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3. Sistemas Processuais e Inquérito Policial

3.3 Notas sobre o sistema acusatório

De origem na Antiguidade195 grega, o sistema acusatório floresceu suas principais características no Direito Romano, quando, na República, houve o surgimento da accusatio, caracterizada por acusação realizada por um particular, de forma que a administração da justiça era competência de um tribunal popular, composto de início por senadores e posteriormente por cidadãos. O pressuposto crucial deste novo procedimento era que impossibilidade de uma pessoa ser levada a julgamento sem uma acusação. Nas palavras de Geraldo Prado196, a accusatio era:

[...] voltada à apuração de algumas infrações penais atinentes à ordem pública, como, por exemplo, àquelas cometidas pelos magistrados no exercício de suas funções (quaestiones). O procedimento, que carecia da figura de acusador particular, ora na condição de ofendido, ora representando o interesse público da sociedade, surgia como manifestação da adaptação do antigo processo penal às novas exigências sociais [...]

Explicando o funcionamento da accusatio, diz Aury Lopes Jr197 que:

Na accusatio, a acusação (polo ativo) era assumida, de quando em quando, espontaneamente por um cidadão do povo. Surgiu no último século da República e marcou uma profunda inovação no Direito Processual romano. Tratando-se de delicta publica, a persecução e o exercício da ação penal eram encomendados a um órgão distinto do juiz, não pertencente ao Estado, senão a um representante voluntário da coletividade (accusator). Este método também proporcionava aos cidadãos com ambições políticas a uma oportunidade de aperfeiçoar a arte de declamar em público, podendo exibir para os eleitores sua aptidão para os cargos públicos.

O sistema acusatório tem por característica primordial a separação entre as funções processuais de acusar, defender e julgar. Observa, assim, a presença de um juiz equidistante, que se sobrepõe às partes, contrapostas na relação processual, mas em paridade de armas.

Demais disto, o sistema acusatório caracteriza-se pela publicidade e oralidade dos atos, bem como pela aplicação do princípio da presunção da inocência ao acusado198, que

195 Sintetiza Aury Lopes Jr. que “A origem do sistema acusatório remonta ao Direito grego, onde se desenvolve referendado pela participação direta do povo no exercício da acusação e como julgador. Vigorava o sistema de ação popular para os delitos graves (qualquer pessoa podia acusar) e a acusação privada para os delitos menos graves, em harmonia com os princípios do Direito Civil”. LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal e sua

conformidade com a Constituição. vol. 01. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris. 2009. p. 261

196 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2006, p. 75

197 LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade com a Constituição. vol. 01. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris. 2009. p. 59.

deixa de ser mero objeto do processo, e passa receber tratamento digno, alçando a categoria de sujeito de direitos. Neste ponto, o sistema processual acusatório é compatível com a adoção de um sistema penal garantista199, que visa à contenção do arbítrio punitivo do Estado- Administração, do Estado-Juiz e, ainda, da própria população200.

No tocante à iniciativa probatória, este sistema é marcado por um comportamento passivo201 do juiz, com a concentração da atividade probatória nas partes. Tal perspectiva coaduna-se com a imparcialidade do magistrado, que assume papel de garantidor dos direitos e liberdades fundamentais dos envolvidos, em um processo que visa à construção justa e dialética de uma solução para o conflito.

Aury Lopes Jr. sintetiza as características do sistema acusatório atual no seguinte sentido:

a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes;

c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio ao labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo;

d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo);

e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente);

f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência( defesa);

h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional;

i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada;

j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.202

198LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Vol. Único. 2ª edição – 3ª tiragem. Revista,

ampliada e atualizada. Salvador: Editora Juspodviw. 2014. P. 46.

199 O garantismo penal é uma teoria criada por Luigi Ferrajoli definida como “um modelo normativo de direito: precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidade”, próprio do Estado de direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. É consequentemente, “garantista” todo sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente.” FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.684

200CASSARA, Rubens R.R. Interpretação Retrospectiva: Sociedade Brasileira e Processo Penal. Coleção Pensamento Crítico. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004, p.97.

