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PARTE I: GLAMOUR

1. Do Atari a World of Warcraft

1.3. Nos Domínios da Fantasia

O argumento, contudo, ainda é acerca de como me aproximei de Warcraft e, dando continuidade à digressão histórica, o elemento sobre o qual não discursei ainda: o gênero conhecido hoje como fantasia. O caminho que nos leva até a fantasia, contudo, demanda uma breve digressão para explicar seu motivo: Warcraft é mais que simplesmente um mundo virtual – um ambiente simulado baseado na interação via

49 Que foi vencedor de uma série de prêmios, mas que não obteve grande retorno financeiro por ser primariamente story-driven em um momento no qual público e mercado se deleitavam com jogos de ação e gêneros experimentais

de jogabilidade. Torment foi o RPG do ano de 1999 pelo site GameSpot e pela revista Computer Gaming World de janeiro de 2000, além de vencer o Vault Network's Game of the Year de 1999, entre outras tantas menções honrosas e escolhas de editorias específicas.

dispositivos digitais, no qual os usuários interagem, espacial e socialmente, através de representações comumente antropomórficas. Sua origem data de 1994, dez anos antes do lançamento do MMORPG, e, naquele ano, a Blizzard Entertainment inaugurava a franquia com Warcraft: Orcs and Humans, em um gênero de jogabilidade que hoje já não encontra tantos seguidores quanto em meados da década de 1990, o gênero de real-time strategy (RTS).

Dito isto, é impossível não mencionar o trabalho de Tanya Krzywinska (2009) quando discursando acerca do elemento da fantasia medieval. A despeito de não se debruçar sobre as estruturas narrativas do jogo, Krzywinska (2009) se preocupa com os mitos e as estruturas mitológicas ali contidas. Para ela, o grande motivo pelo qual jogadores de um MMORPG se envolvem tanto com tais jogos é porque a quantidade de múltiplas referências aos mais diversos domínios da cultura lá presente serve para criar algo que ela identifica, se apropriando do trabalho de Roz Kaveney (2005) como um texto grosso (thick text).

O argumento por trás da ideia de thick text é relativamente simples: considerando que nenhuma obra é, jamais, finalizada, considerando que sempre existe uma série de forças por trás de um produto que nem sempre é visível para o consumidor final, o texto se torna grosso quando suas relações de intertextualidade50 são trazidas à tona: “em outras palavras, um texto rico em alusões, correspondências, e referências” (KRZYWINSKA, 2009, p. 123)51.

Esta agregação de referencias engendra o surgimento de uma estética geek na qual todo texto experimentado é tomado, a priori, como se fosse um texto grosso. A referência a esta suposta estética diz respeito ao fato de que, naturalmente, qualquer texto pode ser lido como um texto grosso, à medida que se buscam as referências e os intertextos ali presentes, mas para Kaveney (2005) certos textos evocam este tipo de comportamento sobre eles – são preparados com esta intenção.

Uma estética geek, para Kaveney (2005), desafia os princípios através dos quais, para o autor, podemos endereçar o mercado de comunicação. Segundo o autor

50 A despeito do fato de Kaveney (2005) e Krzywinska (2009) se eximirem de uma discussão formal acerca da

ideia de intertextualidade, é seguro afirmar que o conceito em muito se assemelha ao utilizado pelos pós- modernistas, em especial por Julia Kristeva (1980), que ao combinar a semiótica de Ferdinand de Saussure com o dialogismo de Mikhail Bakhtin, desenvolveu a ideia de que o intertexto deve substituir a intersubjetividade, a partir do momento em que o significado não migra diretamente do escritor para o leitor, mas sim é mediado por uma miríade de processos. Esta noção de intertextualidade ecoa os princípios barthesianos (BARTHES, 1968) relacionados à morte do autor, que acredita que o sentido não jaz na obra ou no indivíduo, mas na relação entre estes.

