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Questões relativas à formação do cânone na literatura infantil

2 Sistema literário, normas de tradução e ambivalência: a posição da literatura infantil

2.6 Questões relativas à formação do cânone na literatura infantil

A presença de obras do cânone adulto na literatura infantil deve muito a recursos de mediação, ou a formas diversas de adaptação – entre elas a adaptação textual típica, com a manipulação intencional e transparente do texto de partida – que permitam que uma obra originalmente redigida para um público com uma competência leitora mais amadurecida possa ser compreendida e desfrutada por leitores em formação. A apresentação de obras reduzidas ou comentadas, a antologização, a leitura dirigida, ocorrem sobretudo no espaço escolar.

78 “Such contacts may raise a sense of insufficiency, especially if the other repertoire is richer, more prestigious

among many groups, or may even promise ‘a better life’.”

79 Entre os escritores brasileiros que ilustram esse modelo, inspirados em similares europeus, destacamos Júlia

Lopes de Almeida, com Histórias da nossa terra (1907), Olavo Bilac e Manuel Bonfim, com Através do Brasil (1910), Coelho Neto e Tales de Andrade, com Saudade (1919).

O fenômeno de transferência de obras literárias entre sistemas definidos por grupos etários, por língua ou espaço geográfico, como acabamos de ver, participa na construção de repertórios e relaciona-se aos processos de canonização. Neste item, exporemos algumas reflexões acerca do cânone infantil e da sua formação.

O termo cânone, conforme Rechou (2010), foi introduzido no vocabulário crítico literário pelo filólogo D. Ruhnken em 1768 para designar um rol de autores seletos de determinado gênero literário. Seu uso se difundiu a partir da publicação da polêmica obra de Harold Bloom, O cânone ocidental, em 1994. Nesse livro, Bloom examina 26 escritores que considera canônicos, ou seja, “obrigatórios em nossa cultura”, buscando isolar as qualidades que os tornam canônicos: invenção, originalidade, estranheza. O autor considera que existe um valor estético interno às grandes obras, refutando a relativização e a dissolução do julgamento crítico. Bloom reivindica a autonomia do valor estético na formação do cânone, opondo-se à sua politização. Para ele, “abrir” o cânone equivaleria a destruí-lo (BLOOM, 1994).

As controvérsias em torno do discurso de Bloom suscitaram discussões importantes em torno da constituição da história das literaturas, da tradição literária, da noção de clássico e do ensino de literatura (RECHOU, 2010). Na mesma década de publicação de O cânone ocidental, os anos 1990, divulgaram-se também as pesquisas levadas a cabo na Universidade de Tel-Aviv sob a direção de Itamar Even-Zohar. Em sua Teoria dos polissistemas (1990), Even-Zohar adota uma terminologia que ressalta antes o processo de formação dos cânones que o seu resultado acabado: prefere falar em canonização em vez de cânone, canonizado em lugar de canônico,

ao contrário de muitas correntes teóricas que tenderam a identificar “o sistema” (o “único”, o constituído pela literatura canonizada por meio da cultura oficial e da língua considerada também oficialmente padrão) com o repertório literário canonizado e legitimado numa determinada situação histórica, deixando fora das análises fenômenos marginais, tais como a literatura infantil e juvenil, a chamada literatura de consumo, a paraliteratura, a literatura traduzida, os materiais literários de transmissão oral. (RECHOU, 2010, p. 76).

Even-Zohar (1990) define o segmento canonizado do polissistema literário como o conjunto de normas e obras legitimadas pelos círculos hegemônicos em determinada cultura, cujos produtos são preservados pela comunidade e passam a fazer parte da sua herança histórica. Assim, incluem-se no cânone não apenas os textos, mas também os modelos literários. Ao núcleo canonizado do sistema opõe-se o não canonizado, que abarca normas e

textos rejeitados pelos ditos círculos dominantes e cujos produtos, a menos que logrem mudar de estatuto, tendem a ser esquecidos pela comunidade no longo prazo (EVEN-ZOHAR, 1990, p. 15).

