyance : contribution à une économie des biens symboliques »,

Actes de la recherche en sciences sociales, n° 13, 1977, p. 3-43. _____________. « Une révolution conservatrice dans l’édition », Actes de la recherche en sciences sociales, n° 126/127, « Édition, Éditeurs (1) », mars 1999, p. 3-28.

48 “[...] chaque type de contrainte implique des normes de traduction particulières du point de vue de la

Segundo Sapiro, as práticas de tradução dos textos em sua integralidade e de fidelidade, bem como a superioridade das traduções diretas, impuseram-se pela tradução de textos dotados de certa legitimidade cultural, e foram codificadas através das leis de direitos autorais. Contudo, não prevalecem em todos os circuitos, como ilustra o caso da literatura infantil. Autores como Klingberg (1986) e Shavit (1986) identificaram como norma no sistema literário infantil a aceitação de procedimentos de simplificação, abreviação, ambientação, entre outros. O que Shavit identifica como o baixo estatuto da literatura infantil e dos escritores para crianças pode ser relacionado ao grau de legitimidade cultural que condiciona as normas de tradução – o que explica a ascensão das traduções voltadas para a fonte a partir do momento em que a literatura infantil passou a receber maior atenção da academia. Essa legitimidade é atribuída pela posição do texto na hierarquia de gêneros, por sua antiguidade, pelo prestígio de que goza a cultura da qual ele é originário e por sua fama (SAPIRO, 2008, p. 203).

Essa hierarquia de gêneros varia com o tempo e a cultura. O interesse acadêmico pela literatura infantil a partir das décadas de 1960 e 70 no Brasil e no exterior, entre outros fatores relativos à cultura da infância e da juventude, parece ter movimentado seu estatuto no sistema

literário49. Como já mencionado anteriormente, atualmente são numerosas as reivindicações

em favor de traduções infantis mais voltadas para a fonte. Entretanto, reparamos que o destinatário infantil segue deixando traços na tradução, mesmo quando esta sugere um alinhamento aos pressupostos tradutórios devidos aos textos de maior legitimidade cultural. Essa tensão pode ser notada nas traduções de nosso corpus, nas quais por vezes transparece uma hesitação entre a inovação estética e a comunicabilidade.

De certa maneira, as obras que aqui selecionamos podem ser associadas ao chamado circuito de produção restrita. Os nomes de Victor Hugo e Goethe encerram um capital simbólico e têm para as editoras uma função de legitimação literária de seu catálogo, o que motiva sua publicação, mesmo sem a mesma perspectiva de retorno financeiro que um bestseller. Esses dois circuitos – restrito e de grande produção – estruturam o espaço de

Ainsi les normes de respect du texte original dans son intégralité, de fidélité au contenu et à la forme (séquences, style, etc.), toute comme l'idée de la supériorité des traductions directes sur les traductions indirectes, qui sont souvent préssuposées dans les études sur la traduction, ne constituent qu'un cas particulier des pratiques.”

49 Zohar Shavit, em entrevista de 2019, discorre sobre as tensões envolvendo estatuto da literatura infantil e da

sua pesquisa: “...por um lado, os estudos sobre literatura infantil permanecem não muito ousados e um tanto conservadores e, ao mesmo tempo, parte da pesquisa feita é de fato inovadora e não poderia ter sido levada a cabo em nenhum outro campo de estudo, por causa da perspectiva única que oferece.” (LIMA, 2019).

produção50, podendo coexistir em uma mesma editora, como é o caso da Companhia das

Letras51. O balanço entre obras comerciais e obras de valor simbólico conferiu a essa editora o

reconhecimento de qualidade literária, ao mesmo tempo em que garantiu uma movimentação constante em seu catálogo. Já a Cosac Naify, que em seus anos de atuação apenas

timidamente selecionou obras de apelo mais popular52, foi incapaz de manter-se num mercado

cujo público de nível cultural e poder aquisitivo suficiente para adquirir suas obras é extremamente reduzido.