201Aury Lopes Jr. destaca que a “principal crítica que s fez (e se faz até hoje) ao modelo acusatório é exatamente com relação à inércia do juiz (imposição da imparcialidade), pois este deve resignar-se com as consequências de uma atividade incompleta das partes, tendo que decidir com base em um material defeituoso que lhe foi

proporcionado. Esse sempre foi o fundamento histórico que conduziu á atribuição de poderes instrutórios ao juiz e revelou-se (através da inquisição) um gravíssimo erro.” LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal e sua

conformidade com a Constituição. vol. 01. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris. 2009. p. 61.

202LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade com a Constituição. vol. 01. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris. 2009. p. 60.

Observa-se que a ênfase na oralidade e na publicidade são, em regra, características do sistema acusatório, demonstrando-se o seu viés democrático203. A oralidade está relacionada com o predomínio da palavra falada, com a identidade física do juiz no curso do processo e com o contato direito do juiz com as provas e com os argumentos das partes, em uma posição de verdadeiro diálogo.204 Já a publicidade ganha relevância como concretização da garantia de outras garantias, ou seja, forma de controle da correta aplicação da lei pela participação do público na gestão do processo, na qualidade de expectador205.

Demais disto, verifica-se que o um dos pressupostos de identificação do sistema acusatório é a aplicação da garantia do devido processo legal. A respeito desta garantia constitucional206, sinaliza Humberto Theodoro Jr207:

A garantia do devido processo legal se polarizou em torno de algumas ideias ou categorias fundamentais, tais como a garantia do juiz natural, a garantia do contraditório e ampla defesa e a garantia de adequação das formas procedimentais. Mas sobretudo se estabeleceu, à unanimidade, que a garantia em questão corresponde a uma efetiva e concreta tutela estatal ao titular de qualquer direito lesão ou ameaçado de lesão. É preciso que se

203A democracia aqui está intimamente relacionada com a possibilidade de construção discursiva da decisão por meio da participação simétrica dos envolvidos. Neste sentido, melhor ensina Jürgen Habermas, expondo a distinção entre princípio da democracia e princípio moral: "A fim de obter critérios precisos para distinção entre princípio da democracia e princípio moral, parto da circunstância de que o princípio da democracia destina-se a amarrar um procedimento de normatização legítima do direito. Ele significa, com efeito, que somente podem pretender validade legitima as leis jurídicas capazes de encontrar o assentimento de todos os parceiros do direito, num processo jurídico de normatização discursiva. O princípio da democracia explica, noutros termos, o sentido performativo da prática de autodeterminação de membros do direito que se reconhecem mutuamente como membros iguais e livres de uma associação estabelecida livremente. Por isso, o princípio da democracia não se encontra no mesmo nível do princípio moral. Enquanto este último funciona como regra de argumentação para decisão racional de questões morais, o princípio da democracia pressupõe preliminarmente a possibilidade da decisão racional de questões práticas, mais precisamente, a possibilidade de todas as fundamentações, a serem realizadas em discursos (e negociações reguladas pelo procedimento), das quais depende a legitimidade das leis. Por si mesmo, o princípio da democracia não é capaz de dizer como é possível abordar discursivamente questões políticas - esse problema teria que ser esclarecido preliminarmente numa teoria da argumentação. Partindo do pressuposto de que uma formação política racional da opinião e da vontade é possível, o princípio da democracia simplesmente afirma com esta pode ser institucionalizada - através de um sistema de direitos que garante a cada um igual participação num processo de normatização jurídica, já garantido em seus pressupostos comunicativos. Enquanto o princípio moral opera no nível da constituição interna de um determinado jogo de argumentação, o princípio da democracia refere-se ao nível de institucionalização externa e eficaz da participação simétrica numa formação discursiva da opinião e da vontade, a qual se realiza em formas de comunicação garantidas pelo direito." HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol.I. tradução: Flávio BenoSiebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 145/146.

204 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2006, p.156.

205

PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2006, p.158/159.