A estratificação dos sistemas culturais com base em juízos e escolhas de grupos influentes é permeada por tensões. A disputa por um espaço no núcleo canonizado confere dinamismo ao sistema, embora a imposição de um sistema educacional centralizado e de uma cultura oficial tente mascarar os conflitos envolvidos na regulação dos sistemas culturais. Ainda segundo Even-Zohar, onde não há uma “sub-cultura” (literatura e arte populares, “baixa cultura”), ou onde ela não é autorizada a pressionar o centro, o cânone tende a cristalizar-se, com a petrificação dos repertórios, que se tornam estereotipados (EVEN- ZOHAR, 1990, p. 17). Daí a importância dos fenômenos convencionalmente relegados à periferia, entre os quais incluímos a literatura infantil e a tradução, para a vitalidade e a renovação do sistema. No quadro da definição de cânone de Even-Zohar e de suas observações acerca dos movimentos centro-periferia, levantamos algumas questões relativas à formação do cânone na literatura infantil e às interfaces com a literatura adulta no processo.

Pensando igualmente nas produções que habitam o segmento não canonizado do sistema e cujo estudo é crucial para a compreensão da formação dos cânones, André Lefevere (1982) discorre sobre a influência da reescrita em suas várias modalidades, entre elas a tradução, na recepção e na canonização de obras literárias. O termo reescrita foi adotado pelo autor na década de 1980 para designar o que até então ele vinha chamando de refração, sob a seguinte definição: “a adaptação de uma obra literária para um público diferente, com a

intenção de influenciar a maneira pela qual esse público lê a obra”80 (LEFEVERE, 1982, p.

4). A tradução é a forma mais evidente de refração (doravante, reescrita). A ela somam-se a crítica, o comentário, a historiografia, o ensino de literatura, as antologias, a montagem de peças teatrais.

Ainda segundo Lefevere, a reescrita é responsável pela recepção e pela sobrevivência de obras literárias entre leitores não profissionais. Embora Lefevere não desenvolva a fundo as categorias de leitor profissional e leitor não profissional, depreende-se que a segunda compreende leitores em geral, excluindo-se os estudiosos de literatura. Evidentemente, as crianças se incluem no rol de leitores não profissionais, para as quais a reescrita é a única forma de acesso a determinadas obras literárias, e a escola, o principal ambiente onde o contato com a literatura acontece.

80 “the adaptation of a work of literature to a different audience, with the intention of influencing the way in

As traduções ditas fiéis também constituem reescritas, assim como a publicação de um texto original em uma edição ilustrada. Assim, quando afirmamos que a reescrita é a única maneira pela qual o público infantil pode acessar certas obras, não falamos necessariamente de facilitação da linguagem, versões resumidas, omissões e acréscimos ao texto, etc. A criança pode ler e compreender textos originais, ou traduções integrais, desde que a obra seja apresentada – ou mediada – de certa maneira. Uma apresentação peculiar (por exemplo, em uma obra ilustrada) constitui uma reescrita, bem como as antologias e ou a apresentação de fragmentos literários em livros didáticos.

Para Lefevere, o valor intrínseco da obra tem um papel menos relevante na sua recepção que a atuação daqueles que a intermedeiam (os reescritores). O autor menciona o caso de obras esquecidas por décadas e que foram resgatadas e republicadas em um contexto mais favorável à sua recepção, como os textos feministas das décadas de 1920-40, republicados nos anos 1970-80, impulsionados pela crítica feminista. Assim, a análise textual de obras literárias não seria suficiente para explicar os fenômenos de recepção das obras nem da formação do cânone. Entre os fatores concretos que aí atuam, a reescrita é o principal, a força motriz por trás da evolução literária (LEFEVERE, 1992, p. 2).

Lefevere fala em um duplo mecanismo de controle sobre o sistema literário, de modo que ele não se distancie demasiado dos outros subsistemas que compõem a sociedade. O primeiro atua de dentro do sistema, personificado pelo “profissional”: críticos, resenhistas, professores, tradutores, que prestam um serviço e são considerados competentes em sua área de atuação:

Eles ocasionalmente reprimirão certas obras literárias que são ostensivamente opostas ao conceito dominante acerca do que a literatura deveria (ser autorizada a) ser – sua poética – e do que a sociedade deveria (ser autorizada a) ser – ideologia. Mas muito mais frequentemente, eles reescreverão obras literárias até que sejam julgadas aceitáveis à poética e ideologia de certo tempo e lugar [...].81 (LEFEVERE,

1992, p. 14).