As normas de tradução variam também conforme a posição do tradutor. Segundo Sapiro (2008), os tradutores profissionais tendem a estar mais sujeitos às restrições editoriais que os tradutores ocasionais, representados pelos acadêmicos e escritores, que em geral gozam de maior liberdade para impor seu projeto tradutório. A autora aponta ainda a tendência dos escritores de se voltarem para o alvo, enquanto os acadêmicos buscam, em geral, uma tradução mais conforme à fonte, justificada pelo fato de cada um deles atribuírem funções diversas à tradução:

...enquanto que, para os escritores, trata-se de um trabalho que se relaciona antes de tudo a sua própria pesquisa estética, que ela pode buscar legitimar no campo de produção literária-alvo, para os universitários que não estão animados por ambições criadoras trata-se antes de fazer valer a obra em relação à sua cultura de origem.53

(SAPIRO, 2008, p. 205).

A separação que Sapiro faz entre escritores e universitários não é universalmente válida, uma vez que essas duas figuras muitas vezes coincidem e os acadêmicos também podem estar interessados em “sua própria pesquisa estética”. Em todo caso, as observações da autora endossam a necessidade da busca pelo tradutor (BERMAN, 1995) ao analisarmos criticamente uma tradução. O fato de que a diversidade de origens dos tradutores – mercado,

50 Em visita recente (2019) ao setor infanto-juvenil da livraria Saraiva, notei um incremento no montante de

livros não literários – informativos, livros de adesivos ou de atividades, além da subliteratura produzida a partir de filmes de animação – em relação aos literários. De autores consagrados como Ziraldo, Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Sylvia Ortoff, Eva Furnari, encontravam-se apenas poucos exemplares isolados. Restava ao literário a segurança dos clássicos, com destaque para obras recém ingressas em domínio público, como as de Monteiro Lobato e de Saint-Exupéry. Completando a parca oferta literária, alguns autores do cânone escolar (Machado de Assis, José de Alencar, Moacyr Scliar) e reedições de romances menores da série Vaga-Lume.

51 Os efeitos da associação da editora com a Penguin, que em 2018 passou a ser sócia majoritária, ainda estão por

ser avaliados.

52 Como os quadrinhos de Dav Pilkey, a série Clifford, o cachorrão vermelho, de Norman Bridwell, ou a série

Freckleface Strawberry, da atriz de Hollywood Julianne Moore.

53 “...alors que pour les ecrivains, c’est un travail qui se rapporte avant tout a leur propre recherche esthétique,

qu’elle peut chercher a legitimer dans le champ de production litteraire-cible, pour les universitaires qui ne sont pas animés d’ambitions creatrices il s’agit plutot de faire valoir l’œuvre par rapport a sa culture d’origine.” Esta discussão se complexifica quando se fala em tradutores que são ao mesmo tempo poetas e pensadores da tradução, como foram Augusto e Haroldo de Campos ou como atualmente Álvaro Faleiros e Alípio Correa de Franca Neto.

academia, literatura – também se observa na literatura infantil aponta para uma variação nas práticas que pode ser notada mesmo em um corpus restrito como o nosso.

É importante acrescentar que a escolha do tradutor é, ela mesma, muitas vezes previamente condicionada pelo estatuto do texto a ser traduzido e da cultura da qual ele é originário – excluindo-se os casos em que o próprio tradutor propõe a publicação da obra. Esses condicionantes inserem-se na noção de patronagem de André Lefevere (1982), que definimos brevemente nas considerações iniciais e sobre a qual discorreremos de maneira mais aprofundada no item 2.6 deste tópico.

Ainda em relação à posição do tradutor e do texto a ser traduzido, diz Sapiro (2008, p. 206):

...parece que a posição elevada do texto na hierarquia simbólica e o capital simbólico do tradutor garantem uma relativa autonomia face às restrições heterônomas (notadamente as econômicas) que os diversos agentes implicados na transferência cultural (os editores, em particular) podem impor aos tradutores.54

De fato, é como se esse capital simbólico tivesse o poder de minimizar as sanções dos patronos, ou dos agentes que impõem padrões para a circulação de obras literárias. No caso de um tradutor que seja um escritor de projeção, liberdades que ele eventualmente venha a tomar sobre o texto fonte tendem a ser mais facilmente admitidas pela crítica.