51 Livre tradução: “in other words, a text richly populated with various allusions, correspondences, and references”.

(KAVENEY, 2005, p. 7), geralmente se acredita que a cultura popular é consumida de forma passiva e que “vilões malignos alimentam às massas um material que nubla seus sentidos e suas opiniões”52. Este sentido de que “as massas” consomem de forma

passiva apresenta uma série de imprecisões. A primeira, tecnicamente, reside neste estudo na ideia de massa, necessariamente generalizante. Ainda assim, em um movimento de indulgência, esta opinião reflete, sem dúvida, o senso comum; só é necessário, para tanto, evocar as ideias de Walter Lippmann acerca da publicidade, que consistia, no contexto das grandes guerras, em um dispositivo de controle da massa, que o próprio considerava ser pouco além de um “rebanho assustado”53.

Continuando, outra imprecisão no que Kaveney (2005) acredita ser a interpretação do senso comum acerca do consumo midiático jaz no fato de que

uma das características da estética geek é que a cultura popular é consumida de forma ativa – assistir filmes e televisão podem ser o começo da apreciação destes meios, e não um fim em si mesmo

(KAVENEY, 2005, p. 7)54.

O espírito de um movimento como o da estética geek, pra Kaveney (2005), é aquele que se volta para o hobby, para o consumo deliberado não apenas de uma dimensão dos produtos midiáticos, mas de todo seu contexto, do ínterim no qual estes transitam. Esta ideia é, em muito, similar à discussão de Jenkins (2006) acerca da cultura da convergência. O pensador americano defende precisamente os mesmos ideais em seu livro, ao corroborar o fato de que o espírito do consumo de cultura não é hoje passivo e individual, mas sim ativo e social. Estes adjetivos, para Jenkins (2006), implicam na procura (ativa, portanto) de informações e textos adendos, por parte dos indivíduos, às obras as quais estes apreciam. Não é, para Jenkins (2006), apenas uma questão de procurar, mas também de compartilhar, fazendo do consumo uma prática social, no sentido mais amplo do termo, utilizado anteriormente.

Krzywinska (2009) acredita que os MMORPGs – e em especial World of Warcraft – funcionam de acordo com este arranjo. O discurso de Kaveney (2005) e Krzywinska (2009) nos é útil nesta medida porque endereça a questão da intertextualidade não como a mera herança genealógica, mas como uma característica estrutural que possui efeitos determinados, o que nos dá bases para crer que textos

52 Livre tradução: “evil moguls feed the masses material that dulls their senses and discriminations”.

53 Como ele explica no livro Media Control: The Spectacular Achievements of Propaganda, de 1991, ou neste

ensaio para a Z Magazine (http://www.chomsky.info/articles/199107--.htm), que data do mesmo ano.

54 Livre tradução: “feature of the geek aesthetic is that popular culture is consumed in an active way – sitting through films and television shows can be the start of appreciating them, not simply an end in itself”.

grossos podem ser encarados como dispositivos de agenciamento, pois o ponto, para ambos os autores, é que tal característica é responsável por um efeito no indivíduo em contato com um texto.

A ideia de texto grosso é bastante interessante, se observada a partir das lentes da Teoria Ator-Rede. Em especial porque o texto neste caso age como será visto à frente, como impulsionando a ação. Não apenas pode-se dizer que a intenção, em um caso como este, nasce na figura do humano. Com base na construção teórica a qual nos subscrevemos desde o começo do trabalho, sabemos que esta seria uma percepção ingênua. Ao contrário, tanto o consumo midiático agencia o texto (em sua interpretação, no sentido que lhe é dado, nos mecanismos de produção que obedecem a lógica processual e estão, cada vez mais, preocupados com as opiniões do público) quanto, principalmente, o texto agencia seu consumo.

Os exemplos a respeito do modo através do qual esta dinâmica se dá são os mais variados: podem surgir na leitura dos livros da franquia Game of Thrones, de George R. R. Martin, migrar para seu consumo televisivo através da série da HBO e findar-se em um conhecimento estratificado de nuances específicas do mundo como os professados em jogos de tabuleiro, RPGs e até aplicações para o iPad.