O processo de aceitação e rejeição de obras ou normas e modelos literários é dinâmico, e oscila em um mesmo espaço geográfico conforme o tempo, de maneira não linear. Uma obra que era aceita passa a ser rejeitada, depois volta a ser aceita. Um exemplo é o caso de Juca e Chico, de Wilhelm Bush (Max und Moritz, 1865), cuja primeira tradução

81 “They will occasionally repress certain works of literatura that are all too blatantly opposed to the dominant

concept of what literature should (be allowed to) be – its poetics – and of what society should (be allowed to) be – ideology. But they will much more frequently rewrite works of literature until they are deemed acceptable to the poetics and the ideology of a certain time and place...”

brasileira, de Olavo Bilac (1901), foi reeditada em 2012 pela Pulo do Gato após ter ficado desde a década de 1950 fora de circulação. O mesmo se dá com os contos de fadas, cujas versões integrais ou adaptadas dominam certos momentos históricos.

O segundo mecanismo de controle, que opera essencialmente fora do sistema literário, é chamado patronagem. Ele é constituído por poderes (pessoas ou instituições) que promovem ou entravam a leitura, a escrita e a reescrita da literatura (LEFEVERE, 1992, p.

15). Quem exerce a função do patron (que poderíamos traduzir por mecenas ou patrono82

muitas vezes o patron é, literalmente, um patrão, um chefe a quem se presta serviço), sejam pessoas ou instituições, delega ao profissional responsável pela poética da reescrita a autoridade para trabalhá-la. O sistema educacional é citado por Lefevere como o mais importante desses patronos. Isso se dá ainda mais claramente quando se fala em literatura para crianças. Não apenas os editores e livreiros, mas todos os mediadores (quem compra o livro ou quem o lê para a criança) exercem a patronagem nesse campo.

Quando, num sistema, uma literatura é produzida fora dos padrões impostos pelos patronos, ela é considerada “dissidente” e terá dificuldades para circular pelos canais oficiais. Sob um certo aspecto, poderíamos afirmar que os livros com os quais trabalhamos aqui são dissidentes, no sentido em que não se encaixam sem atritos nos padrões dominantes do mercado. Das obras listadas no Quadro 1, nas considerações iniciais deste trabalho, apenas A cortina da tia Bá teve reedições, as demais permanecendo num circuito de circulação mais restrito. Não se trata de lamentar a popularidade limitada desses “livros infantis para adultos”, mas de ponderar as razões e os efeitos da sua presença no sistema. Perguntamo-nos se as traduções “fiéis” do cânone para crianças não seriam também uma forma de não abandonar a obra à multidão ordinária, de selecionar um público – intelectualizado – e assim atestar o estatuto do produto, e por aí do próprio público que o consome.

Embora negando o padrão lucrativo mais evidente, o de vendas em larga escala, as obras no nosso corpus atendem a outros parâmetros de aceitabilidade que não o econômico, estabelecidos por uma elite intelectual. Num cenário de patronagem diferenciada (LEFEVÈRE, 1992), ou, para recuperar a linguagem de Toury (1995), num sistema onde existem normas de tradução diversas e com diferentes intensidades, o tradutor pode desviar-se de uma norma dominante para sujeitar-se a outra, hierarquicamente inferior, mas capaz de legitimar sua atuação.

82 Claudia Matos Seligmann, em sua versão da obra de Lefevere em português brasileiro (Tradução, reescrita e

manipulação da fama literária, Edusc, 2007), traduz “patron” como “mecenas” e “patronage” como “mecenato”. Como observa Cristina Carneiro Rodrigues (2011) em resenha sobre esta tradução, a escolha de Seligmann é possível, mas destoa da literatura da área, que tem preferido o termo “patronagem”.

A visão que Lefevere tem acerca do cânone alinha-se às correntes sociológicas que questionam o valor literário absoluto de um conjunto de obras julgadas dignas de leitura e emulação. Conforme as poéticas dominantes em um dado momento histórico, os cânones vão sendo reformulados, mantendo habitualmente um núcleo perpetuado pela antiguidade – obras canonizadas há séculos – e exibindo uma tendência essencialmente conservadora. As obras muito antigas permanecem vivas por meio da reescrita, como é frequente na transmissão de clássicos, fábulas e contos de encantamento na literatura infantil.