Ainda no quadro das abordagens sociológicas da tradução, Pascale Casanova (2002b) propõe o exame da literatura traduzida sob o ponto de vista dos intercâmbios internacionais, negando uma perspectiva veicular da tradução como mero intermediário de textos entre um campo literário e outro, ou como transformação singular de um texto singular. A expressão “campo literário” predomina nos estudos de viés sociológico, como aqueles de Bourdieu, Sapiro e da própria Casanova.

A noção de campo, segundo Bourdieu (1996), refere-se a microcosmos sociais constituídos a partir de um longo processo de autonomização, entre os quais o campo literário, o campo científico, o campo artístico. Cada um desses universos obedece a leis próprias, que se distinguem em relação àquelas do mundo social que os envolve, inclusive no plano econômico. O processo de conquista de autonomia de um campo, que corresponde à sua diferenciação no seio do contexto social, não é linear e contínuo, mas pode ser interrompido e sofrer retrocessos, como no caso da instauração de regimes autoritários que podem privar a

54 “...il semble que la position élevée du texte dans l'hiérarchie symbolique et le capital symbolique du traducteur

garantissent une relative autonomie face aux contraintes hétéronomes (économiques notamment) que les divers agents impliqués dans le transfert culturel (les éditeurs, en particulier) peuvent imposer aux traducteurs.”

arte de suas conquistas passadas. A partir dessa perspectiva, Casanova (2002b, p. 7) busca compreender os mecanismos e as apostas envolvidas na circulação internacional da literatura. A autora observa que esse intercâmbio é desigual e que as línguas têm posições hierárquicas distintas na economia das trocas linguísticas. A luta que se opera no campo literário internacional é pela consagração, e todas as operações tradutórias se inscrevem em uma dupla hierarquia: nacional e linguística (CASANOVA, 2002b, p. 8). A proposta de Casanova consiste em descrever as posições possíveis das línguas, autores e tradutores no espaço literário.

A relação de força e dominação de um campo literário nacional sobre outro é definida pelo volume e pela antiguidade de seu capital literário; pelo seu grau correlativo de autonomia; pelo prestígio de uma língua e pela crença de que ela seja especialmente literária; pelo número de poliglotas que dominam a língua, bem como pelo montante de tradutores literários que atuam a partir dessa língua ou para ela; pelo reconhecimento internacional de uma literatura. Casanova associa as línguas dominantes àquelas que possuem certo número de textos declarados universais.

Para nós, é de especial interesse a leitura que a autora faz acerca da posição que as línguas, o autor e o tradutor de um determinado texto ocupam em cada um dos campos literários nacionais, e também no internacional:

[...] sua significação [da tradução] depende, de fato, da posição respectiva das três instâncias que a fundam: em primeiro lugar, a língua – ou melhor, ambas as línguas, a de partida e a de chegada –, em seguida, o autor e, por fim, o tradutor. Para se ter uma oportunidade de compreender as apostas reais (e frequentemente negadas) da tradução de um texto, é então necessário descrever previamente a posição que ocupam tanto a língua de partida como a língua de chegada no universo das línguas literárias; em seguida, situar o autor traduzido no campo literário mundial, e isso duas vezes: uma vez segundo o lugar que ele ocupa em seu campo literário nacional e uma vez segundo o lugar que esse espaço ocupa no campo literário internacional; analisar, enfim, a posição do tradutor e dos diversos agentes consagradores que participam do processo de consagração da obra.55 (CASANOVA, 2002b, p. 9).

Conscientes da desigualdade das trocas literárias no espaço internacional e das lutas pela consagração, podemos compreender melhor os motivos que levam à escolha desta ou

55 “[...] sa signification dépend en effet de la position respective des trois instances qui la fondent : la langue

d’abord – ou mieux, les deux langues, celle de départ et celle d’arrivée –, l’auteur ensuite, le traducteur enfin. Pour se donner une chance de comprendre les enjeux véritables (et le plus souvent déniés) de la traduction d’un texte, il est donc nécessaire de décrire au préalable la position qu’occupent et la langue de départ et la langue d’arrivée dans l’univers des langues littéraires ; de situer ensuite l’auteur traduit dans le champ littéraire mondial, et ce deux fois : une fois selon la place qu’il occupe dans son champ littéraire national et une fois selon la place que cet espace occupe dans le champ littéraire international ; d’analyser enfin la position du traducteur et des divers agents consacrants qui participent au processus de consécration de l’œuvre.”

daquela obra para ser traduzida, deste ou daquele tradutor, bem como os condicionantes que guiarão essas traduções. Ademais de considerar o aporte das literaturas francesa (no caso de Hugo) e alemã (no caso de Goethe) para a literatura brasileira, levamos em conta também o prestígio estético que o cânone pode oferecer à literatura infantil.