Mais que este múltiplo consumo de uma mesma franquia, a ideia de texto grosso de Kaveney (2005) articula esta obra em específico com o consumo da fantasia medieval, ligando Martin a J. R. R. Tolkien, criador do gênero, bem como à história da Europa medieval, aos jogos eletrônicos nos quais representações de dragões existem há décadas e, finalmente ao ator Peter Dinklage interpretar Bolívar Trask no próximo filme referente à franquia X-Men, da Marvel Comics, intitulado Dias de um Futuro Esquecido (Days of a Future Past, Marvel Studios, 2014; dirigido por Bryan Singer).

Se não há nenhum contato aparentemente entre uma franquia de ficção científica proveniente de histórias em quadrinhos e uma série de literatura de fantasia medieval, este é criado a partir do momento em que Dinklage se tornou conhecido por seu personagem, Tyrion Lannister, da série da HBO. As associações se dão das formas mais imprevisíveis possíveis e seus rastros estão espalhados por toda a rede no sentido latouriano e no sentido tecnológico: poucas são as notícias, para apontarmos apenas um dos rastros, que citam a presença de Dinklage no filme da Marvel sem referenciar seu papel na série da HBO.

Retornando à questão deixada pendente pela digressão, não é à toa, portanto, que buscamos articulação no pensamento de Tanya Krzywinska (2009) e Roz Kaveney (2009): a relação entre jogo e narrativa é crucial para que todo um contingente de adolescentes que, em nossa narrativa, não se preocupava com o domínio técnico do joystick tenha se aproximado dos jogos eletrônicos. Neste momento, em meados da década de 1990, não apenas estes chegavam ao Brasil, mas também a prática do RPG, do larping (verbification do acrônimo LARP, live action role-playing, uma prática de interpretar personagens de RPG em caráter semiteatral, com caracterização, indumentária, encenação) e, principalmente, literatura de fantasia infantojuvenil que até então só era acessível em língua inglesa. Interpretamos, portanto, cada um destes aspectos, cada um destes produtos, como contribuinte para um zeitgeist específico: todos jazem dobrados em complexas camadas de autorreferência que podem ser identificadas apenas como citação ou referência.

Esta confluência, este convergir de obras, estéticas, gêneros e, naturalmente, de indivíduos imbuídos de interesse, consiste na rede (agora apenas no sentido latouriano) da qual nos aproximamos, na qual nos matriculamos, com a qual nos associamos quando entramos em contato com um dispositivo como Warcraft. Até que ponto as referencias são discernidas, perscrutadas e as caixas-pretas são abertas, isso sim compõe uma esfera de análise, diferente desta, que trata apenas da articulação de argumentações distintas e de um objeto de pesquisa pleno de complexidade. Warcraft exibe um corpo de texto grosso praticamente impossível de ser mapeado: são mais de 100.000 linhas de texto acerca do jogo, segundo a empresa que produz o MMORPG, com referências que vão desde a cultura de massa popular à filosofia, passando pela literatura, arte, religião e folclore (KRZYWINSKA, 2009).

Diferente do mercado americano, no qual o RPG já era uma prática institucionalizada desde os anos 1970, a qual possuía o suporte não apenas de seus livros e suplementos de regras, mas também de uma literatura infantojuvenil extensa – com mundos como Forgotten Realms, Dragonlance, Planescape e Ravenloft, todos da extinta TSR, hoje pertencentes à Wizards of the Coast – no Brasil a prática era obscura, e dependia, em muito, de fotocópias de livros de regras e de que os jogadores soubessem ler em inglês.

Ainda assim, foi nesse período que a editora paulista Devir, fundada em 1987, começou a traduzir os livros da editora americana White Wolf, que foi fundada em 1991 e publicava prioritariamente os livros do World of Darkness, um universo

ficcional descrito por seu criador, Mark Rein·Hagen, como punk-gótico. Tendo em vista o nicho de mercado que era então factível a Editora Abril lançou em 1995 a tradução do Dungeon Master’s Guide e do Monster Manual – respectivamente traduzidos como Livro do Mestre e Livro dos Monstros – e do cenário de campanha Forgotten Realms. A Devir ainda lançou alguns dos romances que acompanhavam os mundos ficcionais, em especial a trilogia das Crônicas de Dragonlance, assinada pela escritora Margaret Weis e pelo game designer Tracy Hickman.