A fim de não nos perdermos em um viés puramente sociológico, afastando-nos da literatura, remetemo-nos a Antonio Candido em Estrutura literária e função histórica (2006). Se, como afirma Lefevere, no que é seguido por Casanova (2002a, 2002b) e Sapiro (2008), não se pode explicar a recepção das obras literárias e a formação do cânone apenas por uma análise textual, Candido não nos deixa abandonar o texto literário e sua estrutura interna: “...a função histórica ou social [da obra] depende da sua estrutura literária. É que esta repousa sobre a organização formal de certas representações mentais, condicionadas pela sociedade em que a obra foi escrita” (CANDIDO, 2006, p. 174).

Candido explica as “variações históricas de função numa estrutura que permanece esteticamente invariável” (CANDIDO, 2006, p. 174) pelas diferentes perspectivas de leitura que adotam, por um lado, os contemporâneos da obra e, por outro, a sua posteridade. Essas maneiras diferentes de interpretar definirão o destino da obra no tempo: “[...] o estudo da função histórico-literária de uma obra só adquire pleno significado quando referido intimamente à sua estrutura, superando-se deste modo o hiato frequentemente aberto entre a investigação histórica e as orientações estéticas” (CANDIDO, 2006, p. 197).

Se, por um lado, é preciso reconhecer o papel das instâncias consagradoras na constituição do cânone, por outro lado, não haveria nos clássicos, na própria estrutura interna das obras, uma grandiosidade literária e um aspecto universalizante que sustentariam sua permanência no tempo? O ponto de vista histórico de Candido contorna falsas dicotomias entre o valor intrínseco da obra, determinado por sua estrutura interna, e os condicionantes sociais:

O fato de ser este um livro de história literária implica a convicção de que o ponto de vista histórico é um dos modos legítimos de estudar literatura, pressupondo que as obras se articulam no tempo, de modo a se poder discernir uma certa determinação na maneira por que são produzidas e incorporadas ao patrimônio de uma civilização.

Um esteticismo mal compreendido procurou, nos últimos decênios, negar validade a esta proposição, – o que em parte se explica como réplica aos exageros do velho método histórico, que reduziu a literatura a episódio da investigação sobre a

sociedade, ao tomar indevidamente as obras como meros documentos, sintomas da realidade social. (CANDIDO, 2000, p. 29).

De fato, é uma abordagem ambiciosa, que exige uma visão de conjunto assaz desafiadora para o pesquisador. Mas, cientes de nossas limitações, este nos parece o modo mais honesto de trabalhar. Por esta razão, o corolário deste trabalho é a análise textual e a crítica das traduções dos quatro poemas que compõem nosso corpus, de modo a unir à leitura das condições de circulação das obras a identificação dos elementos internos que permitiram seu ingresso no sistema infantil brasileiro contemporâneo. Partindo então da literatura (e não da história) e de seus componentes estéticos, mas sem ignorar o contexto social na qual ela se insere, observamos as mudanças que ocorrem no sistema literário ao longo do tempo, incluindo a evolução das normas tradutórias. Essas transformações, como diz Lefevere, também são conduzidas em grande parte pelas relações de patronagem.

Movimento semelhante de articulação entre estrutura interna e função histórica das obras literárias levou autores como Bettina Kümmerling-Meibauer (1999), Elena Paruolo (2011) e Blanca-Ana Rechou (2010) a pensarem a constituição de um cânone literário infantil tendo em conta, ao mesmo tempo, o valor estético das obras e o caráter periférico da literatura infantil dentro do sistema. Considera-se ainda a relação da literatura infantil com a escola e a intervenção pedagógica na definição das obras a serem adotadas.

Vimos mais acima que a noção inicial de cânone, datada do século XVIII, dizia respeito a listas de autores importantes. Da mesma forma, a história literária definiu-se durante muito tempo como “o traçado de uma antologia (florilégio, silva, cancioneiro, conforme a época), que seleciona dentre todos os escritos, a partir do cânone potencial, o que merece ser salientado, preservado e ensinado, enfim, o cânone seletivo” (RECHOU, 2010, p. 76). A finalidade da seleção é por natureza pedagógica, ligada à educação, à escola e à universidade.