Casanova estabelece uma oposição entre dois polos no espaço literário internacional: um autônomo, composto por aqueles campos mais dotados de capital literário, e outro dependente, formado pelos campos nacionais desprovidos ou em formação. A ideia de campo em formação insere as reflexões de Casanova no âmbito da história e abarca não somente os fatores sincrônicos que atuam no intercâmbio literário internacional, mas também aqueles diacrônicos. Trata-se, em suma, de uma visão sistêmica, que compreende o dinamismo que Even-Zohar (1990) observa em sua Teoria dos Polissistemas.

A partir dessa polarização, Casanova define duas funções para a operação tradutória: a acumulação de capital literário por um sistema desprovido (“tradução-acumulação”) e a consagração de um autor no cenário internacional (“tradução-consagração”). O primeiro caso se dá de uma língua dominante para uma língua dominada, como foi com a Alemanha durante o romantismo. Devido à formação tardia daquele país enquanto nação, era necessário incrementar seu capital literário, o que se deu por meio de um projeto de tradução em massa: “Essa ‘nacionalização’ de um patrimônio estrangeiro e nobre entre todos permite aos alemães, de certa forma, recuperar o tempo, reconquistar, pela acumulação inicial desse capital que a

tradução torna possível, a antiguidade que faltava”56 (CASANOVA, 2002b, p. 10. Grifos

nossos). A noção de recuperação do tempo perdido é essencial para se observar a posição da tradução em sistemas literários jovens e sem uma tradição própria. Os espaços literários nacionais conseguem emergir e, em seguida, tornar-se autônomos, usando como apoio o polo

autônomo do campo mundial (CASANOVA, 2002b, p. 9).

Conforme a função que a tradução desempenha em um dado campo literário, em um

dado momento histórico, diferentes teorias da tradução são desenvolvidas:

A teoria alemã da tradução, e a prática que daí decorre, estão fundadas, na realidade, sobre uma oposição, termo a termo, com a tradição francesa nesse domínio. Na França, na mesma época, traduz-se, de fato, sem a menor preocupação com a fidelidade: a posição dominante da literatura e da língua francesas incita os tradutores a anexar os textos, adaptando-os à sua própria estética ou categorias de pensamento. [...]

56“Cette « nationalisation » d’un patrimoine étranger et noble entre tous permet aux Allemands, en quelque

sorte, de rattraper du temps, de regagner, par l’accumulation initiale de ce capital que la traduction rend possible, l’ancienneté manquante.”

Na Alemanha, para se opor a essa tradição, será teorizado o princípio da “fidelidade”: “Se a tradução devia permitir à língua e ao espírito da nação apropriar- se do que ela não possui [...] a primeira exigência é então uma fidelidade pura e

simples”, afirma Humboldt.57(CASANOVA, 2002b, p. 11).

A teoria de Humboldt, grosso modo, tem muito em comum com os postulados que

Göte Klingberg estabeleceu para a tradução de literatura infantil. Em Children's Fiction in the Hands of the Translators (1986), Klingberg apresenta uma reflexão sistemática sobre os procedimentos empregados pelos tradutores de livros para crianças e adolescentes na Suécia, até a década de 1980, quando escreve. O autor, ligado ao Departamento de Educação da Universidade de Lund, atribui à tradução de literatura infantil uma função bem definida:

Um dos objetivos da tradução de livros infantis deve ser simplesmente disponibilizar mais literatura para as crianças (obras de mérito literário, espera-se). Esse objetivo justificará uma forte aderência ao texto original. Caso contrário, não é a obra literária enquanto tal, em sua totalidade e com suas características distintivas, que é apresentada aos leitores na língua alvo. Outro objetivo de se traduzirem livros