206 CRFB/1988: Art. 5º [...]LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

207

THEODORO JUNIOR, Humberto. A garantia do devido processo legal e o grave problema do ajuste dos

procedimentos aos anseios de efetiva e adequada tutela jurisdicional, in Atualidades Jurídicas (coordenação

tenha como justo o processo legal, que, antes de tudo, se assegure o acesso de todos à justiça. (grifos do autor)

A tutela208 do devido processo legal na seara da persecução penal, em todas as suas etapas, relaciona-se com o primado do estado de direito, ou seja, o Estado que obriga a atuar em conformidade com suas próprias regras. A legitimidade e a regularidade das decisões processuais dependem do respeito às normas legais, aos direitos e garantias fundamentais, traduzindo a ideia de justiça. Neste sentido, acentua Ada Grinover209 que:

Estado de direito deve combater o delito seguindo regras morais escrupulosas, sob pena de igualar-se aos delinquentes e de perder toda a autoridade e credibilidade. E as garantias que a Constituição assegura ao acusado não são simplesmente postas como tutela de seus direitos individuais, mas são, antes de mais nada, garantias do justo processo, assegurando o interesse geral à regularidade do procedimento e à justiça das decisões.

Neste contexto, os direitos fundamentais210 ao contraditório e à ampla defesa aparecem como corolários do devido processo legal, e ganham destaque na realização de um processo penal compatível com a constituição.

Por contraditório tem-se o direito de participação211, de contradizer os fatos apresentados e alegações contrárias a seu interesse, de forma a influir eficazmente na decisão da autoridade. Ao analisar as garantias fundamentais de um processo justo, Leonardo Greco212destaca as exigências do direito ao contraditório contemporâneo:

O contraditório é consequência do princípio político da participação democrática e pressupõe: a) audiência bilateral: adequada e tempestiva notificação do ajuizamento da causa e de todos os atos processuais através

208 “A tutela se dirige à Sociedade como um todo e a cada indivíduo em particular, que pode, a qualquer momento, se transformar em suspeito ou acusado, ficando sujeito a abusos injustificáveis e a injustiças irreparáveis se não cercado das garantias constitucionais que lhe asseguram um devido processo legal. A gravidade do crime em investigação ou em julgamento não pode autorizar a adoção de meios repressivos que repugnam a consciência de país democrático, violando a dignidade da pessoa humana [...].” PIERANGELLI, José Henrique. Devido Processo Legal, Continência e Crime Culposo. In Revista Brasileira de Ciências Criminais. Vol. 5/1994. P.107-119. Jan-mar.1994.

209GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo Constitucional em Marcha. São Paulo: Max Limonad, 1985, p. 48.

210 CRFB/1988: Art. 5º [...]LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

211 “Assim, o contraditório deve ser visto basicamente como o direito de participar, de manter uma contraposição em relação à acusação e de estar informado de todos os atos desenvolvidos no iter procedimental”. LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade com a Constituição. vol. 01. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris. 2009. P. 197.

212 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais Do Processo: O Processo Justo. Disponível em: <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15708-15709-1-PB.pdf>. Acesso em 02/06/2017.

de comunicações preferencialmente reais, bem como ampla possibilidade de impugnar e contrariar os atos dos demais sujeitos, de modo que nenhuma questão seja decidida sem essa prévia audiência das partes; b) direito de apresentar alegações, propor e produzir provas, participar da produção das provas requeridas pelo adversário ou determinadas de ofício pelo juiz e exigir a adoção de todas as providências que possam ter utilidade na defesa dos seus interesses, de acordo com as circunstâncias da causa e as imposições do direito material; c) congruidade dos prazos: os prazos para a prática dos atos processuais, apesar da brevidade, devem ser suficientes, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, para a prática de cada ato da parte com efetivo proveito para a sua defesa; d) contraditório eficaz é sempre prévio, anterior a qualquer decisão, devendo a sua postergação ser excepcional e fundamentada na convicção firme da existência do direito do requerente e na cuidadosa ponderação dos interesses em jogo e dos riscos da antecipação ou da postergação da decisão; e) o contraditório participativo pressupõe que todos os contra-interessados tenham o direito de intervir no processo e exercer amplamente as prerrogativas inerentes ao direito de defesa e que preservem o direito de discutir os efeitos da sentença que tenha sido produzida sem a sua plena participação (grifos no original)

Este direito assume contornos mais profundos no processo penal, na medida em que exige que seja assegurada aos envolvidos uma verdadeira paridade de armas213, ou seja, participação efetiva e em igualdade de condições.

No tocante ao à ampla defesa, este direito-garantia214relaciona-se com possibilidade de “apresentar todas as alegações, propor e produzir todas as provas que, a seu juízo, possam militar a favor do acolhimento da sua pretensão ou do não acolhimento da postulação do seu adversário.”215

.