Era consideravelmente natural que boa parte dos CRPGs no mercado tivessem temáticas associadas à fantasia ou à ficção científica e a confusão entre o que eram gêneros de jogabilidade e como os gêneros literários interagiam com estes se fez presente. Neste ponto, não era incomum que jogos voltados para a temática medievalista fossem chamados de RPG, ainda que não possuíssem nenhuma das características da jogabilidade de RPGs. As referencias, portanto, apareciam às dezenas e, no meio de todas estas, se associando ao imaginário da fantasia medieval, das raças criadas e apropriadas por Tolkien e do gênero de estratégia em tempo real (RTS), a Blizzard lançou, como dito acima, Warcraft: Orcs & Humans.

Acredito que o ponto principal acerca da tecnologia, no que diz respeito a finalmente experimentar o universo de Warcraft, para mim, foi migrar do contexto dos consoles para o computador pessoal. A existência de teclado e mouse, ao invés de um joystick, consistia em uma mudança crucial que oferecia ao jogador a possibilidade de controle de unidades individuais específicas. Evocando o discurso de Bruno Latour (1994) acerca de como toda tecnologia é responsável pela criação de desvios (detours), não consigo imaginar neste momento um exemplo mais apropriado: a mudança de objeto técnico aqui, do console para o computador, foi responsável por um modo novo de experimentar histórias – de contá-las mesmo. Toda a minha experiência prévia – fosse com Phantasy Star ou Final Fantasy, por exemplo, nos quais o jogador controlava diversos personagens agregados em um só avatar – era a de controle de apenas um elemento passível de agência, um personagem; Warcraft oferecia um horizonte muito distinto, a partir do momento em que cada unidade criada podia ser efetivamente controlada.

Os dois primeiros Warcraft – Orcs and Humans e Tides of Darkness – são separados apenas por um ano de diferença, o primeiro é de 1993, o segundo, de 1994,

e sua jogabilidade é bem similar. Eles combinam elementos de jogos de emergência55 – jogos que possuem conjuntos de regras delimitadas e simples e que portam um gameplay complexo (JUUL, 2005) – com uma narrativa voltada para os gêneros da alta fantasia/fantasia medieval. Guardadas as devidas proporções, a jogabilidade dos dois primeiros Warcrafts é muito similar a outros jogos de estratégia de base analógica, como o xadrez, por exemplo, à exceção de que há uma história sendo ali contada.

Neste momento, contudo, ainda em meados da década de 1990, os recursos narrativos utilizados por Warcraft eram mínimos: o ápice do aspecto narrativo acontecia na forma de, antes de cada fase – na qual o jogador era desafiado com uma base de recursos e um tabuleiro no qual os objetivos deveriam ser cumpridos – uma tela contar o porquê de se estar invadindo uma dada vila, ou defendendo um dado ponto específico. Ainda que o aparato tecnológico tivesse evoluído a ponto de elfos, goblins, orcs e dragões fazerem parte não apenas da imaginação, mas da materialidade do jogo em si – com representações em avatares – jogo e ficção eram separados em momentos bem específicos.

Ainda que esta separação seja muito visível, diferente de jogos atuais nos quais os aspectos operacionais e narrativos estão extremamente diluídos entre si, a exemplo de títulos como Heavy Rain ou The Last of Us (Naughty Dog, 2013), minimizar a importância da narrativa nos dois primeiros Warcrafts não seria adequado: é importante perceber que o alicerce da história que continua até hoje a ser contada – em World of Warcraft – não diz respeito apenas ao enredo ou à sequência de ações que ali se desenrola, não diz respeito apenas aos personagens e ao modo como estes interferem na cosmologia e cronologia. Na representação de construções como fazendas e prefeituras, igrejas e altares, residia grande parte daquela experiência narrativa; residia a experiência de Azeroth – mundo no qual se desenrola a história do universo de Warcraft – como espaço.