Rechou (2010) traça, desde a Grécia antiga, a atuação da escola na construção dos cânones, “pois nela se formavam, através de uma tradição de estudos, antologias e histórias literárias, que ordenavam, hierarquizavam, impunham, por meio da educação, um cânone por épocas” (RECHOU, 2010, 76). Escritos de Sócrates e dos filólogos helenistas, aponta a autora, já propunham a concentração dos estudos escolares em determinada matéria literária, de forma que algumas obras eram conservadas, enquanto as demais eram rejeitadas. Nas

literaturas modernas, porém, que não se realizam em uma língua única, como o latim da antiguidade, a seleção se complexificou, incorporando fatores políticos e ideológicos:

Também se vê, ao consultar histórias literárias das diferentes línguas que convivem na Espanha, que o cânone, como indicou Anxo Tarrío (1996), se configurou em linhas descontínuas e com sucessivas mudanças de orientação, mesmo do ponto de vista estético que servia como princípio de seleção. (RECHOU, 2010, p. 77).

A partir de casos reais da história da formação do cânone espanhol (o reconhecimento tardio de San Juan de la Cruz e a ausência de reedições da poesia de Lope de Vega por séculos, por exemplo), Rechou alerta para os perigos de “toda afirmação do cânone em pretensos valores antropológicos fundamentais de natureza suprahistórica” (RECHOU, 2010, p. 77). Seguindo Even-Zohar (1990), a autora considera a canonização como um processo no qual intervêm diversos agentes e, assim como Zohar-Shavit (1986), entende a literatura infantil como conjunto periférico, e sobre ela se debruça ao estudar a canonização escolar.

No âmbito de uma sociedade burguesa industrial, a literatura escolar só passou a contar com um cânone potencial com a configuração e a consolidação dos sistemas literários infantis a partir de fins de século XIX, nos países desenvolvidos, e em meados do sécuo XX, em países como o Brasil. O princípio fundamental da literatura escolar é que ela deve não apenas provocar prazer, mas também instruir, “aproximar o leitor de outras vidas, conhecimentos, valores da sociedade do momento e eternos, como também realizou Cervantes no Quixote” (RECHOU, 2010, p. 77). Na seleção de obras para o cânone escolar atuam agentes ligados à educação, no Estado ou na iniciativa privada, bem como agentes extraescolares, tais como as editoras e os meios de comunicação:

Dá-se, assim, uma convergência de critérios na seleção de textos escolares. De um lado, situam-se as variáveis empresariais, econômicas, ideológica; de outro, as acadêmicas, que deveriam basear-se, penso, como veio ocorrendo através dos tempos na literatura central, na qualidade literária, no conceito de clássico, nos modelos literários, em suma, nos juízos de valor, que mesmo as novas teorias sistêmicas não deixam de reconhecer [...]. (RECHOU, 2010, p. 78).

Rechou defende a adoção de critérios amplos para a construção de cânones na literatura infantil, que salientem a qualidade literária das obras e levem em conta as teorias recentes, as reflexões sobre os critérios de constituição de uma tradição literária, a noção de clássico e o ensino da literatura (RECHOU, 2010, p. 78). Para tanto, ressalta a importância crucial do traçado de histórias literárias para aquelas literaturas infantis que não as possuem, considerando “os fatores que intervêm na configuração do sistema. Ou seja, os agentes que

participam da canonização, como e por que se produzem os vaivéns de textos e autores do centro à periferia do sistema” (RECHOU, 2010, p. 78). Com isso, e a partir de sua posição de educadora, Rechou propõe resistir aos critérios restritos de grupos comerciais e políticos para a seleção de obras literárias para escolas e universidades.

Na mesma linha de atenção aos processos de canonização, Elena Paruolo (2011), em sua introdução a Brave New Worlds: Old and New Classics of Children’s Literature (Bravos novos mundos: novos e velhos clássicos da literatura infantil), aborda o estabelecimento de clássicos e listas de melhores livros no quadro da literatura infantil. A autora retoma os debates sobre o cânone, notadamente o conflito entre, de um lado, aqueles que defendem sua abertura e ampliação, e, do outro, aqueles que detêm uma visão mais conservadora e eurocêntrica do cânone.

Em primeiro lugar, Paruolo aponta a escassez de livros infantis no cânone geral, sendo Alice no País das Maravilhas uma das poucas exceções: “São livros que fizeram parte da cultura durante um tempo muito longo e foram levados a sério por críticos adultos. Há