O direito à ampla defesa comporta duas acepções simultaneamente aplicáveis: a autodefesa e a defesa técnica. Por autodefesa ou defesa pessoal tem-se o direito de o acusado, réu, investigado, praticar atos de defesa em nome próprio, independente da atuação de qualquer profissional lhe representando. Concretiza-se pelo direito de ser ouvido216, o que no

213 Sobre a paridade de armas e direito ao contraditório no processo penal, escreve Renato Brasileiro: “De fato, de nada adianta se assegurar à parte a possibilidade de se pronunciar sobre os aos da parte contrária, se não lhe são outorgados os meios para que tenha condições reais e efetivas de contrariá-los. Há de se assegurar, pois, o equilíbrio entre a acusação e defesa, que devem estar munidas de forças similares. O contraditório pressupõe, assim, a paridade de armas: somente pode ser eficaz se os contendentes possuem a mesma força, ou, ao menos, os mesmos poderes”. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Volume único. 2ª edição, revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Juspodivm. 2014. p. 55.

214 “Sob a ótica que privilegia o interesse do acusado, a ampla defesa pode ser vista como um direito; todavia, sob o enfoque publicístico, no qual prepondera o interesse geral de um processo justo, é vista como garantia.” LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Volume único. 2ª edição, revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Juspodivm. 2014. p. 57.

215GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais Do Processo: O Processo Justo. Disponível em: <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15708-15709-1-PB.pdf>. Acesso em 02/06/2017. 216

A Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, aprovada pelo Decreto nº 678/1992, prevê em seu art. 8, item 1, que “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido

processo penal brasileiro ocorre no ocorre principalmente no interrogatório217, mas não se exaure neste momento.

Na verdade, tamanha é a amplitude da defesa pessoal que é possível distinguir uma autodefesa positiva de uma autodefesa negativa. Ao explicar a autodefesa positiva, aponta Aury Lopes Jr218:

A autodefesa positiva deve ser compreendida como direito disponível do sujeito passivo de praticar atos, declarar, constituir defensor, submeter-se a intervenções corporais, participar de acareações, reconhecimentos etc. Em suma, praticar atos dirigidos a resistir ao poder de investigar do Estado, fazendo valer seu direito de liberdade.

Verifica-se, todavia, que este direito é facultativo, pois, na hipótese do interrogatório, por exemplo, permite-se que a pessoa disponha deste direito, sem que seu silêncio seja considerado em seu desfavor219. Neste ponto, fala-se em autodefesa negativa, assegurada constitucionalmente220 e consagrada pela fórmula do nemo tenetur se detegere221, proscrita no

Pacto de São José da Costa Rica . Sobre a amplitude da autodefesa negativa, escreve Marcelo Lessa :

É esta gama de garantias que deixa o réu absolutamente descompromissado de colaborar com toda e qualquer atividade probatória, cujo ônus é exclusivamente da acusação, garantindo a ele que não que não haverá de suportar qualquer prejuízo por ter feito esta opção no exercício de sua autodefesa negativa. Se é verdade que o réu pode renunciar a esta forma de defesa, colaborado, exclusivamente por sua vontade, com atividade probatória estatal, não é menos verdade que se não quiser colaborar, preferindo a opção pela autodefesa negativa, disto não poderá nascer nenhum tipo de presunção de culpa e muito menos originar nenhum tipo de efeito jurídico em seu desfavor.

Já a defesa técnica é realizada pela atuação de um Advogado, devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, ou Defensor Público, que poderá participar

anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”

217 CPP/1941: Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

218

LOPES JR. Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.232.

219 CPP/1941: Art. 186 [...] Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

220

CRFB/1988: Art. 5º [...] LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

de todos os atos do processo. A defesa técnica é indisponível,222 e sua ausência ou deficiência são capazes de gerar nulidade ao processo.

Visto que as características gerais do sistema acusatório têm assento constitucional, é possível concluir que este foi o sistema eleito pelo constituinte originário223. Entretanto, a despeito desta escolha implícita, permanecem estruturas pré-constitucionais de viés inquisitorial que demandam uma filtragem para alcançar status democrático, como é o caso do Inquérito Policial que, paulatinamente, vem incorporando características acusatórias.