Montfort e Bogost (2009), Stern (2002) e Aarseth (2008) são alguns dos teóricos do campo dos game studies que já se debruçaram sobre a questão da

55 Juul (2005, pp. 55-56), ao explicar o movimento de composição do jogo, elaborou sete passos segundo os quais

as regras funcionariam, e que levam, basicamente, a dois estados que podem dialogar entre si – o das regras combinadas para que haja a variação, que ele chama de emergência; e o de diferentes desafios pontuais regidos cada um por um conjunto de regras, que ele chama de progressão. O Xadrez é um jogo de emergência, assim como o futebol ou qualquer outro esporte: as regras estão determinadas previamente; qualquer jogo onde haja evolução e desenvolvimento de habilidades de um personagem, contudo, é considerado de progressão. Naturalmente, existem jogos híbridos que misturam as duas características, como o casual Puzzle Retreat, citado anteriormente.

experiência espacial como parte importante da experiência do jogo e esta certamente representa um importante índice de transição em se tratando da experiência do universo de Warcraft. Enquanto não existiam heróis, enquanto não existiam personalidades individuais para serem ali controladas – e estas apareceriam somente em 2002, com o lançamento de Warcraft III: Reign of Chaos – unidades genéricas múltiplas e construções consistiam em um poderoso elemento de ambientação. Apontemos para o fato de que mesmo considerando que o jogo pouco sublinhava o horizonte narrativo, sublinhando uma preocupação apenas com a vitória, certamente a experiência do jogo como texto – em sua narrativa e em sua espacialidade – eram responsáveis por engendrar um efeito particular na relação com o MMORPG. Não era apenas um jogo, afinal.

Existe, na narrativa de Warcraft, uma série de particularidades que são conhecidas alegorias presentes no gênero da fantasia medieval, desde heróis que são corrompidos para mais tarde serem objetos de redenção ao medo da destruição do mundo por uma ou outra ameaça, o que Umberto Eco (1973) identifica como uma das características do neomedievalismo, apenas para oferecer dois parcos exemplos de um mundo que possui milhares de linhas de história distribuídas pelos mais diversos suportes midiáticos. Se hoje é possível interpretar tais particularidades como pouco mais que referências e intertextos que conectavam intimamente o universo que se desenrolava ali, na tela, ao universo – ainda que distinto – que era experimentado em sessões de RPG, na época esta conexão naturalmente não era feita de forma de forma consciente.

A experiência de possuir um personagem no RPG e de lidar com situações das mais versáteis maneiras possíveis é peculiar: a presença de elementos alienígenas à nossa realidade – magia, panteões politeístas, avatares – oferece limites que são desafiados de acordo com a imaginação daqueles que ali estão envolvidos. Ainda assim, o resultado de uma sessão de RPG, onde jogadores interpretam cada qual um personagem e um mestre guia a história, é algo comparado à produção de fan fictions e, certamente, se afirma como um retorno à oralidade, no sentido em que a história não é necessariamente documentada, sendo produzida em autoria conjunta, em um fenômeno chamado, por Hammer (2007), de autoria secundária.

O mundo cânone jaz intocado, sua apropriação é efêmera e não o modifica estruturalmente. Ele continua disponível (em um livro, geralmente) para que outros grupos dele se apropriem de forma semelhante. A diferença entre uma sessão de RPG

e a produção de fan fictions é instrumental: RPGs provêem regras para que conflitos sejam resolvidos em grupo de forma aleatória, com base em dados, e não de forma arbitrária, por uma decisão do mestre. A questão que subjaz a experiência do RPG e que talvez enderece, de alguma forma, a decadência do mercado de livros de role- playing games é: se podemos experimentar a materialidade das fábulas e dos contos através de nossos computadores, qual é o sentido de imaginá-las?

Esta, contudo, não é uma questão que se busque responder neste trabalho. Factualmente, minha visão sempre se organizou de forma bastante dialógica no que diz respeito a que segmentos desta cultura geek que dava forma a um consumo adolescente de temáticas da fantasia. Estas temáticas, é necessário apontar, são comumente consideradas de cunho escapista, a despeito de engendrarem um complexo realismo social, para Steinkuehler (2004). O ponto, portanto, é frisar que o consumo destes textos nunca se deu de forma pura, no sentido de que cada produto